Mundo ficciónIniciar sesiónAnna
No dia seguinte, como de costume, acordo cedo. Quero encontrar meu pai em casa antes que ele saia para o trabalho.
Deixo o pequeno quarto que fica na ala dos funcionários e sigo por um corredor que leva aos fundos do hotel. O movimento já começou: pessoas apressadas saindo de seus quartos, ajeitando os uniformes, o cheiro de café misturado ao de produtos de limpeza.
Abro a porta de acesso restrito aos empregados — ela dá direto no estacionamento. Mas não vou pegar o carro. Prefiro cortar caminho até o ponto de ônibus. Ele deve passar em uns dez minutos; se eu perder, terei de esperar mais meia hora.
Caminho entre os carros quando avisto Hassan, o árabe. Instintivamente, me escondo ao lado de um SUV e, curiosa, o observo. Meu coração, sempre tão traidor, começa a acelerar.
Ele está sorrindo, falando ao telefone. A outra mão segura uma maleta executiva. Usa um terno cinza-chumbo impecável, que realça os ombros largos.
Alto. Forte. Imponente.
Por que não simplesmente magnífico?
Um homem abre a porta do carro para ele entrar, enquanto outro assume o volante do BMW. Só então percebo o senhor que o acompanha — um homem mais velho, de expressão austera, que se acomoda ao lado dele.
Hassan
Enquanto o carro se move, continuo falando com minha mãe.
— Filho, quando você vem nos visitar?
Eu suspiro.
— Ele precisa dar um tempo no trabalho. Omar pode assumir. É competente. Vocês deviam tirar umas férias.
Ela faz uma pausa.
Eu sei do que ela fala. Ele quer saber se pode começar a procurar “a mulher certa” para mim. Sem minha resposta, ele não pode dar esperanças a nenhuma família.
— Ainda não tenho uma, mãe. O trabalho me prende aqui.
Desligo e encosto no banco, respirando fundo.
Anna
Vejo o BMW se afastar. Atrás dele, dois homens de terno preto entram em outro carro e seguem na mesma direção.
Pisco algumas vezes, tentando me recuperar da imagem de Hassan.
Por que ele tinha que ser árabe?
Respiro fundo, saio do meu esconderijo e apresso o passo até o ponto de ônibus. Mal chego e o coletivo já se aproxima. Faço sinal, ainda sentindo o coração bater mais rápido do que deveria.
Anna
Minutos depois, estou tomando café da manhã com meu pai. Depois de um acesso de tosse, ele me pergunta:
— Pai, o senhor precisa ir ao médico. Não é porque mudamos de cidade que o senhor vai relaxar.
Ele solta o ar devagar.
— Pai, o senhor está pagando o convênio?
Ele desvia o olhar. Meu coração aperta.
— Pai! O senhor não pode falhar com o convênio! É por isso que não voltou ao médico?
Ele apenas assente. Levanto-me, abraço-o por trás e beijo sua cabeça grisalha. Depois me agacho ao lado dele.
— Este mês quase não entrou serviço na oficina. E eu sou comissionado.
Aperto os lábios, tentando conter o tremor.
Ele força um sorriso.
— Vou tentar arrumar um emprego também de manhã — digo.
Meu pai suspira e me olha com tristeza.
— Estou — ele responde, mas o sorriso que dá me faz duvidar.
— Então me mostra o vidro. Quero ver quantos comprimidos faltam.
Ele solta o ar.
— Deus, pai! Três dias sem tomar o remédio?
— Quando eu receber, eu compro.
Endireito-me e tento sorrir, como se pudesse afastar o medo.
Ele tosse novamente antes de dizer:
Ai, que aflição vê-lo assim.
Sento-me de novo.
Ele suspira.
Quando ele sai para o trabalho, fico sozinha com meus pensamentos.
Preciso arrumar um novo emprego.
Meu pai não pode ficar sem remédio. Ele tem asma — e na idade dele, uma crise pode ser fatal. Tenho que conversar com meu gerente e pedir um aumento. Explicar minha situação.
Afasto os pensamentos tristes e começo a arrumar a cozinha.
O resto do dia passa igual aos outros: limpo, organizo, preparo o almoço. Almoçamos juntos, conversamos amenidades — eu finjo leveza, ele finge força.
À tarde, compro o jornal e vou direto aos classificados. Muitos anúncios, mas quase todos para homens: ferramenteiro, manobrista, segurança...
Fecho o jornal desanimada. Preciso me arrumar para o trabalho. Sem ânimo para pensar em combinações, visto um tubinho preto e sandálias da mesma cor.
Hoje vou mais cedo. Preciso desse aumento. Sei que ainda estou há pouco tempo no emprego para exigir algo, então vou apelar: abrir meu coração para o gerente, contar sobre a doença do meu pai, sobre os remédios.
Quando o ônibus me deixa em frente ao hotel, atravesso o estacionamento meio ressabiada — ainda penso naquele árabe. Passo rapidamente entre os carros e sigo até a porta exclusiva dos funcionários. Mas, em vez de ir ao camarim, sigo pela ala norte, onde ficam os escritórios, e procuro a sala da gerência.
A antessala está vazia, então me sento. Dez minutos se passam e a secretária não aparece. Soltando o ar, levanto-me e caminho até a porta. Atrás dela, ouço risadas e uma conversa animada.
Respiro fundo e bato. A porta se abre. É o próprio gerente, o senhor Thomas Henry.
— Senhorita Sanders — ele diz, sorrindo. — Entre! Por coincidência, estávamos falando de você.







