CLARA
O som das botas de Clara ecoava pelo piso de cimento queimado do estúdio.
Ela estava de volta à sua base: In.Arte Arquitetura — o espaço que não era só o coração do trabalho, mas o coração dela.
Ali, entre as janelas enormes do Brooklyn, o cheiro de café forte e a bagunça perfeitamente funcional, vivia o que ela chamava de sua verdadeira estrutura:
Sabrina, Talita e Vic.
Eles se conheceram na faculdade.
Passaram por pranchetas tortas, madrugadas a fio, concursos perdidos e maquetes que explodiam antes de serem entregues.
Sobreviveram juntos ao caos criativo e saíram de lá com um pacto silencioso:
não importa o tamanho do projeto, da cidade ou do inimigo — eles enfrentariam tudo como uma fortaleza. Juntos.
Na parede, o logo minimalista da empresa.
Na alma do ambiente, três gargalhadas e um sarcasmo afiado por metro quadrado.
Sabrina Duarte — ruiva, dramática, diretora de criação e rainha do batom vinho.
Talita Ramos — morena, cabelos crespos ondulados, olhar analítico e coração de aço.
Victor Cabral (Vic) — arquiteto de interiores, gay declarado, fofoqueiro profissional e dono da língua mais afiada da Costa Leste.
— Oi, musa amazônica — disse Sabrina, sem tirar os olhos do tablet.
— Já voltou da cúpula dos deuses?
— E aí? Como tá o senhor “arquitetonicamente delicioso”? — emendou Vic.
Clara largou a bolsa e soltou um suspiro.
— Voltei viva. Mal, mas viva.
— Ele é isso tudo mesmo? — Talita perguntou, já prevendo o drama.
— Sim.
— “Sim” tipo CEO padrão… ou tipo “eu queria ser o lápis dele por 15 minutos”? — Sabrina disparou.
Clara riu.
— Segundo tipo.
Vic quase caiu da cadeira:
— ENTÃO SENTA. RELATA. ME DÁ ESSE PRAZER.
Clara sentou, pegou a caneca, cruzou as pernas e disparou:
— O escritório dele parece um templo de poder. Frio. Escuro. Sofisticado. Parece que ninguém toca em nada ali desde o Obama.
— Como o ego dele? — Talita provocou.
— Tamanho da torre. E aquela barba? Aquela barba poderia ser usada em interrogatórios sensuais.
Sabrina bateu na mesa:
— EU SABIA. E você? Manteve o domínio?
Clara ergueu uma sobrancelha.
— Olhei bem nos olhos dele e disse que a sala parecia projetada por alguém com medo de intimidade.
Vic soltou um grito.
— Ai, meu Deus! Casa com ele. Depois me dá o projeto do quarto!
— E ele? — Talita sorriu.
— Ele… gostou.
As risadas deram lugar a um breve silêncio. Clara olhou pra janela.
— Ele tem algo. Uma presença. Como se tivesse nascido pra dominar o mundo… mas finalmente tivesse encontrado alguém que desafia o próprio império.
Sabrina se levantou.
— Só espero que você não tente redesenhar a fundação dele e acabe se jogando do topo da torre.
Clara a olhou nos olhos.
— Eu sou arquiteta, Sab. Eu não caio. Eu projeto onde piso.
Vic ergueu a taça de vinho que tinha surgido sabe-se lá de onde.
— Então brindemos, meus amores! Ao quase contrato com o deus de mármore.
Talita trouxe mais duas taças. Sabrina já abria o armário do “happy hour de emergência”.
— A esse projeto, que ainda nem começou… mas já tem história pra virar série — disse Talita.
— E à In.Arte — completou Clara. — Onde a base é forte, o topo é nosso… e os amigos são estrutura de aço.
As taças se chocaram.
E por um instante, entre o estalo do vidro, os risos e a promessa de gin com segredos, Clara sentiu:
A torre pode ser dele.
Mas a fundação… era dela.
Vic girou na cadeira com o celular na mão, os olhos brilhando mais do que o espumante:
— Inclusive, aviso de utilidade pública: marquei um date no Match agora e ele vai estar na festa do Bronx Club hoje à noite. Eu não vou sozinha. Vocês VÃO comigo.
Sabrina já soltava uma risada maliciosa:
— Festa com gente bonita, luz baixa e bebida boa? Me avisa onde assino.
— Eu topo — disse Talita. — Só se for pra usar aquele vestido que vocês disseram que era “criminal”.
Vic estalou os dedos.
— É isso! Look criminal, atitude ilegal.
E você, Clarinha…
— Vic a olhou com intenção — …vai. Nem adianta fingir. Você precisa desintoxicar esse olhar de CEO com cheiro de pimenta preta e tatuagem no braço.
Clara sorriu.
— Ok. Mas só se tiver música boa. E nenhuma promessa de casamento, Vic.
Ele piscou:
— Prometo só perdição.
Contrato emocional? Só se for verbal e com beijo.
Eles riram de novo.
E a noite começava a parecer promissora.