4. Perfumista

Eu seguia firme no meu objetivo e evitava pensar nas humilhações que sofria, tanto na faculdade como dentro de casa, mas não havia uma única noite que eu não chorava sozinha. Às vezes tinha crises de ansiedade, onde me faltava o ar, e na maioria das vezes eu desejava não ter nascido.

Certo dia, na faculdade, durante o intervalo, comecei a contar as moedinhas da minha bolsa, pois estava com muita fome e tudo que eu tinha dava apenas para um copo de café com leite. Eu evitava gastar o dinheiro que tinha guardado, mesmo porque, ainda não tinha conseguido um emprego e sem ele não seria possível arcar com a mensalidade da faculdade.

Fiz o meu pedido e peguei o leite quente, andando rumo a uma das mesas, quando uma moça esbarrou em mim. Todo o líquido virou sobre a minha roupa, entornando também em minha mão, que eu sacudia freneticamente na tentativa de esfriar.

— Meu Deus, me perdoa.

A moça falou parecendo estar sendo sincera. Então apenas forcei um sorriso, me afastando, e entrei no banheiro para lavar a minha mão, que ainda ardia. Conforme a água jorrava sobre a queimadura, as minhas lágrimas jorravam em meu rosto, pois eu já estava cansada e não sabia o que tinha feito para merecer tudo isso.

— Você está bem?

Ouvi a voz de Henry assim que pisei fora do banheiro, ainda enxugando minhas lágrimas, e mal o olhei.

— Sim, obrigada — respondi, seguindo em frente e corri para a biblioteca, me sentando no fundo de um dos corredores, bem escondida entre as prateleiras de livros.

Ali fiquei chorando, e nem mesmo eu sabia qual era a real razão. A dor na minha mão já não era tão incômoda, mas meu peito ardia incontrolavelmente. Passaram-se apenas alguns minutos. Então ouvi passos vindo em minha direção e, envergonhada, me encolhi, escondendo o rosto entre os braços, até que mais uma vez ouvi sua voz.

— Comprei isso para você…

Ergui a cabeça para olhá-lo e Henry segurava um novo copo de café com leite numa mão e um pratinho com um salgado de queijo na outra.

— Eu não quero, obrigada — falei, voltando a esconder o meu rosto e, para a minha surpresa, ele se sentou ao meu lado, botando o lanche em uma das prateleiras. 

— A garota não parece ter feito de propósito. Por que você ficou assim?

Eu nem sabia o que responder, e sabia que não estava chorando pelo incidente, mas também sabia que eu tinha todos os motivos do mundo para chorar.

— Eu odeio a minha vida, é por isso!

Ameacei me levantar, mas ele me segurou pela mão, fazendo-me sentar novamente.

— Calma, estou tentando conversar com você, não precisa fugir de novo. 

— Por que você se importaria comigo? Porque não volta para junto dos seus amigos e ri mais um pouco da minha cara? — alterei o tom de voz. 

— Mas eu não… 

— Eu estou cansada, Henry, cansada de ser motivo de piada o tempo todo. Você acha que me visto assim porque eu quero? — Praticamente berrei, tirando aquele óculos ridículo da cara e o joguei no chão. — Você não sabe nada da minha vida, ninguém aqui nessa faculdade de merda sabe, e tudo que fazem é me humilhar e rir da minha cara o tempo todo! Eu estou cansada, Henry, estou cansada!

Com certeza todos que estavam na silenciosa biblioteca ouviram meus lamentos e o choro alto e doloroso que liberei depois. Então Henry me puxou para os braços dele, me acolhendo em um abraço reconfortante e acariciou as minhas costas.

— Não fica assim. Quer ir para casa? Eu te levo… 

Soltei uma risada sem humor, esfregando meu olho. 

— Para quê? Se lá é ainda pior!

Ele me olhou parecendo assustado e gaguejou.

— Bom… Então… Quer ir para algum outro lugar? 

— Quero, quero ir para uma cova… Quero morrer… Consegue me ajudar com isso? 

— Ajudo, claro, mas antes tenta se acalmar e come um pouco, depois vejo o que fazemos.

Eu não esperava por essa resposta e acabei rindo. Então ele passou o polegar em minha bochecha, secando uma lágrima, e pegou o meu óculos no chão, limpando-o delicadamente antes de colocar de volta em meu rosto. Fiquei quieta, olhando-o curiosa, sem entender porque ele, logo ele, estaria sendo tão prestativo e legal comigo. Então abaixei o tom e aceitei o lanche que me entregou em seguida.

— Obrigada. Eu estava com muita fome, desde o almoço de ontem que não como nada. Aquele era o único dinheiro que eu tinha, acho que me estressei com a situação. 

— Tudo bem, também fico nervoso quando estou com fome — Henry sorriu.

Então a senhora responsável pela biblioteca se aproximou.

— Meu anjo, eu já notei que algo não está bem, mas aqui não é lugar de conversa. Preciso pedir para que vocês façam silêncio ou se retirem. 

— Desculpe, Lourdes, a minha amiga está passando por um momento difícil, já vamos sair.

Ele falou, me puxando para que eu ficasse em pé, e me abraçou pela cintura, me conduzindo biblioteca afora, enquanto eu permanecia de olhos arregalados, pois nunca havia estado perto de um homem, muito menos um tão lindo quanto Henry.

