Início / Romance / A Princesa da família Duarte / Algo terrível havia acontecido.
Algo terrível havia acontecido.

As sirenes cortavam o ar pesado, misturando-se ao som da tempestade que não dava trégua. As luzes vermelhas e azuis dos bombeiros, ambulâncias e da Defesa Civil giravam sem parar, refletindo nas poças, nas folhas molhadas, no rosto desesperado de quem assistia.

O cheiro de gasolina, lama e medo impregnava tudo. Homens com roupas de neoprene corriam para a margem do rio, ajustando os cilindros de oxigênio, preparando cordas, boias e lanternas. A correnteza parecia zombar deles, rugindo, levando consigo pedaços de galhos, troncos, lixo... e, quem sabe, uma vida.

A multidão se formava, protegida por guarda-chuvas inúteis diante da fúria da chuva. Alguns seguravam as bocas, outros filmavam com celulares, e todos tinham nos olhos aquele olhar vazio de quem sabe que está presenciando algo trágico, irreversível, cruel.

Foi então que o som de pneus deslizando no asfalto molhado ecoou. Um carro parou tão bruscamente que quase invadiu a ribanceira.

João desceu, já com as pernas falhando, o peito arfando, o coração acelerado como nunca. Quando viu os mergulhadores, a multidão, o rio... e principalmente José e Bruno encharcados, desesperados... sentiu que algo estava terrivelmente errado.

Mas não teve tempo nem de processar. Bruno, tomado por uma fúria selvagem, avançou sobre ele como um animal fora de controle.

— SEU MALDITOOOOO! — O soco veio seco, certeiro, explodindo contra o rosto de João, que cambaleou, perdeu o equilíbrio e quase caiu de costas.

— EU TE AVISEI! ELA TE AMAVA, CONFIAVA EM VOCÊ, E VOCÊ TRAIU ELA, MALDITOOOO! — rugiu Bruno, com os olhos vermelhos, transtornado, socando novamente, empurrando, querendo descontar toda a dor, todo o horror, toda a culpa naquele rosto.

João tentou se defender, ergueu os braços, mas estava paralisado. O corpo reagia, mas a mente... não. Estava em choque. As palavras de Bruno atravessavam seu peito como facas. Cada frase era uma lâmina arrancando pedaços da alma.

— Bruno, chega! CHEGA, CARA! — gritou José, agarrando-o pelos ombros, puxando com força. — O FOCO AGORA É A AMANDA! ELA TÁ LÁ DENTRO, PELO AMOR DE DEUS!

João caiu de joelhos, as mãos no chão lamacento, respirando como quem estava se afogando fora d’água. O sangue escorria do lábio cortado, se misturando à água da chuva que descia do cabelo, do rosto.

Seus olhos fixaram-se no rio, naquele rio maldito, naquele rio que agora parecia ter se tornado um túmulo líquido.

— Amanda... não... não faz isso comigo... não... — sussurrou, quase sem voz, como se as palavras pudessem alcançá-la onde quer que ela estivesse.

O som dos mergulhadores entrando na água, das ordens gritadas, das cordas sendo lançadas, dos motores das lanchas, tudo soava abafado, distante. Como se o mundo ao redor tivesse sido tragado por um vácuo de dor, horror e impotência.

Na fazenda — mesmo instante

Ana estava sentada na varanda, o olhar perdido no horizonte cinza, onde a chuva caía pesada. Clara e Carla conversavam, distraídas, dobrando roupas, falando sobre coisas banais, como quem tenta fingir que o mundo lá fora não está prestes a desabar.

De repente, a xícara de porcelana escorregou das mãos de Ana. Caiu no chão e se estilhaçou em mil pedaços, espalhando café, cerâmica e um silêncio assustador.

Ana levou a mão ao peito, apertando-o como se quisesse segurar algo que estava fugindo. Seus olhos marejaram instantaneamente, e a respiração ficou pesada, irregular.

— Augusto... — sussurrou, quase sem voz, olhando para a estrada, como se esperasse que alguém surgisse ali com uma notícia que ela não queria ouvir.

Augusto, que se aproximava, percebeu na hora. A expressão no rosto de Ana era algo que ele conhecia... e temia.

— Ana? O que foi? Tá passando mal? — perguntou, mas no fundo já sabia.

Ela balançou a cabeça lentamente, as lágrimas começando a descer. — Aconteceu... alguma coisa. Eu senti. Meu Deus... com a Amanda. É ela, Augusto... é ela... — a voz se quebrou no final.

Augusto gelou. Todo o sangue pareceu sumir do corpo. O olhar dele se cruzou com o de Clara, que percebeu na hora o clima pesado, as palavras que não foram ditas.

O vento bateu mais forte, levando consigo folhas, galhos, e aquele silêncio assustador que antecede o caos.

Ana fechou os olhos, segurando o próprio peito, e uma lágrima grossa desceu, atravessando o rosto enrugado e forte de uma mãe que sabia... que simplesmente sabia... que sua filha estava lutando entre a vida e a morte.

Era como se uma presença invisível, cruel, tivesse atravessado aquele lugar. Um arrepio percorreu a espinha de todos na varanda.

Naquele momento... todos entenderam, sem que ninguém precisasse dizer nada: algo terrível havia acontecido.

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