Dayse tomada por uma mistura de angústia e esperança, tenta se convencer de que ainda há uma chance de escapar, de que sua inteligência e resiliência podem salvá-la. Mas, no fundo, sente o peso da inevitabilidade — uma sensação sufocante de que seu destino já está traçado.
Apenas uma certeza pulsava dentro dela, sombria e inabalável, como uma chama que se recusava a apagar:
"Se ele acha que me comprou, está redondamente enganado... Ele ainda não faz ideia do que uma pessoa acuada é capaz de fazer. Teremos um filho, sim. Mas jamais entregarei essa criança a uma família que acredita poder comprar vidas como se fossem mercadorias."
As 19:00 horas em ponto o motorista chegou para buscá-la...
O carro preto de luxo cortava as ruas da cidade como uma flecha silenciosa, atravessando avenidas iluminadas e bairros adormecidos. Dentro dele, Dayse mantinha o olhar fixo na janela, observando as luzes passarem como fantasmas distantes. Não sabia dizer se estava sendo levada para um casamento ou para uma sentença.
Ela não sentia o conforto dos estofados de couro. Não ouvia o som do motor. O mundo havia se distanciado, e tudo o que restava era o zumbido agudo dos próprios pensamentos.
O contrato estava assinado. O destino selado. E não havia mais volta.
O motorista, impassível, não disse uma palavra durante todo o percurso. Ela também não perguntou nada. Nem saberia o quê.
Quando o carro finalmente parou diante de portões de ferro ornamentados, um arrepio percorreu sua espinha. A propriedade Bellucci era ainda mais opulenta do que imaginara — se é que imaginara algo. Nada que ela pudesse ter criado em sua mente se comparava àquela visão.
Os portões se abriram automaticamente e o carro adentrou a estrada de pedras que circundava por um jardim de formas geométricas perfeitas. Era como adentrar um reino que não lhe pertencia.
As luzes douradas da mansão brilhavam à frente como olhos observadores. Ela estava sendo esperada. Ou apenas monitorada?
Assim que o veículo parou ao pé da escadaria principal, Dayse desceu, os pés tremendo discretamente nos saltos baixos. Apertou o casaco fino ao redor do corpo como se aquilo pudesse protegê-la — do frio ou do que a aguardava ali dentro.
A porta se abriu antes mesmo que ela pisasse no primeiro degrau.
Luna Vasquez.
A mesma mulher que entregou o contrato horas antes agora a esperava com um olhar duro e uma postura impenetrável. Nada nela mudava, nem um fio de cabelo fora do lugar.
— Siga-me — ordenou, sem qualquer cortesia.
Nenhum "boa noite". Nenhum "bem-vinda". Apenas a continuação de um protocolo frio.
Dayse seguiu em silêncio, mas com os olhos atentos. Contava portas. Estudava rotas. Observava o rodado do vestido de Luna, anotando mentalmente que ela caminhava com o peso de quem se julga intocável.
A cada passo, Dayse não se perguntava "por que estou aqui?". Ela se perguntava: "como vou sair daqui? " Seus passos ecoavam no piso de mármore, cada batida um lembrete de que ela não estava ali por vontade própria. Era apenas um corpo transitando em um lugar onde não pertencia.
O interior da mansão era grandioso. Lustres cintilantes, paredes cobertas por arte clássica, colunas brancas que pareciam segurar o peso de séculos de tradição. Mas apesar da beleza arquitetônica, havia algo de profundamente opressor em tudo.
Era um lugar onde cada móvel, cada flor no vaso e cada gesto eram parte de um espetáculo silencioso — e ela, a atriz forçada a atuar.
Os poucos funcionários que cruzaram seu caminho não a cumprimentaram. Olhavam por ela como se ela fosse invisível. Já marcada como indigna.
— Seu quarto fica no segundo andar. Você não tem permissão para circular pela casa sem autorização — informou Luna, subindo as escadas à frente com passos firmes.
— Suas bagagens já foram levadas para lá.
A frase final soou como um lembrete de que até sua intimidade agora era propriedade da casa.
