Viena, Áustria — 20 anos depois
As cortinas pesadas da Mansão Santorini filtravam a luz fria do amanhecer. Lá fora, Viena acordava silenciosa, coberta por uma névoa que parecia ter saído de um antigo conto de fantasmas. Mas ali dentro, o tempo não andava. Pulsava.
Leonardo Santorini estava de pé diante do retrato do avô, Dominick, pendurado sobre a lareira principal. O olhar do patriarca parecia vivo, como se ainda controlasse tudo das sombras. Como se esperasse algo. Como se cobrasse.
— O mundo sangra pelas mãos de quem tem coragem — ele murmurou, repetindo as palavras de seu pai, Domenico. — Mas só governa quem sangra por último.
Leonardo tinha vinte anos, mas não era jovem. Não no sentido tradicional. Cresceu entre cadáveres e contratos. Aprendeu a atirar antes de aprender a confiar. E quando finalmente herdou o império Santorini, não houve festa. Só silêncio... e uma lista de inimigos que crescia a cada manhã.
Vestia preto dos pés à cabeça. Um terno italiano sob medida, abotoado até o colarinho. No punho esquerdo, um relógio antigo de Dominick. No direito, uma tatuagem com a inscrição em latim que dizia: Sine timore, sine misericordia. Sem medo, sem misericórdia.
As portas do salão principal se abriram com discrição. Marco, seu braço direito, entrou com passos firmes.
— Ela chegou.
Leonardo não se virou de imediato.
— Trouxeram viva?
— Sim. Mas não sem luta. Está amarrada na sala do espelho.
Leonardo enfim se virou. O olhar era frio, quase sem cor. Mas por dentro, algo se movia. Curiosidade? Desejo? Instinto?
— Ela tem o sangue de Giuliano Vasquez — disse ele. — Quero olhar nos olhos dessa herança maldita.
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Sala do Espelho – 06h47
O ambiente era luxuoso e sinistro. Espelhos venezianos cobriam as paredes, refletindo múltiplas versões de uma mesma cena: uma mulher, amarrada em uma cadeira de veludo, os cabelos escuros caindo sobre os ombros, o vestido rasgado no joelho revelando a força de quem tentou escapar.
Ela ergueu o rosto ao ouvir os passos. Não havia medo em seus olhos. Havia fúria. Fogo.
— Então é você — disse ela, com a voz firme. — O novo demônio com sobrenome Santorini.
Leonardo parou à frente dela, as mãos nos bolsos.
— E você é o último erro da linhagem Vasquez?
Ela sorriu de canto. Era linda. Não no sentido delicado. Mas com um tipo de beleza perigosa, capaz de destruir homens com uma palavra.
— Meu nome é Isadora Vasquez. E não sou erro. Sou a maldição que você decidiu despertar.
Leonardo inclinou a cabeça. Observava cada detalhe dela como se decifrasse um código. As mãos delicadas, mas feridas. Os olhos que não desviavam. A respiração controlada.
— Você tem coragem. Isso me agrada.
— E você tem uma boca arrogante. Isso me dá vontade de te cortar — rebateu ela, mesmo amarrada.
Um silêncio intenso pairou.
Leonardo se aproximou. Ajoelhou diante dela, rosto a rosto. A tensão era palpável.
— Me diga, Isadora... o que você faria se eu soltasse você agora?
Ela o encarou com desafio.
— Te beijaria. Só para poder cravar minha faca nas suas costas depois.
Leonardo sorriu. Pela primeira vez em dias.
— Então talvez valha a pena correr o risco.
Ele puxou uma lâmina curta do bolso interno do paletó. Com cuidado, cortou as amarras do punho direito dela. Depois o esquerdo. Ela ficou imóvel. Surpresa.
— Você é louco — sussurrou.
— Não. Eu sou Santorini.
VIENA — SALA DO ESPELHO — 06h55
Isadora massageava os pulsos com os olhos cravados em Leonardo. Ainda sentia a ardência das cordas, mas não permitiria que ele visse fraqueza. Sua respiração era calma, seu olhar, cortante.
— Não vai me prender de novo?
Leonardo deu um passo para trás, observando-a se levantar.
— Se eu quisesse te prender, usaria algo mais eficaz que cordas. Usaria dívida. Desejo. Medo.
Ela riu com escárnio.
— Você acha que pode me comprar com poder?
— Não. Acho que você já está à venda — ele respondeu. — Só ainda não escolheu o preço.
Ela se aproximou, os rostos perigosamente próximos.
— Eu nunca estaria à venda para um Santorini.
Leonardo a olhou como um predador observa sua presa antes do ataque.
— Então talvez você já seja minha por outro motivo.
O silêncio entre eles era feito de tensão elétrica. Ela o odiava. E o desejo de matá-lo estava tão vivo quanto o calor que subia por sua pele ao vê-lo ali, tão perto, tão frio, tão... irresistível.
— Por que me trouxe aqui? — ela perguntou.
— Porque você invadiu uma rota minha. Porque matou dois dos meus homens. Porque o mundo precisa saber que nem mesmo uma Vasquez toca em território Santorini sem consequências.
Isadora sorriu, sarcástica.
— E o que o mundo vai ver agora? Você me soltando?
— O mundo verá o que eu quiser que veja.
Leonardo girou nos calcanhares e saiu da sala, deixando o perfume de poder e charuto no ar. Isadora hesitou, mas o seguiu. Ele não precisava prendê-la — o jogo já estava sendo jogado, e ela sabia disso.
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MANSÃO SANTORINI — ESCRITÓRIO CENTRAL — 07h15
Leonardo acendeu um charuto e se recostou na cadeira de couro. Isadora estava em pé, de braços cruzados, como se preferisse ser interrogada a parecer vulnerável.
— Qual é o seu plano? — ela provocou. — Me seduzir e esperar que eu entregue o nome dos sobreviventes Vasquez?
— Não preciso que você me diga nada. Preciso apenas te observar.
— Então observe enquanto eu saio daqui — ela virou-se para a porta, mas antes que pudesse tocá-la, ele falou:
— Se sair agora, vai estar morta antes do meio-dia.
Ela congelou.
— Suas palavras, não as minhas — continuou ele, com calma. — Há três famílias que querem a cabeça da última Vasquez. Mas eu posso protegê-la. Aqui.
Ela se virou lentamente.
— Em troca de quê?
Leonardo levantou-se.
— Em troca de silêncio. De lealdade. De sua presença.
— Eu sou uma arma. Não uma amante de mafioso.
— Eu não quero uma amante. Quero alguém com fogo suficiente para queimar meus inimigos comigo.
Os olhos dela cintilaram. Pela primeira vez, a oferta parecia mais do que um jogo. Parecia uma maldição... tentadora.
— Eu posso dormir com o diabo — disse ela, andando até ele —, mas nunca serei sua.
— Ainda não — respondeu Leonardo, a voz baixa e carregada de veneno doce.
Ele ergueu a mão, segurando o queixo dela com firmeza. O toque foi firme, mas não agressivo. Os olhos deles se encontraram. A tensão sexual era densa. Se ela o beijasse agora, seria uma guerra. Se ela o matasse, seria libertação.
Mas ela apenas sorriu, ousada.
— Tome cuidado, Santorini. Eu mordo.
— E eu gosto de sangrar devagar — ele sussurrou, antes de soltá-la.