Amélia Moreira
Encarei Inácio com um olhar fulminante, sentindo o calor da raiva queimando meu rosto, e o peso da blusa amassada que eu vestia me incomodando. Ele, por sua vez, cruzava os braços sobre o peito nu, um sorriso irritantemente calmo brincando em seus lábios. — Sério que vai tentar me manter presa aqui? Isso é cárcere privado, Inácio! Eu vou chamar a polícia! — rosnei, tentando controlar a tremedeira nas mãos. Ele soltou um risinho debochado, que fez meu sangue ferver. — Você pode tentar, meu amor, mas antes vai ter que descobrir o número deles primeiro. Olhei para ele, confusa e irritada. — Como assim? — Não estamos no país — disse ele, a voz casual, como se estivesse falando do tempo. Um desespero gélido me atingiu em cheio, apertando meu peito e cortando minha respiração. A ficha caiu, e o pânico se espalhou pelo meu corpo, fazendo minhas mãos tremerem incontrolavelmente. — E estamos onde então, se não em Nova York? — questionei, a voz falhando, o nervosismo evidente. — Na minha casa, no Canadá — disse ele, com uma tranquilidade absurda. Minha boca se abriu em um perfeito "O". Eu não conseguia processar. O Canadá?! — Tá de brincadeira comigo, né? — balbuciei, a voz um sussurro incrédulo. — Não. E não vamos voltar tão cedo para Nova York — disse ele, o tom final e inegociável. — Você não fez isso! Ficou louco? E o meu trabalho? A minha vida! — gritei, sentindo o desespero se transformar em fúria. Aquele imbecil tinha realmente feito isso! — Mandei um e-mail com sua carta de demissão. Você não precisa se preocupar, te darei tudo o que quiser. Não vai precisar trabalhar — disse ele, a voz carregada de uma autoconfiança que me deixou completamente puta. Meus olhos varreram o cômodo em busca de algo, qualquer coisa. Minha mão se fechou em torno de um pesado vaso de cerâmica que estava em cima de um aparador. Sem pensar duas vezes, o lancei em sua direção com toda a força que tinha. Ele desviou por um triz, e o vaso se espatifou contra a parede atrás dele, deixando um buraco e estilhaços pelo chão. — Ficou louca foi? Quase acertou meu olho! — ele exclamou, a calma finalmente abandonando sua voz . Soltei uma risada estridente, quase um soluço de fúria. — Quem ficou louco foi você, seu infeliz! Quem lhe deu o direito de se intrometer na minha vida?! De destruir tudo que eu construí?! — Fica calma, Amélia — disse ele, tentando se aproximar, os braços estendidos. Mas eu já estava fora de controle. Avancei, tentando atingi-lo com as mãos, com os pés, com qualquer parte do meu corpo. — Fica calma, porra nenhuma! Eu vou te matar, seu idiot— Não consegui terminar a palavra. Ele avançou em um segundo, me calando. Seus lábios, frios e determinados, esmagaram os meus em um beijo brusco e possessivo, que roubou meu ar e meus sentidos. Devolvi o beijo, em um impulso que mal pude conter. A princípio, era uma mistura de choque e raiva, mas logo se tornou intenso, carregado de uma eletricidade perigosa. Quando dei por mim, Inácio já estava me erguendo, me sentando em cima de uma mesa pesada que ficava ao lado da porta, e se posicionava entre minhas pernas, prendendo-me. Seus lábios eram exigentes, suas mãos firmes na minha cintura. Porém, um momento de lucidez gélida me atingiu. O que eu estava fazendo? Empurrei-o com força, fazendo-o cambalear para trás, e desci da mesa num pulo. — O que foi? — Inácio perguntou, a voz rouca, os olhos confusos com minha reação abrupta. Não ia negar. Apesar de ele ser claramente um sujeito irritante e controlador, ele tinha uma pegada e um beijo que me desarmavam. Aquilo era perigoso. — Nada! — respondi, tentando manter a calma, mas a voz saiu mais aguda do que eu queria. — Me leve de volta para casa, Inácio. Não vou ficar aqui, e muito menos com você. Ele soltou uma risada curta, sem humor. — Você não entendeu, Amélia. Ficar ou não, não é uma opção para você. Meus olhos se arregalaram. Me afastei dele, sentindo um arrepio na espinha. — O que você quer dizer com isso? Eu preciso de água. Não de um banho, é urgente. Esse beijo... Pensei, tentando organizar meus pensamentos caóticos, mas fui interrompida por Inácio. — Você já leu o contrato todo? — questionou ele, os olhos fixos nos meus. — Está disposta a pagar pela multa pela quebra de contrato? Nem que eu vendesse meus rins, eu poderia pagar por essa porra, pensei, sentindo um nó se formar na garganta. Eu tinha lido o contrato. Era um absurdo total, uma aberração legal. Nele, dizia que se eu quisesse quebrar o acordo, teria que pagar uma multa de, pelo menos, dez milhões de dólares. Dez milhões! E eu, pobre como era, mal tinha dinheiro para pagar o aluguel no final do mês. Não tinha nem a metade, nem um décimo, nem um centésimo daquele valor. — Eu li sim! Mas eu não concordei com isso! Eu não assinei aquele contrato por vontade própria, seu desgraçado! — Disse, a voz explodindo em indignação. — E eu com isso? — perguntou ele, a frieza de sua resposta me chocando. Minha raiva explodiu novamente. — Você não presta, Inácio! É um monstro! — disse, a voz embargada pela indignação. Ele riu, um som que me fez arrepiar os pelos da nuca. — Não — disse ele, dando um passo, depois outro, se aproximando de mim. Ele estendeu a mão, e meus músculos tensionaram. Seus dedos roçaram uma mecha do meu cabelo, puxando-a levemente para trás da minha orelha. O toque, estranhamente suave, era mais arrepiante do que qualquer grito.