####ACORDANDO DO COMA

O jardim estava coberto por flores brancas e lavandas que balançavam com o vento leve da tarde.

Philipe caminhava de mãos dadas com uma jovem.

O riso dela era suave, como o som da água correndo entre as pedras.

Ele não conseguia ver o rosto dela com nitidez — a luz do sol o cegava de leve —, mas os olhos,

Aqueles olhos azuis, quase verdes, eram inconfundíveis.

Olhos que transmitiam paz, amor e uma promessa silenciosa.

— Eu volto, Ash...— ele dizia, apertando as mãos dela. — prometo que volto.

Ela sorriu, e ele a envolveu num abraço, respirando fundo o perfume doce que vinha do cabelo dela.

O tempo parecia parar.

O mundo, ali, era só os dois.

E então, de repente, tudo começou a mudar.

O céu escureceu. O vento ficou pesado.

O som das flores foi substituído por uma buzina distante.

O jardim sumiu, o volante surgiu entre suas mãos,

Philipe piscou, confuso, e percebeu que estava dirigindo.

A estrada à frente tremulava sob o calor do asfalto.

Tentou dizer algo, mas a lembrança da jovem o dominava.

A última imagem dela o sorriso, o toque, a voz.

— Em breve volto, Ash,— sussurrou novamente.

— Um clarão, o impacto, o animal na estrada.

O som metálico do mundo desabando.

Tudo ficou escuro.

Silêncio.

Depois, apenas o som de máquinas e respiração artificial.

O bipe do monitor cardíaco era o único som no quarto.

A mãe de Philipe estava sentada ao lado da cama, com os olhos inchados de tanto chorar.

O pai, sério, olhava para o filho com esperança contida.

Então, algo mudou.

Os dedos dele se moveram.

Um leve tremor.

— Richard! — a mãe sussurrou, levantando-se apressada — Ele mexeu as mãos!

O pai aproximou-se, o coração disparado.

Os olhos de Philipe se abriram devagar.

Luz demais.

Som demais.

O mundo parecia distante, enevoado.

Ele tentou respirar, o ar preso pelo tubo que o impedia de falar.

A mãe se aproximou, aflita:

— Chame o neuro, rápido, meu filho acordou!

A porta se abriu com pressa.

O neurologista entrou com a equipe.

— Calma, Sr. Fitzgerald, mantenha-se tranquilo, você está entubado — disse o médico, ajustando os aparelhos, — não tente falar ainda.

Philipe, agitado, levou as mãos ao tubo, tentando puxá-lo.

— Calma, — o médico segurou seus braços. — Nós vamos retirar, respire devagar.

Alguns instantes depois, o tubo foi removido.

Ele tossiu, a garganta ardendo, o peito queimando.

— Ash, — a palavra saiu rouca, quase um sussurro.

A mãe levou as mãos ao rosto, soluçando.

— Meu Deus, ele falou!

O médico manteve a calma.

— Vamos com calma, Philipe, você sabe quem é?

Ele piscou, confuso, os olhos vagando pela sala.

Então, lentamente, assentiu.

O médico fez outro teste:

— Consegue reconhecer essas pessoas?

Philipe olhou para o casal diante dele.

— Meus pais,— disse, a voz falha, mas firme.

O médico sorriu.

— Ele voltou, vamos fazer os exames para avaliar o quadro neurológico.

A mãe se inclinou e beijou a testa do filho.

— Graças a Deus, meu amor, você voltou.

Philipe fechou os olhos por um instante.

Tudo era neblina, memórias partidas.

Mas havia algo que permanecia nítido.

Um nome.

Um olhar.

Aqueles olhos azuis…

"Ash..."

Sussurrou o nome novamente, antes que o sedativo o levasse de volta ao repouso.

O eco daquela lembrança era o único ponto de luz em meio à escuridão da perda.

ENTRE A LUZ E A CONFUSÃO

As horas seguintes foram um borrão de vozes, luzes e instrumentos frios.

Fizeram exames, testaram meus reflexos, olharam meus olhos como se pudessem enxergar dentro da minha alma.

Eu só queria silêncio.

Silêncio, e respostas.

Quando finalmente fui transferido para o quarto particular, o mundo parecia um sonho mal encaixado.

O corpo doía.

A cabeça latejava.

Mas o coração — o coração batia diferente.

Ainda ecoava dentro de mim aqueles olhos azuis.

Fechei os olhos por um instante, tentando entender por que aqueles olhos me chamaram, mesmo sem um rosto para acompanhá-lo.

O som da porta se abrindo me tirou do transe.

A voz da minha mãe veio carregada de emoção:

— Meu filho, — ela se aproximou devagar. — Graças a Deus você está melhorando.

Abri os olhos e vi meus pais.

E logo atrás deles, meu irmão, Paul, com aquele olhar preocupado de sempre.

Mas havia outra presença.

Brittany.

Sentada perto da janela, um sorriso contido nos lábios, os olhos marejados.

Por um momento, não consegui entender.

A garganta arranhava quando tentei falar:

— O que… a Brittany está fazendo aqui?

Minha mãe olhou surpresa, quase em tom de repreensão, como quem não entendia a pergunta.

— Ora, meu filho, é sua noiva, liguei para ela assim que você acordou.

— Noiva? — repeti, a voz falhando entre incredulidade e cansaço.

Brittany se aproximou, exibindo um sorriso trêmulo.

— Philipe você me assustou tanto, foram dois meses, amor, — ela pegou minha mão, e eu instintivamente a retirei, o toque me soando estranho, distante.

Olhei para meus pais, buscando respostas que minha memória não dava.

— Não me lembro se de ter ficado noivo— murmurei, tentando encontrar sentido. — lembro sim, que não tinhamis mais nada a quase um ano Brittany.

Minha mãe franziu o cenho.

— Como assim, meu filho? Antes de ir para Silver Spring, vocês tinham se reconciliado, a Brittany nos disse que você tinha pedido ela em noivado.

Senti o ar me faltar.

As lembranças vinham em flashes desconexos — reuniões, vozes, o volante, e então o impacto.

Mas Brittany e Reconciliação, isso não?!

Nada disso estava ali.

— Mãe, — falei baixo, a garganta rasgando. — O que eu me lembro da Brittany é que nós não tínhamos nada há muito tempo, nem nos falávamos.

Passei a mão pelos olhos, tentando clarear o pensamento.

— Como posso estar noivo dela?

Paul cruzou os braços, me observando em silêncio, e então disse com cautela:

— Cara, você ficou em coma por dois meses. Talvez parte da tua memória ainda esteja confusa.

O médico, que havia entrado pouco antes, confirmou com a cabeça:

— É normal, Philipe, a mente às vezes, protege o corpo apagando certas lembranças, dê tempo a si mesmo.

Mas algo dentro de mim gritava que aquilo não era um apagão de memória.

Era diferente.

Era como se estivessem tentando encaixar uma história que não me pertencia.

Brittany se aproximou outra vez, os olhos marejados.

— Eu fiquei aqui todos os dias, aqui Phil — disse em voz baixa, com um leve tremor na voz. — Você prometeu que quando voltasse de Silver Spring, nós iríamos nos casar.

Silver Spring?

Aquele nome soou como um golpe.

Meu peito se apertou, e o bipe do monitor acelerou.

O médico colocou a mão no meu ombro.

— Calma, Philipe, não se esforce, você ainda está em recuperação.

Assenti devagar, tentando conter o turbilhão.

Mas, no fundo, uma certeza crescia silenciosa:

havia algo muito errado naquela história.

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