O silêncio se tornou quase cruel.E então, como se tudo mais fosse apenas ruído distante, João a tomou nos braços. Amanda, atônita, não reagiu — ou reagiu rendendo-se. Deixou-se levar como quem cruza um rio sem saber se a margem oposta existe.Um murmúrio percorreu o salão como o vento que anuncia a tragédia.— Isso... não vai acabar bem — sussurrou Carla, as mãos trêmulas.— Já passou do ponto de retorno — respondeu o marido, os olhos fixos nas escadas por onde João subia.Ele caminhava como um usurpador que já não teme ser expulso do trono. Como um homem que carrega seu pecado nos braços como um troféu sagrado.Ao chegar no quarto, trancou a porta com a mão firme. O vento batia contra as janelas, e a neve escorria pelos vidros como lágrimas do céu.Colocou Amanda sobre a cama — não com delicadeza, mas com reverência bruta. Um ato de amor... e de ruína.Aproximou-se, os olhos ardiam como fogo sob a neve.— Hoje... quem te doma sou eu, Amanda. Meu amor proibido.Ela o olhou, os cabelo
Escritório da sede – minutos depois da reunião no café da manhã.A lareira estalava com o fogo baixo, como se até as chamas sussurrassem medo da decisão que pairava naquela sala. Do lado de fora, a neve se acumulava nas janelas, formando molduras geladas para um mundo prestes a ruir.Augusto estava de pé, as mãos às costas, o olhar fixo no nada branco da paisagem russa. Dentro de si, a guerra já estava vencida. Faltava apenas anunciar o veredito.Ana permanecia sentada na poltrona de couro escuro, impecável. O vapor da taça de café subia lento, mas os olhos dela — oh, os olhos — eram navalhas de gelo.— Isso não é só paixão, Ana. É rebeldia. É um desafio ao nome que construímos — disse Augusto, a voz rouca de décadas de comando.— Não, Augusto. — Ana respondeu sem hesitar, cruzando as pernas com elegância aristocrática. — Isso é inevitável.Ele virou-se, levemente, surpreso com a serenidade na voz da esposa.— Inevitável?— Amanda nunca foi qualquer uma — ela disse, lentamente, como q
Sede principal – Biblioteca. Noite de inverno, fogo alto na lareira.O silêncio dentro da biblioteca era sufocante. Do lado de fora, a neve tombava espessa sobre os vidros, como se quisesse apagar o mundo. Ana estava ausente. José permanecia calado, escorado em uma das estantes, com o olhar fixo nas mãos cruzadas. Amanda e João estavam de pé, frente a frente com Augusto Duarte — que parecia mais uma estátua eslava do que um homem.— Você não pode fazer isso — disse Amanda, rompendo o silêncio com a voz firme, mas carregada de emoção. — Me mandar para outro país como se eu fosse uma peça fora do tabuleiro.João completou, o peito arfando, o rosto vermelho.— Jamais irei para a Suíça. Eu sou Duarte tanto quanto você. E se pensa que vai me separar da Amanda como se fôssemos crianças...Augusto deu um passo à frente. A mão pesada bateu sobre a mesa de carvalho com tal força que a xícara de chá de Ana tremeu, rachando o pires.— Quem manda nesta família sou eu!A voz ecoou pelas paredes co
Londres – Apartamento de Amanda. Tarde cinzenta.A luz entrava oblíqua pelas janelas altas do flat em Mayfair. O céu inglês, perpetuamente coberto de nuvens, refletia com fidelidade o estado de espírito de Amanda.Sentada diante da lareira acesa, com uma taça de vinho não tocada ao lado, ela observava os e-mails no tablet — contratos, fusões, números. Era isso que Amanda havia se tornado: um dossiê ambulante de eficiência e poder. Não se permitia distrações. Não se permitia fraquezas.O celular vibrou. Ana.Amanda respirou fundo. Atendeu.— Alô.— Oi, filha... como você está? — A voz de Ana era baixa, delicada. Cansada.Amanda respondeu de forma automática, sem emoção.— Estou bem. E José e Sofia? Soube que Sofia está grávida de outra menina.— Sim — respondeu Ana com um pequeno sorriso que não foi ouvido. — Se chamará Carolina. Nina está ansiosa pra conhecer a irmã.Silêncio.— E José? — perguntou Amanda, com o tom leve, mas distante.— Está bem, filha... trabalhando bastante com seu
