Mundo de ficçãoIniciar sessãoQuatro anos antes
Eu tinha 21 anos e estava no quinto semestre da universidade, cursando Química, quando conheci o Henry. Quando criança, sempre dizia que seria cientista e, por fim, acabei levando isso para a vida.
Minha mãe faleceu devido a um câncer quando eu tinha apenas 10 anos de idade e, menos de um mês depois, meu pai apareceu com outra mulher, me apresentando-a como namorada, e junto a ela um menino apenas dois anos mais novo do que eu, o qual também o chamava de pai. Na época eu não entendia bem, mas com o tempo tudo ficou claro: Samuel era filho biológico dele. Meu pai era um traidor, e a morte da mamãe parecia ter sido um livramento para ele.
A partir daí, me tornei invisível dentro daquela casa, onde só lembravam da minha existência na hora dos afazeres domésticos, da comida que deveria estar posta na mesa e dos demais serviços que se tornaram minha obrigação. Minha madrasta me tratava como uma serviçal, e meu pai pouco se importava. Era manipulado e cedia facilmente às vontades da esposa, que parecia ter como objetivo de vida me infernizar.
Assim que finalizei o ensino médio, o informei sobre o meu desejo de cursar uma faculdade. Eu sabia que ele teria condições de arcar com isso, porém a bruxa tentou convencê-lo de que o correto seria eu entrar numa universidade pública ou me virar para pagar. Eu até havia feito um vestibular para uma faculdade pública, porém não consegui uma vaga por pouco e não queria esperar mais tempo, pois meu maior objetivo era poder seguir a minha vida bem longe daquela casa.
— A mãe dela deixou umas economias guardadas para ela… Bom… — Meu pai gaguejou sem jeito.
— Mas se existe uma poupança, o correto é que seja dividido também com o nosso filho.
— O dinheiro pertence a ela, querida, foi guardado pela mãe dela.
Pela primeira vez, vi meu pai contrariando a esposa a meu favor. Então, segurei um sorriso satisfeita e, alguns dias depois, ele me deu o acesso à conta que havia sido aberta para mim quando eu ainda era uma criança. O dinheiro não era muito, mas daria para arcar com os gastos iniciais da faculdade e, então, eu arrumaria um emprego para me manter.
Empolgada, fiz a minha matrícula e, no mês seguinte, dei início aos estudos. Eu tinha apenas 18 anos, porém me vestia como uma idosa. Isso porque eu nunca podia comprar as minhas próprias roupas, vivia com doações que a minha madrasta arranjava. Meu pai viajava muito a trabalho, sequer se dava conta de tudo que acontecia e era omisso nas poucas coisas que via. Eu tinha a impressão que pouco se importava comigo.
Na faculdade, sempre fui vítima de piadinhas. Eu ouvia os murmúrios quando passava usando meus vestidos longos, saias floridas e suéteres de lã. Minhas calças eram sempre largas, apertadas com um cinto, e as blusas da mesma forma. Eu não tinha maquiagem, os cabelos estavam sempre presos num coque, não fazia as unhas ou a sobrancelha, mal conseguia me depilar, e até mesmo os produtos para a lavagem do meu cabelo eram os de pior qualidade possível, enquanto o armário da minha madrasta estava sempre repleto de novos perfumes, xampus e condicionadores das marcas mais caras.
Para variar, eu tinha uma certa dificuldade para enxergar e a bruxa fez questão de comprar um óculos que completava meu look de senhora, com uma armação nada moderna e lentes fundo de garrafa.
Devido à minha aparência bastante inusitada, eu era muito tímida, não fazia amizade facilmente e andava sempre de cabeça baixa, isolada, como se fosse uma aberração. E assim segui pelos anos seguintes, focada apenas em meus estudos, até o dia que o maldito falou comigo pela primeira vez.
Henry era popular na faculdade. Todos sabiam que era filho de um empresário milionário, dono de uma indústria de cosméticos francesa, e havia se mudado recentemente para o Brasil. Além de tudo, possuía uma beleza invejável, lindos olhos azuis e um sorriso hipnotizante, mas seu sotaque francês, para mim, era o melhor dos seus charmes.
Eu estava caminhando pela faculdade, rumo à biblioteca, quando passei por ele, que estava com um grupo de amigos. De pronto ouvi risadinhas e, mesmo não podendo entender o que eles diziam, senti que mais uma vez estava sendo alvo de piadas.
Segui o meu caminho sem olhar para trás e fui até os livros de Química, procurando um para estudar para a próxima prova, quando esbarrei na prateleira e derrubei alguns exemplares no chão.
— Ai… — Passei a mão em meu braço dolorido, distraída. Então saltei ao ouvir uma voz logo atrás de mim.
— Você se machucou, mon chéri?
— Eu? Ah… Não… Foi só um susto. Obrigada. — Gaguejei feito uma idiota e me virei para catar os livros do chão.
Henry soltou uma risadinha e se abaixou, pegando alguns para me ajudar.
— Me deixe ajudar com isso.
Apenas sorri sem jeito. Eu podia jurar que estava ruborizada, pois as minhas bochechas queimavam.
— Obrigada — falei, me virando para sair, porém ele de certa forma bloqueava a minha passagem.
— Eu não mordo, sabia? Porque nunca conversa com ninguém? Anda sempre acuada pelos corredores.
— Agora mesmo, quando passei, ouvi vocês rindo. Imagino que falar de mim seja bem interessante, imagina se vou atrapalhar.
Henry se calou, erguendo as sobrancelhas, e forçou um sorriso sem graça.
— Não estávamos falando de você.
— Sei… — falei, me desviando para seguir o meu caminho, mas para a minha surpresa ele veio atrás.
— É sério…
Ignorei e continuei andando. Então ele gritou de longe:
— Eles riram porque falei que você é uma gracinha.
Henry falou isso rindo sozinho, nem ele acreditava na mentira que estava contando, e eu tão pouco dei ouvidos, continuando a andar sem olhar para trás. Era óbvio que um homem como ele, que estava sempre rodeado de lindas mulheres, não me acharia uma gracinha, tampouco desenvolveria qualquer tipo de interesse em mim, e se eu tivesse raciocinado ao menos um pouquinho, não teria me afundado por causa dele.







