MATTEO MANCINI
Encarei meu reflexo no espelho, a imagem de um homem exausto me fitando de volta. As olheiras profundas e a pele pálida eram o testemunho cruel de dias insones, um preço amargo a pagar pelo recente fiasco do desfile em Nova York. A incompetência alheia havia me arrastado de volta ao epicentro da minha empresa, um nome de prestígio no efervescente mundo artístico, sempre requisitada para os eventos mais grandiosos. A ironia era dilacerante: tínhamos as melhores modelos da Itália à disposição, e ainda assim, precisava apagar incêndios causados por terceiros, por negligência de gente que parecia não se importar com o suor e o sangue derramados para construir aquilo tudo. Minha jornada, iniciada do nada, foi pavimentada com garra inabalável e dedicação. Mergulhei de cabeça nos estudos, devorando livros sobre marketing digital, mídias sociais, publicidade. Cada diploma conquistado era um degrau que me afastava daquela casa opressora, daquele ambiente que me sufocava. Estagiei na melhor empresa da cidade, absorvendo cada gota de conhecimento como uma esponja, crescendo a olhos vistos, demonstrando uma voracidade por aprender que surpreendia a todos. A garagem de casa, antes um simples anexo empoeirado, transformou-se em meu laboratório particular, onde trabalhos extras de marketing e propaganda floresciam, tornando-se mais do que apenas um bico. A pequena semente germinou, exigindo que eu me dedicasse integralmente ao meu próprio negócio, que tomasse as rédeas do meu destino. Hoje, a pequena empresa que comecei com quase nada era um império, a "Mancini Starlight", abrangendo diversas áreas da publicidade, um testamento vivo da minha persistência implacável e da minha recusa em me curvar às adversidades. A primeira grande vitória, a que mais me enchia de orgulho e aliviava um peso antigo, foi libertar minha mãe daquela casa onde a humilhação era constante, onde sua dignidade era constantemente pisoteada. Seu restaurante, um sonho de anos acalentado em segredo, era agora uma realidade vibrante, um espaço onde ela poderia prosperar e ser valorizada, fruto do meu esforço, da minha promessa cumprida. Meus irmãos, Artturo e Vittorio, trilharam seus próprios caminhos, mas sob o mesmo teto empresarial que construí com tanto sacrifício. Artturo, a mente afiada e estratégica por trás dos contratos, um verdadeiro mestre na arte da negociação, e Vittorio, o olhar artístico e sensível por trás das lentes, capaz de capturar a essência da beleza em cada clique, eram pilares importantes da nossa estrutura, indispensáveis para o sucesso contínuo da Mancini Starlight. Mantive contato com o senhor Robert, a quem serei eternamente grato pelos estudos que me abriram tantas portas, que me deram as ferramentas para forjar meu próprio caminho. Sua alegria genuína pelo meu sucesso era um bálsamo, um calor que contrastava gritante com o silêncio cortante de dona Celina, de quem eu fazia questão de manter uma distância segura, uma barreira para evitar qualquer nova mágoa ou lembrança dolorosa. Minha vida profissional era um triunfo inegável, um monumento à minha determinação, mas o vazio pessoal permanecia inalterado, uma lacuna persistente em minha alma. Relações casuais, sexo sem compromisso, nada preenchia esse vazio. Meu coração, ferido e desconfiado por experiências passadas que deixaram cicatrizes profundas, permanecia trancado a sete chaves, inacessível a qualquer tentativa de conexão verdadeira, a qualquer um que ousasse se aproximar demais. Voltei ao presente, fitando o terno impecável no espelho, o tecido frio em contraste com o calor da minha pele. Apenas o cansaço em meu rosto denunciava a maratona incessante. Nova York havia ficado para trás há poucas horas, e a empresa já me esperava, com uma pilha de problemas clamando por solução, cada um mais urgente que o outro. O tempo era ouro, e mesmo exausto, eu sabia que não havia espaço para descanso, para um momento de vulnerabilidade. Na recepção, o sorriso insinuante de Maya, secretária de Bento, foi o prenúncio de um novo dia, carregado de desafios e reviravoltas. — Boa tarde, chefe. Que bom tê-lo de volta — Maya disse, os olhos brilhando com um misto de respeito e um interesse que beirava a admiração. — Boa tarde, Maya. O que Bento quer comigo hoje? Espero que não sejam mais desfiles desastrosos — respondi, tentando soar mais bem-humorado e menos exausto do que realmente estava. — Não se preocupe, chefe. Provavelmente ele só queira te apresentar a nova modelo contratada. Ela é um sucesso! — ela informou, com uma ponta de entusiasmo quase infantil na voz, aguçando minha curiosidade. — Ótimo, vamos logo com isso — murmurei, ajeitando o nó da gravata, sentindo a impaciência crescer. Bento, meu relações públicas astuto e visionário, havia contratado uma modelo brasileira para a campanha de uma renomada marca de lingerie. A beleza exótica e os corpos esculturais das brasileiras eram um trunfo inegável para esse tipo de trabalho, uma combinação perfeita de sensualidade e elegância, e eu confiava plenamente no discernimento de Bento para encontrar, contratar e supervisionar a escolhida. Ele nunca falhava nesse aspecto, sempre supera as expectativas. Adentrei na sala de Bento, forçando um sorriso ao ver meu irmão Artturo e meu amigo Bento sentados confortavelmente, conversando descontraidamente. Mas o sorriso morreu, congelado nos meus lábios, assim que meus olhos pousaram na figura que estava ali com eles. Meu mundo pareceu parar. — Alexia? — a palavra escapou, um sussurro incrédulo, quase inaudível, carregado de um peso que só eu sentia.