A primeira noite na mansão começou antes mesmo do pôr do sol.
Luna caminhava pelos corredores com passos lentos, analisando cada detalhe do lugar que agora seria sua casa — ainda que temporária, ainda que forçada.
O quarto que lhe foi designado era espaçoso demais, frio demais. Lençóis brancos impecáveis, cortinas pesadas de linho cinza, uma escrivaninha de madeira escura que parecia ter saído de um filme antigo. E silêncio. Muito silêncio.
Ela deixou a mochila sobre a poltrona e abriu a pasta com o contrato. Cada cláusula assinada parecia mais absurda agora, diante da realidade. O nome "Caio Ventura" impresso no rodapé parecia zombar dela, como se o destino repetisse: você aceitou.
Sentou-se na beira da cama e cobriu o rosto com as mãos. O que estava fazendo ali?
O jantar foi servido às 19h em ponto. Um empregado — sempre mudo — a guiou até a sala de refeições. A mesa era longa demais para duas pessoas, mas ainda assim, Caio já estava lá, sentado à cabeceira, como um rei moderno em exílio.
Ele a observava como quem analisa um animal selvagem.
— Dormiu bem? — perguntou, mesmo sabendo que ela ainda não havia dormido. — Acabei de chegar. — Luna manteve o tom neutro. — Ah, claro. É que o tempo aqui passa diferente. Lento. — Ou talvez seja só você que ficou preso nele.Um sorriso dançou no canto dos lábios dele.
— Sempre afiada. Isso é bom. Vai precisar.Durante o jantar, o silêncio voltou. Mas era diferente. Não vazio — carregado. Tenso. Um campo de guerra entre olhares.
Luna percebeu que ele comia devagar, com movimentos limitados. As mãos ainda firmes, mas as pernas imóveis, escondidas sob a mesa. A imagem de Caio Ventura, o garoto arrogante que dominava os corredores do colégio, agora ali, quebrado, incomodava mais do que ela queria admitir.
— Como aconteceu? — ela soltou sem pensar.
Caio ergueu os olhos devagar. — Que parte do “sem perguntas” você não entendeu? — A parte em que eu tenho que fingir que não estou cuidando de alguém que quase destruiu minha vida.Ele largou o talher sobre o prato.
— Eu quase destruí? Você não era nenhuma santa, Luna. Você também teve culpa. — Eu tinha dezessete anos! — Ela se levantou, as palavras saindo mais alto do que deveria. — Você me expôs, me humilhou... e ainda quer que eu me cale?— Senta. — A voz dele baixou, firme. — Agora.
Ela hesitou. Mas sentou. E o silêncio voltou, dessa vez mais espesso.
— Não estou aqui para brigar — ele disse depois de um tempo. — Estou aqui porque preciso. E você está aqui porque aceitou. Podemos tornar isso mais fácil... ou mais difícil. A escolha é sua.
Luna respirou fundo.
Ela não era mais aquela garota. E ele não era mais o mesmo também. A guerra agora era outra.
Naquela noite, antes de dormir, Luna abriu o notebook e começou um diário. Não para escrever memórias românticas — mas para manter a sanidade.
Dia 1 Cheguei na mansão Ventura. O passado me recebeu na porta. Arrogante como sempre, mas... diferente. Ele está quebrado. E eu não sei se isso me assusta ou me atrai. Preciso lembrar a mim mesma:isso é um trabalho. Ele é o inimigo. Não confie. Nunca.
Do outro lado da casa, Caio também não dormia.
Sentado em silêncio diante da lareira apagada, ele olhava fixamente para uma foto antiga sobre a laje: um grupo de adolescentes em uniforme, sorrindo na frente do colégio. E bem no centro, ela. Luna.
Ele passou o dedo sobre o vidro.
— Bem-vinda de volta, garota do inferno. Vai ser interessante te ver cair... ou me salvar.