Amanda atravessou a recepção da sede da Duarte Holdings com passos firmes. Os saltos altos ecoavam no piso de mármore, contrastando com o som suave de teclas, vozes e telefones. A recepcionista sorriu ao vê-la.
— Bom dia, senhorita Amanda.
Subiu direto para a sala de reuniões do setor agropecuário. Ali, todas as terças, ela dividia a mesa com executivos experientes, alguns com décadas de mercado. Ainda que muitos a vissem apenas como a “sobrinha da dona Ana”, Amanda sabia exatamente quem era — e o que valia.
Ao entrar, os olhares se voltaram. Alguns se levantaram, formais. Outros apenas assentiram. Amanda ignorou as camadas de julgamento. Escolheu o centro da mesa e abriu os relatórios trimestrais.
Ricardo, diretor financeiro, começou a apresentação. No meio da fala, lançou o comentário:
— Claro que esses números são preliminares. Estamos aguardando a análise da dona Ana e... da Amanda também, é claro.
O tom carregava ironia. O “é claro” tinha gosto de veneno educado.
Amanda sequer arqueou a sobrancelha. Deixou-o terminar. Assim que a palavra foi aberta, ela falou com calma:
— Eu revisei esses números ontem à noite. A previsão de crescimento está subestimada. A produtividade em Rostov superou as metas em 18%. Se não atualizarmos isso agora, o relatório enviado ao comitê suíço será reprovado.
Silêncio. Denso.
Ricardo pigarreou, desta vez visivelmente desconfortável. Amanda cruzou as pernas com elegância.
— Também proponho uma visita técnica às unidades do sul. Posso organizar o cronograma até sexta.
O diretor-geral assentiu, satisfeito:
— Excelente, senhorita Duarte.
Mais um aliado.
Enquanto recolhia seus papéis ao final da reunião, ouviu uma voz atrás de si:
— Impressionante... você não deixou pedra sobre pedra. Como sempre.
Ela se virou devagar.
Seu coração vacilou — mas o rosto, jamais.
— Bruno...?
Ele estava escorado à porta. Camisa social dobrada até os cotovelos, pasta de couro numa mão, e o mesmo olhar que ela lembrava — gentil, observador, perigoso.
— Voltei ontem. Fui chamado para uma consultoria com o conselho suíço. Vim assistir à reunião. Achei que só te veria no campus... ou talvez na fazenda — disse ele, se aproximando com um sorriso nostálgico.
— Bem-vindo de volta — respondeu ela, mais contida do que queria.
— E parabéns. A garota que corria pelos corredores agora dita as regras aqui dentro.
Bruno a observou em silêncio por um momento.
— Confesso que é estranho... dar aula à noite e te ver aqui durante o dia, como colega de conselho.
— E Amanda que ainda me deixa sem palavras às vezes — ele admitiu, com franqueza desconcertante.
Ela desviou os olhos, fingindo arrumar a pasta.
— Espero que saiba separar bem os papéis também, professor. Aqui, você é só mais um consultor.
Bruno sorriu, um sorriso meio triste, meio desafiador.
— E você, uma aluna brilhante que me desconcerta desde a primeira pergunta que fez na aula de Direito Societário. Sabe... eu nunca imaginei que aquela Amanda fosse a mesma que conduziria uma reunião como hoje.
Amanda se aproximou, parando a poucos passos dele.
— Talvez você precise parar de me imaginar e começar a me entender, Bruno. Isso... se ainda quiser se aproximar.
— Quero — ele respondeu sem hesitar.
Ela encarou-o com firmeza. Por dentro, o coração batia forte. Mas por fora, a muralha era intacta.
— Então, cuidado. Eu não sou fácil. Nem doce. Nem previsível.
Amanda respirou fundo. Aquilo era perigoso. Bruno era perigoso. Ele era parte do sistema. Da empresa. E agora... do curso à noite. Qualquer erro e o escândalo seria inevitável.
Mas ainda assim... havia algo no olhar dele que a desarmava.
— Nos vemos na aula — disse ela, firme.
Ela não respondeu. Apenas passou por ele com elegância, deixando no ar o perfume suave e o gosto do não dito.
Bruno ficou olhando enquanto ela se afastava. Aquela menina que ele conhecera na fazenda, que cresceu escondendo a dor sob camadas de perfeição, agora era uma mulher.
Uma mulher que ele estava começando a amar.