Na saída da faculdade havia um canteiro, rodeado por bancos de madeira, então paramos em um e ele me fez sentar.

— Pronto, agora podemos conversar tranquilos.

O olhei confusa, dando uma mordida no salgado, e ainda com a boca cheia perguntei:

— Por que você quer conversar comigo? 

— Gostei de você…

O olhei incrédula e voltei a comer o meu salgado, ignorando-o. Henry soltou uma risada e então perguntou:

— Como sabe o meu nome? 

— Quem não sabe o seu nome nessa faculdade?

Para a minha surpresa, ele abriu um sorriso forçado e desviou o olhar.

— Às vezes eu tinha vontade de ser invisível também — falou suspirando. 

— Por que está dizendo isso? 

— Também odeio a minha vida.

Eu ri, pois para mim ele não fazia ideia do que era ter motivos para odiar a vida.

— Por quê? Seu pai não quis te dar um carro do ano? — falei ironicamente.

Então ele me olhou sério.

— Que lindo, alguém que estava agora há pouco chorando por ser motivo de piada, fazendo gracinha com a minha cara.

Fiquei séria de repente, olhando-o com espanto, e ele riu.

— Qual é mesmo o seu nome? 

— Melany… 

— Então, senhorita Melany, acontece que eu só queria que as pessoas não soubessem o meu nome. Queria não ser tão pressionado a agradar todo mundo o tempo todo e apenas poder viver uma vida normal… Eu vim para o Brasil buscando isso, querendo fugir das obrigações que a minha família me impõe, mas parece que não adiantou.

— Ao menos você tem uma família, pessoas que se preocupam com você… 

— Meus pais se preocupam com a empresa, e eu não passo de um fantoche que está sendo treinado para fazer o que eles querem.

O olhei curiosa e até esqueci dos meus problemas por um momento.

— Então você está sozinho no Brasil? 

— Sim. Eu vim com o pretexto de que queria fazer minha faculdade aqui, porque desde a minha adolescência sou treinado para assumir a direção da empresa do meu pai, sem ter a menor vontade disso. Nunca pude tomar as minhas próprias decisões, mas assim que eu me formar, vou precisar voltar… 

— Que triste, deixar o Brasil para ser o diretor de uma empresa milionária da França realmente é muito triste…

Falei rindo, mas ele revirou os olhos sem gostar da brincadeira.

— Ah, é? Imagino que os seus motivos sejam bem melhores que os meus, então, não é mesmo? Por que você não me conta a sua história tão trágica? 

— Bom… Perdi a minha mãe para o câncer quando tinha apenas 10 anos, e desde então vivo sendo humilhada e maltratada nas mãos da minha madrasta. Meu pai parece uma mosca morta que nunca tomou qualquer atitude, enquanto eu sou tratada como a empregada da casa…

Pela primeira vez contei toda a minha história para alguém e no final o comentário de Henry foi o melhor:

Quelle salope!

— O que você disse? 

— Que cadela… — falou rindo. 

Então ri junto, tentando repetir a palavra para usar em outras ocasiões. 

— Por que escolheu o Brasil para fugir? 

— Meu pai é Brasileiro. Eu já conhecia o Rio de Janeiro e amava quando vínhamos passar as férias aqui. 

— Ah, entendi… Mas você nasceu lá, né? 

— Sim, sou francês.

O intervalo já havia chegado ao fim há muito tempo e ainda assim seguimos conversando, até que os amigos dele apareceram.

— Vai ficar aí a manhã toda? — Um deles falou, me olhando com certo desdém. 

— Gostou da esquisita, foi? — Outro sussurrou, cutucando-o, mas ouvi perfeitamente, abaixando a cabeça sem jeito. 

— Para com isso, vamos…

Henry os repreendeu, então me olhou, dando um último sorriso, e se foi. A partir daí, eu não conseguia mais tirá-lo da cabeça. Criei o meu próprio conto de fadas onde ele se apaixonaria por mim e fugiria comigo para Paris e diante desse pensamento insano, falei para o meu pai que queria estudar francês.

— O senhor não pode me ajudar? Vai ser importante para mim… Digo… Para a profissão que quero seguir. 

— Mais um gasto? Era só o que faltava… — A bruxa murmurou.

Meu pai franziu a testa, então a ignorou, me perguntando:

— E que profissão é essa?

Pensei por um momento e, então, falei a primeira coisa que me veio à mente:

— Perfumista. Quero trabalhar na criação de perfumes para uma marca francesa e ir morar no exterior. 

A minha madrasta riu, enquanto meu pai permanecia me olhando atônito. 

— Isso existe? De onde tirou essa ideia? 

— Das aulas, bom… Nós vemos muitas possibilidades de profissão sendo formados em Química. 

— Você no exterior… — ela ria debochando. — Conta outra piada.

Meu pai ainda me olhava sério, mas suspirou.

— Tudo bem, faça a aula de francês. 

— É o quê? Vai mesmo continuar mimando essa menina? Ela já tem 21 anos, deveria estar trabalhando e ajudando nos gastos da casa! 

— Roberta, por favor… — Meu pai a repreendeu, deixando-a furiosa. — A Mel está focando nos estudos agora, não preciso de ajuda com os gastos de casa.

Agradeci, abraçando-o, como já não fazia há muitos anos. Então saltitei rumo ao meu quarto, voltando a me perder em meus devaneios, e foi assim que dei o primeiro passo rumo ao abismo.

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