Capítulo 3

Matheo Montclair

Pude sentir a agonia em sua voz.

— Um estranho. Mas não um perigo. Eu a encontrei em um bar, sozinha, e evitei que dois imbecis a incomodassem. Ia levá-la para um hotel, mas agora, vou levá-la até você. Me passe o endereço de onde quer que eu a deixe.

— Meu Deus... — ela respirou fundo, aflita. — Me chamo Rebeca. Sou a melhor amiga da Isabela, a moça que está com você. Estou no ateliê dela. Vou enviar a localização. Por favor, cuide da minha amiga.

— Não se preocupe, não sou nenhum maníaco. Sua amiga está bem e chegará até aí da mesma forma. Me espere. — Desliguei.

Oscar já estava do lado de fora, como sempre. Um homem de fala serena e modos impecáveis. Era mais do que um motorista — era parte da minha família. Foi ele quem me viu crescer, quem esteve ao meu lado quando tudo desmoronou... e quando, em segredo, tudo começou a se reconstruir.

— Garoto... — ele disse, abrindo a porta traseira tentando entender o que eu fazia com aquela moça nos braços. — Posso ajudá-lo?

Eu ia pedir que a colocasse no banco de trás. Mas, de repente, senti seus braços se apertarem ao redor do meu pescoço com uma força inesperada. Mesmo adormecida, ela parecia implorar por segurança.

— Por favor, não me abandone — sussurrou, a voz falha como vento passando por frestas.

Meu coração acelerou.

Olhei em volta. A rua estava escura, vazia. Não havia testemunhas. Nenhum olhar curioso, nenhum clique de câmera. Nada além da noite.

Foi então que a peguei nos braços e me levantei — com firmeza.

Oscar não esboçou reação. Ele me conhecia desde que eu era criança. Sabia de tudo — da dor, da farsa, da verdade. Ele e Louis, meu melhor amigo, eram os únicos que sabiam que eu havia recuperado os movimentos há mais de um ano. O resto do mundo acreditava que eu ainda estava preso à cadeira de rodas.

E, por enquanto, era melhor assim.

Oscar não disse nada. Apenas assentiu, discreto, como sempre.

No caminho até lá, observei a mulher adormecida em meus braços. Seu perfume impregnava o interior do carro — doce, envolvente e viciante. Ela murmurava algo de vez em quando. Nada claro. Apenas fragmentos de sonhos partidos.

Oscar seguiu o endereço com naturalidade. Quando paramos, olhei pela janela e me surpreendi.

Nunca havia estado em um lugar como aquele.

O prédio onde Rebeca nos esperava era uma construção antiga, restaurada com extremo bom gosto. A fachada mantinha as características da arquitetura parisiense — com paredes em tom creme suave, detalhes ornamentais cuidadosamente preservados e pequenas floreiras que exalavam perfume fresco de lavanda e jasmim.

A porta, assim como as janelas, pintada de um tom azul eclesiástico, que contrastava harmoniosamente com a cor creme, tinha um vidro fosco que pegava mais da metade de seu comprimento, e havia escrito, em caligrafia dourada e elegante: "Ateliê Isabela Andrade".

Não era chamativo. Mas era impossível ignorar o charme.

Eu desci e logo me acomodei na cadeira de rodas, com Isabela ainda em meus braços.

Rebeca logo em seguida apareceu. Seus olhos estavam vermelhos, mas sua expressão firme.

— Ela está bem? — perguntou com a voz embargada.

— Está. Está dormindo — Rebeca veio até mim para checar como ela estava, assim que viu que estava tudo bem, me conduziu até a entrada do ateliê.

O térreo parecia um mundo à parte — um refúgio silencioso esculpido em arte e calor.

Assim que se entrava, o ambiente abraçava com uma aura tranquila e acolhedora. As paredes, pintadas em um tom creme suave, serviam de moldura para obras lindamente distribuídas: quadros de paisagens, retratos expressivos, natureza-morta com frutas e flores pintadas em traços precisos, e pequenas esculturas colocadas em pedestais claros, posicionados para destacar cada detalhe sem poluir o espaço. Fiquei impressionado com o nível das obras, era tudo magnífico.

A iluminação era pensada — luzes quentes vinham de spots embutidos no teto, destacando cada obra com delicadeza, sem exageros.