Varanda da fazenda Duarte – Tarde fria.João estava imóvel. O vento varria a varanda da sede, mas ele não sentia nada. O corpo presente, a alma dispersa — ausente como quem já havia sido sepultado vivo.As mãos estavam frias, apesar do chá quente que Clara lhe entregara. Ela sorria com doçura. O tipo de doçura que sufoca."É o certo, João", diziam todos.Seu pai. Seu tio Afonso pai de Clara. Até Ana silenciara diante da imposição.O nome Duarte precisava sobreviver. O escândalo precisava ser abafado. A aliança com Clara — filha perfeita, prima ideal — seria o selo de honra.Honra.A palavra soava como ferro enferrujado contra os dentes. Ele não queria. Nunca quis. Clara era o passado... Amanda, o abismo que ele escolheu cair.Mas agora, estava de mãos atadas.Augusto batera na mesa dias antes, os olhos em brasas, a voz como um trovão:— Ou você casa com Clara, ou sai desta família sem um centavo, sem um sobrenome, sem um teto para onde voltar.João sentiu o ódio raspar-lhe o peito. N
Varanda da sede – Mesmo fim de tarde.João estava ao lado de Clara, mas seus olhos vagavam, inquietos. O vento trazia um pressentimento antigo. Aquela dor atrás do peito — que ele aprendera a calar — voltou com força.E então ela apareceu.Amanda.Não era mais a mesma. Era mais. Mais mulher. Mais firme. Mais distante. Seus cabelos, soltos ao vento, pareciam tecido de ouro antigo. Os olhos azuis — aqueles que um dia haviam se voltado para ele com ternura — agora eram puro gelo.Ela subia os degraus com um porte de rainha exilada que retorna ao palácio.Mas não era isso que o feria.Era o homem ao lado dela.Bruno.Alto, elegante, o olhar atento. Como se a escoltasse. Como se fosse dele a responsabilidade de protegê-la — ou pior, como se fosse dele o privilégio de merecê-la agora.João sentiu o estômago contrair. Um nó se fez na garganta, mas ele não podia demonstrar. Clara estava ao seu lado. E todos olhavam.Amanda não parou. Não hesitou. Passou por ele... como quem não via.Mas ele a
Sala de jantar – Sede da Fazenda DuarteA mesa estava impecável. Louças de porcelana azul-cobalto, taças de cristal limpo como a primeira neve do inverno, talheres de prata realinhados com obsessiva perfeição. Uma lareira crepitava em um canto, mas o verdadeiro calor da sala... estava longe de vir do fogo.Amanda entrou.Vestida como quem sabia seu lugar no mundo — e que o lugar era no topo. O casaco pendia de seus ombros como uma capa de rainha. Os cabelos estavam soltos, dourados como trigo sob o sol do leste. Seus olhos, azuis e gelados, atravessaram a sala com a precisão de uma lâmina.Ao seu lado, Bruno.Alto, loiro como o ouro de velhas coroas eslavas. Olhos verdes que contrastavam com a dureza de sua expressão. Trajava um terno cinza-escuro, sem exageros, mas cortado com perfeição. Era impossível não notá-lo.Todos os olhos voltaram-se para eles — como se uma tempestade tivesse acabado de cruzar a porta.José foi o primeiro a se levantar, o sorriso genuíno, como o de um irmão m
A Princesa da CasaA família Duarte era conhecida em toda a Rússia e reverenciada nos círculos mais influentes da Suíça. Seu nome abria portas em grandes corporações, e seu brasão, gravado em cartas, contratos e taças de cristal, era sinônimo de prestígio e poder.Originários de uma linhagem antiga, os Duarte haviam transformado heranças de terra em impérios de negócios. O frio europeu não gelava seus corações — apenas os mantinha ainda mais firmes, calculistas, inabaláveis.Entre todos, Amanda talvez fosse a mais inesperada das herdeiras. Nascida longe dos salões dourados e dos jantares diplomáticos, ela fora criada por Ana e Augusto como filha, e agora carregava o nome Duarte com a mesma elegância e firmeza que os legítimos descendentes de sangue.Apaixonada pela vida, Amanda agora também carregava nas costas uma responsabilidade que faria muitos sucumbirem: ajudava na administração das empresas da família. Seu olhar era agudo como o da tia Ana, sua língua, afiada como a das mulhere