Jéssica saiu do prédio de Leon em um turbilhão de emoções. A brisa da manhã parecia fria demais para seu corpo em chamas, e o sol que começava a despontar no horizonte era um lembrete cruel da noite que ela queria apagar. Estendeu o braço para o primeiro táxi que passou, jogando-se no banco de trás e ditando seu endereço com a voz embargada. A viagem de volta para casa foi uma tortura psicológica. Sua mente era um campo de batalha. Revolta, humilhação, raiva e uma pontada aguda de autopiedade se misturavam em um nó sufocante. Como ela pôde ser tão cega? Tão ingênua? Entregar-se novamente a Leo, ao homem que a machucou, sob o pretexto de esquecê-lo com um "desconhecido". A ironia era cruel, e a sensação de ter sido enganada – por ele, e principalmente por si mesma – era insuportável.
As imagens da noite anterior se repetiam em sua cabeça: a dança na balada, o calor familiar do toque dele, a paixão no carro, e a entrega total em seus braços. E então, a luz da manhã revelando a verdade, a imagem dele ali, preparando café, e a chegada inoportuna daquela mulher, Vanessa, que a tratou com desdém. A humilhação de ter sido vista daquela forma, de ter falado aquelas palavras cortantes para se defender, queimava em sua memória. Ela sentia-se suja, usada e, acima de tudo, enganada pela sua própria mente. Ao chegar em casa, Jéssica abriu a porta com a chave, sentindo o peso de cada passo. O apartamento, que antes era seu refúgio, agora parecia sufocante. Mal teve tempo de jogar a bolsa no chão quando seu celular vibrou. Era sua melhor amiga, Ana. Jéssica hesitou antes de atender. Não tinha energia para simular normalidade. Mas a insistência de Ana, sua voz alegre e despreocupada, acabou prevalecendo. _ Jéssica! Bom dia! Acordei inspirada e com umas receitas novas que dona Bella me ensinou aqui na confeitaria que preciso testar. Quer vir me ajudar a provar? Preciso de uma opinião sincera e de alguém para comer os 'erros'!", Ana disse, rindo. O convite era um salva-vidas. Uma chance de sair daquele apartamento e da prisão dos seus próprios pensamentos. Uma distração, um sopro de normalidade que ela precisava desesperadamente. O aroma doce de açúcar e baunilha preenchia a pequena e acolhedora confeitaria onde Ana trabalhava. O sol da manhã entrava pela vitrine, iluminando os sacos de farinha, as bancadas limpas e os utensílios brilhantes. Jéssica estava ali, as mãos sujas de farinha, rindo enquanto tentava, sem sucesso, moldar um biscoito com um cortador em forma de coração. Ana, com seu avental manchado de chocolate, observava-a com um sorriso. _ Jéssica, você está piorando a cada tentativa!, Ana provocou carinhosamente, pegando o biscoito deformado. _ Você está mais para destruidora de biscoitos do que para provadora de receitas. Jéssica riu, uma risada genuína que há muito não dava. _ É que minha cabeça não está no lugar hoje, Ana. Acho que preciso de um chá de descarrego... ou talvez uns cinco desses bolinhos de canela que você acabou de tirar do forno. Enquanto provavam a fornada de bolinhos perfeitos, a atmosfera leve e a companhia de Ana começaram a quebrar as barreiras que Jéssica havia erguido. Entre risadas sobre um bolo que não cresceu e a satisfação de acertar o ponto de um creme, Jéssica sentiu uma necessidade incontrolável de desabafar. Respirou fundo, olhando para a massa de biscoitos à sua frente. _ Ana, começou ela, a voz um pouco mais baixa, tem algo que eu preciso te contar... algo que aconteceu hoje de manhã. E na noite passada. Ana parou de enrolar uma massa, seus olhos perspicazes se fixando em Jéssica. _ Hum... parece que a provadora de biscoitos tem uma história e tanto. Me conta. Jéssica hesitou por um momento, as palavras pesando em sua língua. _ É sobre... Leo, ela finalmente conseguiu dizer, o nome escapando como um segredo guardado por muito tempo. _Você se lembra dele, não lembra? Da faculdade? Aquele romance... anos atrás. Ana deu um suspiro longo, um som de reconhecimento que indicava que a memória de Leo era tão vívida para ela quanto para Jéssica. O nome pairava no ar entre elas, carregado de histórias e sentimentos não resolvidos. Jéssica respirou fundo, buscando a coragem para mergulhar nas águas turvas do passado. _ Eu... eu me envolvi completamente com ele, Ana, ela começou, a voz embargada pela emoção contida. _ Sabe como é, né? Aquela intensidade de primeiro amor na faculdade. Eu estava tão apaixonada. Ele era tudo pra mim. E então, do nada, ele foi embora. Desapareceu. Sem uma palavra. Uma dor antiga se retorceu no peito de Jéssica, a mesma que ela sentia sempre que pensava nisso. Ele simplesmente cortou todas as relações. Não houve uma ligação, um e-mail, uma mensagem, nada. Ele evaporou. Eu fiquei... arrasada. Totalmente destruída. E o pior é que nunca houve uma explicação. Nem um 'adeus', nem um 'estou indo embora por isso ou aquilo'. Simplesmente sumiu. É a pior parte, a falta de um porquê. Me deixou sem chão, sem saber o que eu tinha feito de errado, se é que tinha feito algo. As mãos de Jéssica apertaram o pano de prato, a lembrança ainda crua. Ana apenas ouvia, com o olhar atento e compassivo. _ E o que me deixou ainda mais maluca, Jéssica continuou, a voz subindo um tom, é que a gente se encontrou de novo. Ela fez uma pausa, o olhar fixo em Ana. _ No noivado da Maria Ana parou abruptamente o que estava fazendo, um saco de confeitos coloridos escorregando de suas mãos e se espalhando pela bancada. Seus olhos se arregalaram, fixos em Jéssica. _ O quê?! Leo? No noivado da Maria? Mas... como? Por que você não me contou?! O espanto em sua voz era palpável, uma mistura de choque e preocupação genuína. Jéssica respirou fundo, a confissão do encontro com Leo havia aberto uma comporta. _ Eu não sei, Ana. Aconteceu. Ele estava lá, e... e de alguma forma, nós nos encontramos. Ela fez uma pausa, os olhos mareados, as lembranças daquela noite vindo com uma clareza dolorosa. _ Nós... nós passamos a noite juntos.