O carro parou em frente à galeria Blue Ridge no fim da tarde.
A luz do céu estava opaca, e um vento úmido soprava pelas ruas calmas da Carolina do Norte. Evelyn desceu do táxi com o coração pulsando de forma tão intensa que por um segundo, teve medo de não conseguir andar. Seus pés tocaram o chão como se estivessem pisando num território sagrado, ou talvez minado. Três anos. Três anos desde que o mundo ficou mudo. Três anos desde que Benjamin foi enterrado. Três anos desde que Lucas desapareceu — como se ela, como se todos, tivessem deixado de existir para ele. Agora ele estava ali. Atrás daquelas paredes de madeira clara e janelas altas. Expondo fotografias de silêncio, perda… e talvez segredos. Evelyn respirou fundo. A fachada da galeria era simples, aconchegante, quase ingênua. Mas havia algo no ar, algo nos detalhes — como se aquele lugar carregasse uma dor quieta em cada ripa de madeira. Ela empurrou a porta de vidro com cuidado. Um sininho discreto soou no alto, e o som delicado pareceu ecoar dentro dela. O espaço estava vazio, exceto por uma mulher de cabelos cacheados, que organizava cartões ao lado de uma mesa com café e folders dobrados. — Boa tarde — disse a mulher, com um sorriso gentil. — A exposição acabou de abrir. Pode ficar à vontade, se quiser. Evelyn respondeu com um leve aceno, a voz presa na garganta. Caminhou alguns passos, os olhos percorrendo as paredes em busca de algo que não sabia nomear. Fotografias cuidadosamente emolduradas ocupavam o espaço com uma presença silenciosa. Paisagens despovoadas. Cadeiras vazias. Corredores escuros iluminados por uma única lâmpada pendente. Cortinas balançando. Portas entreabertas. Tudo respirava ausência. Tudo falava de alguém que não estava mais lá. Ela reconhecia aquele vazio. Reconhecia a linguagem invisível do luto, da saudade, daquilo que nunca foi dito. E mesmo sem legendas, mesmo sem nomes, Evelyn sabia: aquelas imagens eram sobre Benjamin. Ou talvez… sobre eles três. — Está procurando algo específico? — a mulher perguntou, aproximando-se com delicadeza. Evelyn hesitou. — Lucas Hale está? A atendente pareceu surpresa por um instante, mas manteve o sorriso profissional. — Ele está no estúdio, nos fundos. Posso chamá-lo… Qual é seu nome? — Evelyn. A mulher esperou que ela completasse, mas Evelyn apenas repetiu: — Evelyn. Um breve levantar de sobrancelhas, e então a atendente assentiu e desapareceu pela porta lateral. Evelyn permaneceu imóvel diante de uma fotografia em preto e branco: uma cadeira de balanço diante de uma lareira apagada. As mãos dela tremiam levemente. A moldura parecia acompanhá-la, vibrando com a memória. Dois minutos. Talvez três. O tempo não parecia real. Então ela ouviu passos. Lentos. Rítmicos. Quando ergueu os olhos, lá estava ele. Lucas. Mais magro. A barba crescida. Os cabelos escurecidos, desalinhados, como se a vida tivesse passado rápido demais. Mas os olhos… ainda eram os mesmos. Olhos que sabiam demais. Que viam demais. E que, naquele instante, pareciam não saber o que fazer com o que viam. Ele parou na porta. Ficou ali, apenas olhando. Evelyn sentiu a garganta fechar. — Evelyn — ele disse, por fim. A voz rouca, grave, com uma emoção que não coube na palavra. Ela assentiu, devagar. — Oi, Lucas. O ar entre eles parecia denso. Como se respirá-lo exigisse coragem. Como se tudo estivesse prestes a desabar com uma palavra errada. Ele deu um passo. Depois outro. — Eu achei que você nunca… — Lucas interrompeu a frase, fechando os olhos. — Como me encontrou? Evelyn ergueu o caderno. O rosto dele empalideceu, e por um instante, ela viu um homem dividido — entre fugir ou confessar. — Você encontrou? Ela não respondeu à pergunta. Apenas devolveu com outra, firme: — Por que ele te escreveu? O silêncio caiu como uma pedra. Lucas olhou para o chão, depois para o caderno. Cada músculo do seu rosto parecia carregado de algo antigo. — Porque… — ele começou, mas a frase morreu. Engoliu em seco. — Porque havia coisas que nem eu sabia como dizer. — Ele era meu marido, Lucas. — Eu sei. — E você sumiu. — Eu sei. As palavras curtas, duras. Mas cheias de dor. Como se cada sílaba fosse um espinho. E Evelyn sabia — ambos sabiam — que havia muito mais sob aquelas respostas. — Você vai me contar? Lucas levantou os olhos. Por um instante, ele parecia o mesmo garoto de anos atrás. O mesmo olhar que atravessava. Mas agora havia rachaduras. — Só se você estiver disposta a ouvir tudo — respondeu, quase num sussurro. Evelyn o encarou. Encarou não apenas aquele homem, mas tudo o que ele representava: o passado, o silêncio, a ausência, o não dito. E naquele instante, soube — havia páginas que Benjamin nunca terminou. Mas talvez… fosse a vez deles de continuar a história. — Estou aqui, não estou? Lucas assentiu. E, pela primeira vez, o silêncio entre eles não doeu tanto.