“Nem toda casa é lar; algumas são vitrines com cadeado por dentro.” — (Anotação de R.)
A lembrança vem limpa: Aurélia me tirou do orfanato e me levou para uma casa que cheirava a jasmim, cera e pano recém passado.
Ali eu fui tratada como uma princesa.
Ali, ninguém dizia “prostíbulo”. Diziam casa. E, para quem comprava a fachada, era uma “agência de acompanhantes de luxo”: mulheres educadas, discretas, impecáveis — presenças para jantares, viagens, eventos.
A palavra “corpo” raramente aparecia; quando surgia, vinha envolta em seda e cláusulas.
No começo, eu não concordei nem discordei.
Não entendia. Eu tinha de treze para catorze anos quando cheguei na casa, um corpo já em voz alta e uma cabeça ainda embrulhada no silêncio do orfanato.
Aurélia me tratava como filha — e essa palavra abriu um quarto com luz.
Diferente das outras, eu fui adotada de verdade. Ela dizia “minha menina” e não era performance o tempo todo. Tinha sopa quente, mão que penteia sem pressa, caderno com meu nome escri