Kisa segurou a mão de Coral e, juntas, saíram do hospital com passos lentos, mas decididos. Pouco tempo depois, chegaram a uma lanchonete simples e acolhedora. O ambiente, ainda que modesto, trazia uma sensação de normalidade no meio de toda a confusão que as cercava.
Sentaram-se a uma mesa e Kisa pediu dois hambúrgueres. Coral, a princípio, parecia hesitante, observando a comida com uma expressão de dúvida no rosto.
— Por que você não come? Não gosta de hambúrguer? — perguntou Kisa.
— Gosto, sim... adoro! — respondeu Coral, baixinho. — Mas lá em casa não me deixam comer isso.
Kisa franziu a testa, surpresa, enquanto dava uma mordida no próprio lanche.
— Por que não deixam?
Coral olhou discretamente ao redor, certificando-se de que ninguém estivesse prestando atenção, e então sussurrou, como se estivesse revelando um segredo.
— A namorada do meu pai não deixa. Ela só quer que eu coma peixe e uns vegetais bem sem graça... — disse, fazendo uma careta de desgosto.
Kisa ficou em silêncio por alguns segundos, assimilando o que acabara de ouvir. Coral não a olhava diretamente, mas havia algo em sua voz que transmitia mais tristeza do que ela deixava transparecer.
— A namorada do seu pai? — perguntou Kisa, sem conseguir esconder a surpresa. — Você está falando da sua mãe?
Coral ergueu os olhos por um instante e depois voltou a encará-los fixamente no hambúrguer.
— Não... ela não é minha mãe — disse com uma expressão séria e distante. — Minha mãe... eu não vejo.
Kisa sentiu o desconforto na resposta da menina e não insistiu. Sabia que havia muito por trás daquela frase e, por respeito, decidiu não tocar mais no assunto.
— Entendi — respondeu em voz baixa. — Não se preocupe, querida. Aqui ninguém vai dizer nada. Você pode comer seu hambúrguer tranquila. E prometo que não vou contar pra ninguém, tudo bem?
Coral a olhou com certa desconfiança, mas acabou sorrindo de leve e assentiu.
— Sério? — perguntou, como se ainda não acreditasse totalmente.
— Sério mesmo. Pode confiar em mim, Cori — respondeu Kisa com um sorriso caloroso. — Posso te chamar assim?
— Pode! Eu gosto! — respondeu, animada.
Aliviada, Coral começou a comer com vontade. Seu rosto se iluminou e, a cada mordida, parecia mais feliz, balançando as perninhas de tanta empolgação. Era como se aquele simples hambúrguer fosse um tesouro proibido.
Mas, no meio do entusiasmo, um pouco de molho respingou na roupa. Coral se assustou e rapidamente tentou esfregar a mancha com as mãos, aflita.
— Ai, sujei minha roupa... desculpa, desculpa — disse, envergonhada.
Kisa manteve a calma e lhe estendeu um guardanapo.
— Não tem problema, querida. Foi só um pouco de molho. Fica tranquila.
— É que eu não queria fazer isso... foi sem querer — insistiu Coral, visivelmente ansiosa.
— Está tudo bem, Cori. Criança se sujar de vez em quando é normal. Acontece — disse Kisa, tentando acalmá-la. — Mas... por que você está com tanto medo?
A menina abaixou os olhos e esfregou as mãos, nervosa.
— É que a namorada do meu pai... ela não gosta que eu me suje.
Kisa franziu a testa, sentindo que havia algo errado. O jeito como Coral falava daquela mulher não era de respeito, e sim de medo. Um medo que Kisa não conseguia ignorar.
— A namorada do seu pai faz alguma coisa com você? Ela te trata mal? — perguntou Kisa, contendo a angústia, mas tomada pelo desejo sincero de ajudar.
Mas Coral permaneceu em silêncio. Não disse uma só palavra. Seu rosto refletia tristeza e medo, e seu corpo ficou tenso, apertando a barra da saia com as mãos, como se quisesse se esconder dentro de si mesma. Kisa sentiu um nó no estômago ao ver aquela expressão — um nó que lhe dizia que algo sério estava acontecendo na vida da menina, algo que ela não conseguia ou não queria compartilhar.
Preocupada, Kisa não sabia o que fazer. Ela não fazia parte da família de Coral, não tinha autoridade sobre a garota e mal conhecia a mulher de quem ela falava. Mas não podia ignorar o sofrimento que estava diante dos seus olhos.
Ao perceber a tensão da menina, Kisa decidiu não insistir mais. Em vez de pressioná-la, tentou oferecer algum conforto.
