CLARA
O apartamento ficava a três quadras do estúdio. Moderno, funcional, e com três regras básicas: 1. Ninguém atrasa o café. 2. Ninguém toca nos vinis da Talita. 3. E ninguém ousa sair mal arrumado quando Vic entra no modo “produção de gala”. Era o lar dos quatro desde o término da faculdade. Dividiam o espaço como dividiam a vida: por igual. Cada um com seu quarto, suas manias, seus dramas — e uma cumplicidade que nem o caos de Nova York conseguiu quebrar. Todos vinham de famílias humildes. Clara, Sabrina e Vic tinham histórias de esforço e noites viradas por necessidade, não por escolha. A exceção era Talita Ramos. Morena, cabelos crespos e ondulados, Talita era filha de um empresário de médio porte da Zona Sul de São Paulo. Foi o pai dela quem bancou o primeiro espaço da In.Arte Arquitetura, acreditando que as ideias da filha e dos amigos poderiam mudar fachadas — e vidas. E hoje… todos sabiam que estavam prestes a marcar presença. Não em uma festa. Mas em território inimigo. Vic girava com uma escova na mão, prendendo mechas no alto da cabeça de Sabrina. — Abaixa a cabeça, ruiva! Essa franja não vai vencer minha laca. E Talita, se não quiser parecer diretora de escola sexy, vai ter que tirar esse blazer. — É Versace — respondeu Talita. — É caretice com etiqueta cara — rebateu Vic, sem perder o ritmo. No quarto ao lado, Clara olhava seu reflexo com Calma. Firme. Quase perigosa. O vestido azul-marinho colado ao corpo era uma provocação com assinatura. Tecido acetinado, modelagem impecável, alças finas que dançavam nos ombros com a leveza de quem sabe o que carrega. O corte abraçava o corpo com precisão cirúrgica — justo no quadril, firme na cintura, e letal nas costas nuas, que desciam como uma queda controlada de desejo. — Claraaaa — Vic apareceu na porta com as mãos na cintura. — Já tá pronta pra acabar com a paz do bairro? Ela sorriu. — Só se a maquiagem estiver à altura. — Já vou resolver isso. Em poucos minutos, Vic estava com o estojo aberto. Base. Iluminador. Máscara de cílios. — Você não precisa disso tudo — disse ele, enquanto aplicava. — Mas se vamos derrubar bilionários hoje… é melhor que eles vejam você brilhar antes de cair. Clara deu um sorriso de canto. Um sorriso contido. Perigoso. Talita apareceu com taças na mão. — Um brinde rápido antes da guerra? Todos se reuniram no centro da sala. — Ao look — disse Sabrina. — Ao salto — disse Vic. — À In.Arte — disse Talita. Clara ergueu a taça. — E à torre… que talvez trema essa noite. As taças se chocaram. O perfume, o desejo e a tensão já pairavam no ar. E enquanto desciam os degraus daquele prédio… nenhum deles sabia que o homem que Clara queria esquecer… estaria lá. Uber parou na calçada em frente ao Bronx Club. A música já vibrava pelas paredes escuras do prédio. Luzes em tons de violeta, dourado e vermelho pulsavam no ar como batimentos cardíacos fora do peito. Clara, Sabrina, Talita e Vic desceram do carro como uma formação de ataque silenciosa. Impecáveis. Letais. — Entrando agora… o colapso coletivo — murmurou Vic, enquanto ajeitava o próprio paletó com brilho discreto e sapato tão afiado quanto sua língua. Talita ajeitou os brincos. Sabrina soltou o cabelo. E Clara passou os dedos nos fios soltos do coque com a confiança de quem sabia o impacto que causava — mesmo sem planejar. Eles não sabiam de nada. A noite era só diversão. Alívio. Gin com gosto de vingança leve. E um bocado de risada entre amigos que tinham sobrevivido a mais um inferno criativo. Clara não pensava em Leon. Pelo menos não naquele segundo. — Vamos beber — disse Sabrina. — Vamos dançar — completou Talita. — Vamos deixar alguém arrependido de existir — decretou Vic, puxando todos pela mão. Enquanto isso, do outro lado do salão… Leon Vellamo acabava de chegar. Terno escuro. Camisa semiaberta. Sem gravata. O olhar afiado de sempre, mas com um quê de caçador solto — sem saber que a presa não era quem ele pensava. O clube era grande. Mas não grande o suficiente. E os olhos dele iam encontrá-la. Não por acidente. Mas por gravidade.