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~Na voz de Lorenzo~
Nova York fervia. O trânsito rugia lá fora, e as vitrines da Quinta Avenida brilhavam sob o sol como joias em exposição. Eu observava a fachada da Maison Bianchi — imponente, com o nome em letras douradas refletindo o movimento apressado da cidade. Entrei sem me anunciar, sem seguranças, sem motorista. Às vezes gosto de sentir o sabor do anonimato. O som dos meus passos ecoou pelo piso de mármore. Aquele cheiro familiar me envolveu — couro novo, perfume francês, tecidos caros. Eu o reconheceria entre mil, porque aquele aroma era meu. O império que construí tinha cheiro de poder. Mas, para eles, eu era apenas mais um cliente. O gerente me viu primeiro. Matteo. O homem empalideceu no instante em que me reconheceu e veio correndo, o corpo rígido de nervosismo. — Senhor Lorenzo… — murmurou, quase se curvando. Levantei uma das mãos, interrompendo-o. — Não, Matteo. Finja que não me conhece. Nenhum funcionário precisa saber quem eu sou. — Sim, senhor, claro… Segui caminhando, ignorando os olhares curiosos das vendedoras. Deixei que me olhassem, deixei que criassem histórias. Sempre fiz isso — é útil ser um mistério. E então, no reflexo de uma vitrine, eu a vi. Clara. Ela ajustava a posição de um manequim vestindo um trench coat bege, o cabelo preso de forma simples, sem pretensão. Havia algo de calmo e firme nela — uma elegância natural, sem esforço. Enquanto as outras atendentes trocavam sorrisos nervosos ao me ver, Clara parecia alheia a tudo. Trabalhava em silêncio, concentrada, como se aquele pequeno universo fosse todo o seu mundo. Aproximei-me. — Com licença — disse. Ela se virou. Os olhos dela encontraram os meus — castanhos, diretos, calmos. Nenhum tremor. Nenhum interesse disfarçado. — Boa tarde, senhor. Posso ajudá-lo? — perguntou com um tom suave, profissional. — Pode. — deixei a voz sair lenta, observando a reação dela. — Quero algo… especial. Ela avaliou meu terno, o relógio, o corte do cabelo — mas não com o olhar de quem julga. Era como se estivesse apenas coletando informações para cumprir seu trabalho. — O senhor procura algo para uma ocasião específica? — Um jantar. Importante. Ela assentiu, pensativa. — Prefere algo clássico ou ousado? — Surpreenda-me. Clara arqueou uma sobrancelha, discreta, e virou-se em direção a uma arara próxima. O movimento era contido, elegante. Escolheu dois ternos, ambos de uma coleção recém-lançada de uma marca italiana que eu mesmo representava. Ironia. — Este — disse, mostrando o primeiro — é tradicional, mas o tecido tem um brilho sutil. Ideal para um jantar formal. — E o outro? — Um corte mais ajustado, moderno. Poucos homens têm confiança suficiente para usá-lo. Sorri de canto. — Está dizendo que talvez eu não tenha? Ela sustentou o olhar. — Não, senhor. Só quis dizer que a maioria prefere não arriscar. O tom era neutro, mas havia algo ali — um toque de ironia discreta, quase provocante. — E qual dos dois você escolheria para mim? — perguntei. — Depende. Quer ser notado, ou lembrado? — respondeu, sem hesitar. Ri baixo. Clara não sabia com quem falava, e talvez fosse justamente isso que me fascinava. — Escolha você. Ela optou pelo primeiro, o mais clássico. Conduziu-me até o provador, sem pressa, sem aquele ar servil que costumo ver em quem tenta impressionar. Eu a segui, curioso. Enquanto eu vestia o terno, ouvi o barulho da cidade lá fora — buzinas, passos apressados, o caos organizado de Manhattan. Quando saí do provador, ela me esperava, braços cruzados, olhar analítico. — E então? — Perfeito — respondi. Ela se aproximou, ajustando a lapela com cuidado. O toque foi breve, quase nada, mas me causou uma reação estranha. Clara era… calma demais. Quase imune. — O senhor tem uma presença forte — disse, de repente. — É um elogio? — Uma constatação. Sorri. — E você, Clara? Sempre tão calma com todos os clientes? — Tento ser. As pessoas esperam paciência de quem trabalha aqui. Ela se afastou, pegou uma sacola e embalou o terno com gestos meticulosos. Nenhuma tentativa de prolongar a conversa, nenhum olhar a mais. Só profissionalismo. — Aqui está, senhor. — estendeu a sacola. — Foi um prazer atendê-lo. — O prazer foi meu. — deixei o olhar demorar um segundo a mais sobre ela. — Tenho certeza de que voltarei. Clara apenas sorriu de leve. — Estaremos à disposição. Mas o modo como ela disse aquilo soava como uma despedida, não um convite. Saí da loja e senti o vento frio da Quinta Avenida bater contra o rosto. A cidade seguia viva, impaciente, e mesmo assim tudo me pareceu mais lento. Matteo veio logo atrás, apressado. — Senhor Lorenzo, devo avisar a equipe sobre sua visita? — Não — respondi sem olhar para ele. — Ninguém precisa saber quem eu sou. — Entendido. — Quero que continuem acreditando que sou apenas mais um cliente. Ele franziu o cenho, confuso. — E a senhorita Clara? — Principalmente ela. Matteo engoliu em seco. — O senhor pretende voltar? — Muitas vezes. — dei um meio sorriso. — E quando eu voltar, quero que ela me atenda. Sempre. Enquanto caminhava pela calçada, entre os reflexos de vidro e o ruído da cidade, percebi que algo raro havia acontecido. Eu, Lorenzo Bianchi — dono de marcas, de contratos, de vontades —, encontrara alguém que não se curvava diante do meu nome, nem do meu olhar. Clara. A mulher atrás da vitrine da Maison Bianchi, em Nova York.






