SETEMBRO 2025
ALEXIA DINIZ Oito anos se passaram, e ainda assim, o vasto oceano da minha memória permaneceu em um silêncio perturbador. Não um silêncio qualquer, mas um vazio ensurdecedor, uma tela em branco onde deveria haver um turbilhão de lembranças. Foi esse tempo, esse vazio, que me concedeu a liberdade. Sem as amarras de um passado que se esvaiu como fumaça, pude reconstruir não apenas uma vida, mas um novo "eu", desvinculado de recordações que jamais pude acessar. Sem lembranças, forjei uma nova história, um novo destino, um caminho pavimentado com o que restou de mim e o que me tornei. E a moda, de uma forma que parecia quase predestinada, estendeu-me os braços e me acolheu em seu universo vibrante. Mergulhei nos estudos com uma sede insaciável de conhecimento, absorvendo cada nuance, cada tendência. Me formei com distinção, e em um piscar de olhos, me vi transformada em Lexie, uma modelo profissional, o rosto de uma das marcas mais renomadas do Brasil. Meu trabalho não era meramente uma ocupação, era minha identidade recém-descoberta, meu refúgio seguro, a bússola que orientava cada passo da minha existência. Ele preenchia o abismo, a lacuna deixada pela ausência de um passado. Há alguns meses, a vida me surpreendeu com um convite irrecusável. Uma prestigiada empresa de moda italiana, a Mancini Starlight, me estendeu a mão, e ao ler as linhas da proposta, uma chama estranhamente familiar acendeu dentro de mim. Era uma sensação de pertencer a um lugar que minha mente não conseguia reconhecer, mas que meu corpo parecia ansiar com uma urgência inexplicável. Aquela sensação era como um eco distante, uma melodia esquecida que tocava no fundo da minha alma. A Itália me chamava, e eu aceitei sem hesitar, impulsionada por uma força maior que a razão. O retorno à terra vibrante onde talvez minha história tivesse começado, finalmente se concretizou. Já faz duas semanas que eu pisava novamente nesta terra, trazendo comigo meu inseparável companheiro de jornada, Eduardo, que carinhosamente chamo de Dudu. Dividimos um apartamento charmoso e acolhedor em Milão, nosso refúgio seguro em meio à intensidade dessa nova fase de nossas vidas. Era um espaço de paz, nosso pequeno santuário no turbilhão da capital da moda. A ideia de morar com minha mãe sequer passou pela minha cabeça. Nossa relação se transformou em algo gélido, distante, desde o dia em que ela me enviou para o Brasil. Uma barreira invisível, porém palpável, foi erguida entre nós, construída sobre o silêncio pesado das minhas lembranças perdidas e talvez, sobre segredos que ela guardava a sete chaves. A cada tentativa de aproximação, um muro se erguia, feito de omissões e evasivas. Um medo sutil, quase um pressentimento, pairava sobre meu retorno à Europa. Era a sombra daquele "marginal" que minha mãe pintou em cores tão sombrias, um homem que ela insistia ser uma ameaça constante. As histórias que ela contava, sobre o pai do filho que perdi há exatos oito anos, eram fragmentos de algo que eu não lembrava, mas que ela insistia em manter vivo, como se quisesse me proteger de um perigo iminente. E se ele me encontrasse? E se as ameaças veladas, sussurradas em um tom carregado de apreensão por ela, fossem reais e se concretizassem? Eu tentava ao máximo não ser reconhecida como Alexia, preferindo ser apenas Lexie no meio artístico, uma forma de me camuflar, de me esconder nas entrelinhas do estrelato. No entanto, a oportunidade profissional, o chamado avassalador da minha paixão pela moda, falou mais alto do que qualquer temor imposto por terceiros. A coragem, embora permeada de hesitação, floresceu, e decidi enfrentar o que viesse, movida pela promessa de um futuro brilhante. Minha adaptação e a de Dudu à nova realidade italiana foram surpreendentemente rápidas. Lembro vividamente do dia em que nos conhecemos, naquele avião, rumo ao Brasil. Foi uma conexão instantânea, um daqueles laços que parecem predestinados, um amor fraternal à primeira vista que rapidamente floresceu em uma amizade inabalável. Ele, com sua arte inigualável nos cabelos e na maquiagem, não era apenas meu cabeleireiro e maquiador; era meu confidente, meu guru de beleza, meu porto seguro em meio à turbulência da minha existência. Meus cabelos cor de cobre, minha marca registrada e a tonalidade que mais amo, só se rendem à magia e ao toque preciso de suas mãos. A lealdade de Dudu era tamanha que ele não hesitou em vender seu movimentado salão no Brasil, trocando a insegurança dos assaltos e a vida caótica pela minha companhia em Milão, um gesto que me comoveu profundamente e solidificou ainda mais nossa união. Aquele gesto foi a prova de que nossa amizade era um laço inquebrável. O burburinho no estúdio era constante. Modelos, fotógrafos, assistentes e produtores corriam de um lado para o outro, cada um em sua função. Eu estava sentada na cadeira de maquiagem, Dudu à minha frente, concentrado nos últimos retoques. — Minha musa está pronta para ofuscar e cegar a concorrência? — perguntou Eduardo, seus dedos ágeis retocando uma mecha rebelde do meu cabelo, um sorriso divertido e cheio de carinho em seus lábios. O ambiente no camarim era vibrante, impregnado do aroma de produtos de beleza e da energia contagiosa que Dudu irradiava. Ele sempre conseguia me arrancar um sorriso, mesmo nos momentos de maior tensão. — Nervosa, Dudu. São minhas primeiras fotos para uma campanha nessa nova empresa, você sabe como é — respondi, sentindo aquele friozinho familiar na barriga, mesmo após anos de experiência no ramo. A expectativa era sempre grande. — Bobagem. Você é a personificação da beleza, um furacão de talento em forma de mulher. Vai arrasar como sempre. Confia na sua arte, amiga — ele me tranquilizou, com aquela energia contagiante que era sua assinatura, capaz de dissipar qualquer nervosismo. A confiança que ele depositava em mim era um combustível para a minha alma.