Quando chegaram ao fim do corredor, Luna abriu as portas duplas de um quarto e indicou o interior com um leve aceno de cabeça.
— Este será o seu quarto. Amanhã você receberá novas instruções.
E saiu. Sem mais uma palavra.
Dayse permaneceu ali, imóvel por um instante, como se tentasse processar a frieza ao seu redor.
Não que estivesse acostumada ao afeto — ele sempre foi escasso em sua trajetória.
Mas, por algum motivo, naquele momento, a ausência parecia mais pesada.
Mais difícil de ignorar.
O quarto era grande, decorado com elegância sutil. A cama de dossel parecia saída de um livro de contos de fadas, mas os lençóis brancos e as cortinas pesadas criavam um clima frio demais para qualquer princesa.
Ela se sentou na beirada da cama e respirou fundo. O silêncio pairava absoluto. A mansão, embora viva de luz, parecia um mausoléu. E ela, a oferenda viva.
Do outro lado da janela, as árvores balançavam ao vento noturno, mas Dayse não as via. Seus olhos estavam presos ao passado, às memórias que voltavam como farpas.
— "Seu nome agora é Dayse Antonelli" — dissera a assistente social, anos atrás, ao colocá-la no banco de trás do carro dos Antonelli. Ela tinha seis anos. Na época, achou que tinha ganhado um lar.
Nos primeiros meses, foi tratada com carinho, cercada de brinquedos e palavras doces. Até que, contra todas as probabilidades, a mãe adotiva engravidou. A irmã nasceu frágil, doente, e com ela nasceu também o esquecimento.
Dayse foi sendo empurrada para a periferia da família.
Lembrava-se de uma noite em particular, quando, aos nove anos, se aproximou da mãe adotiva com esperança nos olhos.
— "Posso ajudar a cuidar do bebê, mamãe?"
— "Já tenho tudo o que preciso, Dayse. Deixe isso comigo."
A voz era calma, mas o afastamento era nítido. Um muro invisível se ergueu ali.
Depois disso, ela passou a observar tudo de longe. Aprendeu a não pedir, a não se aproximar, a não esperar.
E teve uma noite em que ao buscar um copo de água, ouviu o que nunca deveria ter ouvido:
— "Foi um erro. Nunca devíamos ter adotado aquela menina" — dissera o pai adotivo, a voz carregada de frustração, ecoando pelo corredor como um golpe invisível.
― "Foi um erro, nos precipitamos" ― concordou Vivian, num tom que misturava cansaço e indiferença.
Dayse permaneceu imóvel, o coração acelerado, sentindo como se o chão se abrisse debaixo de seus pés. Retornou ao quarto em silêncio, mas as palavras dos pais martelavam sua mente.
Desde aquele dia, algo dentro dela se partiu e se refez ao mesmo tempo. Dayse sentiu na pele a dor da decepção, mas também a força de uma nova determinação: nunca mais permitiria que sua felicidade dependesse de alguém.
A partir dali ela seria sua própria fortaleza, seu próprio abrigo. Criou uma barreira emocional, aprendeu a se virar sozinha e começou a moldar a mulher forte e resiliente que se tornaria no futuro.
As palavras ficaram presas nela como uma tatuagem invisível.
Mas foi aos dezoito, a sentença final:
— "Você vai se casar com o herdeiro dos Bellucci" — declarou Edmund, jogando o contrato sobre a mesa do escritório. — “Está na hora de retribuir o investimento que fizemos em você.”
Ela recusou. Tentou. E pagou por isso.
Os hematomas físicos sumiram em semanas. Mas os da alma continuavam em carne viva.
Agora, ali, naquela cama fria, Dayse só conseguia pensar em uma coisa: “Hoje eu enterrei meu nome. Mas um dia... eles vão se lembrar de quem eu sou.”
Ela puxou as cobertas com força, como se estivesse se blindando para a guerra.
A realidade, no entanto, é implacável. O que vai acontecer não depende de sua vontade, e sim das forças que a cercam. O desfecho já está decidido, independentemente de sua luta interna.
O tempo se esgota, e o futuro se aproxima com a mesma certeza de um golpe que não pode ser evitado.