Amélia Moreira
A pergunta que martelava incessantemente na minha cabeça era: o que diabos eu iria fazer agora? Eu não tinha um tostão furado para pagar Inácio pela quebra daquele acordo absurdo, e a ideia de passar mais um segundo ao lado dele, muito menos casada, me revirava o estômago. Minhas mãos suavam. Talvez eu esteja pensando demais. E se esse contrato nem for válido? E se for só mais uma armação dele para me assustar? Com esse pensamento, uma onda de esperança frágil, mas renovadora, se acendeu dentro de mim. Ergui os olhos, que antes estavam baixos em derrota, e encarei Inácio com uma confiança recém-descoberta. — Como eu posso ter certeza que esse contrato realmente é válido? — questionei, tentando soar o mais firme possível. Ele soltou uma risada nasal, um som seco e irritante. — Por que não seria? Acha mesmo que eu mentiria para você sobre algo tão sério? Ponderei por um instante sua argumentação, mordendo o lábio. Ele tinha razão, em tese. Inácio, o babaca arrogante, não mentiria sobre um documento legal. Ele preferiria a crueldade da verdade. Mas confiar nele? Nem morta. — Ok, Inácio, mas isso não muda o fato de que você me drogou — disparei, a acusação pesando no ar entre nós. — Hum... não, não muda — ele concordou, com uma calma assustadora. — Mas você não tem provas, Amélia. Nenhuma. Então, o que vai ser? Vai ficar ou vai tentar ir embora? A decisão é sua. Respirei fundo, sentindo o ar quente nos pulmões. Eu tinha que pensar, não podia ser impulsiva. Precisava de um plano, um jeito de fazê-lo desistir desse casamento doente. E era exatamente isso que eu faria. Ah, Inácio. Vamos ver até onde você aguenta, pois não darei moleza alguma para esse babaca arrogante, prometi a mim mesma. — Tudo bem, eu fico — disse, forçando cada palavra a sair com firmeza, mesmo sentindo um gosto amargo na boca. — Mas que fique bem claro: não vamos dormir juntos. Eu quero um quarto só para mim. E também quero sair para comprar roupas. Preciso de algo decente para vestir. Ele analisou minha blusa, que mal cobria o meu corpo o suficiente,é um sorriso de canto de boca surgiu. — Acho bom mesmo você colocar uma roupa, Amélia. Pois andar desse jeito pela casa não vai dar certo, ainda mais com tantos seguranças por aí — disse ele, em um tom que era sério e divertido ao mesmo tempo. Ergui a sobrancelha, confusa. Seguranças? Onde? Não vi nenhum até agora. Devem ser invisíveis, só pode. Caso contrário, são inúteis, pensei com sarcasmo. — Mas eu não estou vendo ninguém aqui além de você — comentei, olhando ao redor da imensa sala, que parecia vazia. Ele estendeu a mão, pegou a minha com uma facilidade irritante, e começou a me puxar em direção à escada principal. — Isso é porque eles estão de folga. Amanhã você irá conhecê-los — disse ele, subindo o primeiro degrau. — Então para onde está me levando? Irá me mostrar onde meu quarto vai ficar? — perguntei, a esperança de um espaço só para mim se acendendo por um segundo. Ele parou no segundo degrau, virou-se para mim e me lançou um olhar que me gelou até os ossos. — Não será o seu quarto, Amélia. Mas sim, o nosso quarto. Somos casados, e marido e mulher dormem juntos. Conosco não será diferente por causa de uma frescura sua. Frescura?! Minha mão, que ele ainda segurava, se apertou em um punho cerrado. A raiva voltou a borbulhar. — Não somos um casal de verdade — rebati, com a voz firme, apertando a mão dele com a raiva ainda borbulhando, mas já misturada a um sarcasmo defensivo. Ele parou no meio da escada, seu aperto em minha mão não vacilando. — Isso é o que você pensa — disse ele antes de voltar a me puxar pela escada, sem me dar chance de argumentar. Bufei, irritada com sua teimosia. Passamos por um longo corredor, onde eu mal prestava atenção nos detalhes, até chegarmos ao final. Ele abriu uma porta e me arrastou para dentro do mesmo quarto no qual eu havia acordado. Meus olhos varreram o ambiente, notando a decoração minimalista e, para mim, tediosa. — Fala sério, Inácio, não dava para colocar uma corzinha nesse lugar? Por que tudo tão branco? Por acaso estamos em um hospício? — perguntei, o sarcasmo escorrendo em cada palavra enquanto olhava para as paredes imaculadas. Ele se virou para mim, a sobrancelha arqueada. — Por acaso você precisa ser irônica e sarcástica o tempo todo, Amélia? Cruzei os braços sobre o peito, um sorriso debochado brincando em meus lábios. — Não, mas com você, Inácio, eu sempre encontro tempo. Ele soltou um sorriso lento e um tanto perigoso. — Já que é assim, também pode encontrar tempo para usar sua boca para outra coisa. Meu coração deu um salto. Será que ele estava falando o que eu estava pensando? Ou era coisa da minha cabeça, que estava começando a viajar com a proximidade? — Como assim? — perguntei, sentindo um calor subir pelo meu pescoço. Ele sorriu, um brilho malicioso nos olhos escuros, e se aproximou. Fico tão perto que sua boca quase roçava a minha. Senti meu coração acelerar e, de repente, um nervosismo estranho me tomou conta. Afinal, não era todo dia que eu ficava tão perto de um pedaço de mal caminho desses. Certo que ele era um babaca completo, um psicopata controlador, mas não podia negar que, naquele instante, uma parte proibida da minha mente gostaria de explorar aquele abdômen definido, quem sabe passar minha língua... — Talvez usá-la para beijar — disse ele, a voz um sussurro sugestivo que me arrepiou. Sorri, recuperando a compostura e armando minha defesa. — Tem razão, não é uma má ideia. Quem sabe você não me leva em uma boate, Inácio? Assim posso conhecer alguns boys para beijar na boca — disse, com um sorriso provocador, lançando a isca. A expressão dele se fechou em um instante, e ele cerrou os punhos ao lado do corpo, a mandíbula travada. — Por que outros quando você me tem? — disse ele, a voz baixa, mas carregada de uma possessividade assustadora. Meu sorriso se alargou, triunfante. Ele tinha mordido a isca. — Porque com nenhum outro, corro o risco de acordar casada no dia seguinte, seu maluco. Um doido já é suficiente para mim, então logo você não se conta, certo? Marido. — A última palavra saiu com um veneno agridoce, um misto de deboche e desprezo.