Mundo de ficçãoIniciar sessãoPESO E O PRESENTE DO DESTINO
A manhã surgiu fria sobre, o sol tímido filtrando-se pelas cortinas floridas da cozinha. O cheiro de café fresco e pão quente tomava o ar, mas nada parecia despertar meu apetite. Desci as escadas com passos lentos, os olhos ainda inchados da noite anterior. Tinha que ir trabalhar, tentar agir como se tudo estivesse bem — mas o coração insistia em latejar dentro do peito. Vovó Ethel me observou assim que entrei. — Minha filha, você não pode se deixar abater desse jeito. — Ela se aproximou devagar, enxugando as mãos no avental. — A vida não parou só porque você sofreu uma desilusão. Sentei-me à mesa, mexendo o café sem coragem de beber. Minha voz saiu trêmula, quase um sussurro: — Vovó, não é só o que aconteceu entre mim e ele, tem algo sério que descobri ontem além dele ser comprometido. Ela ergueu o olhar, atenta. — Então o que é, Ashley? Respirei fundo, e senti a garganta arder. — Eu descobri ontem que estou grávida. O silêncio caiu pesado, quebrado apenas pelo tic-tac do relógio pendurado na parede. Por um instante, pensei ver nos olhos dela o mesmo espanto que eu sentia dentro de mim. Mas o que encontrei ali foi apenas ternura. Ethel se aproximou e segurou minhas mãos. — Minha menina, agora entendi o porquê desse sofrimento — murmurou. — Então era essa descoberta que tanto te afligiu? Assenti, lutando contra as lágrimas. — Estou grávida e vou criar esse filho sozinha, vovó, não vou procurar o pai nunca mais . É o certo, não posso ser um empecilho no relacionamento de outra pessoa. Ela me olhou nos olhos, firme, mas com carinho. — Escute o que eu vou te dizer, Ashley, quando a sua mãe voltou da universidade, com apenas dezenove anos e você no ventre, ela também estava magoada e perdida. Nós a apoiamos, e do mesmo jeito que apoiamos a sua mãe, vamos apoiar você. As palavras dela aqueceram algo dentro de mim. Ela continuou, com voz mansa: — Só não faça como sua mãe fez, não feche o coração, ela guardou uma mágoa tão grande, que talvez tenha sido isso que a enfraqueceu no parto. Fez uma pausa e me olhou com doçura. — Seu pai foi sincero quando disse que não estava pronto, mas a sua mãe escolheu te ter, e foi a melhor escolha que ela fez, você é a nossa maior bênção. As lágrimas escorreram, mas agora eram suaves. — E essa criança que está vindo — ela sorriu levemente — também é uma bênção, Ashley, se o pai não estiver presente, nós estaremos. Más lhe digo, um dia essa criança, vai querer saber quem é o pai, quando esse dia chegar não esconda a verdade. Antes que eu respondesse, a voz do vovô Samuel ecoou da porta: — Eu ouvi direito, Ethel,o que aconteceu com nossa neta? Ela se virou para ele. — A nossa neta está grávida, Samuel. O velho ficou em silêncio por alguns segundos. Depois se aproximou, colocando as mãos sobre meus ombros. — Então nós vamos cuidar dela e do bebê, como sempre cuidamos da nossa família. Olhei para ele, com os olhos marejados. — Não sei se estou preparada, vovô, mas vou ter esse bebê. — Ninguém está — respondeu, com aquele tom sereno que só os anos trazem. — Mas uma coisa é certa: você não está sozinha. Ele se sentou ao meu lado e prosseguiu: — O seu filho, ou filha, vai ter bisavós que o amam, tios que vão te apoiar, e prima, a Elise, que vai ser como uma irmã. Esse bebê não vai nascer sozinho. Senti o nó na garganta se desfazer. Ethel completou: — Pare de sofrer com o que passou, minha filha. O que aconteceu está feito, essa criança não é, um erro, será nosso presente. Samuel sorriu, encostando a mão em meu ombro. — Às vezes, Deus escreve certo por linhas tortas, Ashley. O que parece perda pode ser o começo da sua maior bênção. Aquelas palavras entraram fundo. Era como se, de repente, a dor começasse a se dissolver em esperança. Abracei meus avós. — Obrigada por não me julgarem. — Julgar? — Ethel acariciou meu rosto. — Julgar é coisa de quem nunca amou de verdade. Nós sabemos quem você é. Samuel riu baixinho. — Agora, trate de comer alguma coisa antes de ir trabalhar, esse bebê vai precisar de uma mãe forte, e a força começa por dentro. Senti o coração apertado, mas de um jeito diferente. Pela primeira vez desde que descobri tudo, senti vontade de lutar. Levantei-me, respirando fundo, e olhei para o horizonte pela janela da cozinha. O sol começava a despontar atrás das colinas, e uma brisa fria entrou pela fresta da cortina, trazendo o cheiro doce do campo. Toquei a barriga ainda lisa, e um pensamento me atravessou como um sussurro: "Você não está sozinha, meu pequeno, nós dois temos um novo começo." Ashley tomou um gole de café, tentando recompor o ânimo. A avó a observou em silêncio por alguns segundos e então sorriu com ternura. — Antes de ir trabalhar, por favor, arrume o seu rosto — disse suavemente. — Faça a sua maquiagem, prenda o cabelo e vá linda e maravilhosa, como você sempre foi. Ethel segurou suas mãos e completou: — Lembre-se, minha filha, que desse amor um fruto foi gerado, esse fruto é o seu presente e nosso também. Ela acariciou seu rosto com carinho. — Quem perde é quem não está perto. Ashley assentiu, emocionada, sentindo o coração aquecer, talvez, pela primeira vez desde que tudo aconteceu, ela conseguisse sorrir de verdade.