Ao lado direito de quem entrava, havia uma recepção impecavelmente decorada: um balcão de madeira restaurada com uma estética elegante. Atrás dele, um painel imponente, com molduras detalhadas, mas nada exagerado que pesasse a decoração, e era do mesmo tom azul eclesiástico do exterior. O nome do ateliê escrito em um letreiro dourado, trazendo um toque de sofisticação e identidade ao espaço.

À frente, um conjunto de sofás vintage criava um ambiente convidativo. Uma mesinha de centro com revistas de arte e uma luminária de pé, de haste dourada e cúpula em linho branco, completavam o canto.

Mas o verdadeiro coração daquele lugar pulsava no andar de cima.

Pegamos um elevador antigo no canto — restaurado, mas original. As paredes internas eram pintadas com uma paisagem de mar calmo, céu azul com nuvens realistas. O nível de detalhe era tão perfeito que dava a sensação de se estar entrando em um quadro. Eu me surpreendia cada vez mais com a criatividade e o talento que Isabela tinha.

Lá em cima, tudo mudava.

Um espaço criativo e organizado, com amplas janelas que deixavam a luz do fim da noite entrar em tons suaves. As telas em andamento estavam dispostas em cavaletes alinhados. Os pincéis, limpos e secos, repousavam em potes de vidro. Os panos estavam dobrados por cor e função, e as tintas organizadas por tipo e tonalidade, cada frasco rotulado com cuidado.

Ao lado, uma porta levava à um cômodo que parecia ser seu quarto. A decoração seguia a paleta do ateliê: tons claros, creme e azuis suaves. Havia uma cama de madeira clara com lençóis impecavelmente estendidos, almofadas aconchegantes e uma manta azul dobrada ao pé. A luz era morna, envolvente.

Na parede principal, um quadro grande e comovente mostrava Isabela ainda criança, entre dois idosos — provavelmente seus avós. Os traços da pintura eram suaves, mas repletos de emoção. Uma homenagem silenciosa.

Embaixo, uma penteadeira, haviam produtos de higiene pessoal e cosméticos que mostravam que ela ficava ali com frequência.

Em frente à cama, uma estante de madeira clara guardava livros e alguns objetos decorativos, ela a pintou com uma releitura de “Noite Estrelada”, de Van Gogh — com tons adaptados ao ambiente, entre o azul delicado e o creme suave.

Eu a levei em meu colo, ainda na cadeira do rodas, até a sua cama. Rebeca, vendo a cena, me ajudou a colocá-la ali. Acomodou a cabeça de Isabela, com todo o cuidado, nos travesseiros, e a cobriu logo em seguida. Era nítido o afeto que ela tinha pela amiga.

Após olhar Isabela adormecida, frágil e cansada, seus olhos se encheram d’água.

— Obrigada. Ela... teve um dia muito difícil hoje. — A voz dela saiu baixa, trêmula. — Eu estava tão preocupada, ela nunca fez isso antes. Sempre foi muito responsável. Marquei de encontrá-la aqui assim que levasse os avós dela para casa.

Não respondi de imediato. Apenas fiquei ali, observando o rosto sereno de uma mulher que, mesmo em pedaços, havia se mostrado uma pessoa agradável.

— Não precisa mais se preocupar, ela já está aqui e a salvo. Compre uns remédios, provavelmente ela terá muitas dores de cabeça quando acordar.

— Por favor, me diga seu nome, ela com certeza vai querer agradecê-lo pessoalmente quando despertar.

— Não será necessário, não fiz nada demais. E ela não me incomodou, pelo contrário, foi gentil, mesmo passando por uma situação tão complicada.

Rebeca forçou um sorriso frágil.

— Essa é a Isa. Ela é a pessoa mais acolhedora e sensível que existe, não importa o quanto esteja despedaçada. Obrigada, mais uma vez, por trazê-la em segurança.

Assenti. Dei mais uma boa olhada para ela, que parecia tão frágil, e aquilo de alguma forma me incomodava. Depois me afastei, sem mais palavras.

Oscar me esperava lá fora. Entrei no carro em silêncio.

Não olhei para trás.

Mas mesmo após deixá-la naquele refúgio delicado e seguro, uma coisa ecoava sem parar dentro de mim:

“Por favor, não me abandone.”

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