— A namorada do seu pai... talvez ela só queira o melhor para você, talvez queira que você tenha uma boa alimentação. Mas, se ela te trata mal, se você sente que ela não é gentil, se percebe que as intenções dela não são boas... então você precisa falar com alguém. Com seu tio, alguma tia, seus avós... com alguém em quem você confie. Não fique calada, meu amor, entendeu?
Coral a olhou com tristeza, mas não respondeu. Apenas continuou apertando a saia com as duas mãos, com os olhos fixos no chão. Havia um medo profundo nela, uma angústia que não conseguia expressar em palavras — e isso fez Kisa se sentir ainda mais impotente. O que ela podia fazer para ajudar? Como poderia aliviar o que aquela menina estava vivendo?
Por fim, Kisa tentou amenizar o momento, oferecendo uma pequena pausa na tensão.
— Olha, querida... não se preocupe com nada. Se quiser, a gente compra umas roupinhas novas pra você, e depois vamos lá pra casa. O que acha? Você pode se trocar, descansar um pouco... tudo bem?
Coral, ainda sem dizer nada, apenas assentiu com a cabeça. Era evidente que tudo o que ela mais queria naquele momento era trocar de roupa, talvez para deixar de se sentir vulnerável e deslocada. Kisa entendeu perfeitamente esse desejo. E, embora soubesse que não podia resolver todos os problemas, decidiu que o mínimo que podia fazer era oferecer à menina um espaço seguro, onde pudesse respirar — nem que fosse por algumas horas.
Ela segurou a mão de Coral com delicadeza e, juntas, começaram a caminhar.
Por um momento, seriam apenas Kisa e Coral — sem pressões, sem segredos obscuros, sem pessoas que pudessem machucá-la.
Kisa entrou com Coral numa lojinha do bairro e começou a escolher algumas roupas simples para que a menina pudesse se trocar. Depois das compras, levou-a para sua casa: uma casa pequena, modesta, decorada com o essencial.
Não era luxuosa, mas tinha tudo o que importava. Uma mesa com duas cadeiras, uma cozinha simples com utensílios comuns, um sofá gasto, mas confortável, e alguns quadros nas paredes. A casa não exibia riqueza, mas isso nunca importou para Kisa. Para ela, o mais importante sempre foi ter o suficiente para viver com tranquilidade.
Já dentro de casa, Kisa ofereceu a Coral a chance de tomar um banho, e a menina aceitou com gratidão. Ela separou toalhas limpas e retirou-se para a sala.
Enquanto Coral tomava banho, o silêncio tomou conta da casa. O som da água caindo no chuveiro era o único ruído — e, mesmo assim, Kisa não conseguia evitar os pensamentos. Lembrava-se das palavras da menina sobre a namorada do pai, do medo em sua voz, do pouco que conseguia revelar. Ela não tinha todas as respostas, mas sentia que havia algo sombrio na vida de Coral.
De repente, o silêncio foi quebrado por uma batida forte na porta. Kisa levantou-se num sobressalto, surpresa com a brusquidão do som. Abriu a porta sem pensar muito — mas, ao ver quem estava à sua frente, o choque tomou conta de seu rosto.
Um homem alto, de expressão séria e estranhamente familiar, estava na soleira da porta. Mas o que mais chamou a atenção de Kisa não foi a presença dele, e sim o fato de que aquele homem... deveria estar morto.
— Onde está minha filha? — a voz era grave, firme, de quem está acostumado a dar ordens que não podem ser desobedecidas. Atrás dele, dois policiais a observavam com um olhar distante, impassível.
Kisa sentiu como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. Sua mente entrou em colapso, tentando processar o que via — mas seu corpo parecia incapaz de reagir. Aquele homem... ele estava morto. O médico havia confirmado! Como ele podia estar ali? Como isso era possível?
Confusa e dominada pelo pânico, ela não conseguia organizar os pensamentos. O homem, no entanto, parecia alheio ao caos que causava. Com os olhos fixos nela, repetiu a pergunta — com uma intensidade que atravessava tudo ao redor.
— Você não me ouviu? Onde está minha filha?
Kisa, incapaz de pensar com clareza, soltou um grito abafado, cheio de horror e perplexidade. O som saiu de sua boca sem que ela pudesse impedi-lo. A descrença a inundou por completo e, antes que pudesse reagir, suas pernas cederam, fazendo com que ela desmaiasse. Uma tontura intensa a atingiu como uma parede, e ela desmaiou no instante em que o homem deu um passo à frente, como se sua presença por si só bastasse para derrubá-la.