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Capítulo 6 - Surpresa

Clara estava ansiosa por sua folga: era aniversário de Antônio. Avisou os patrões com antecedência e conseguiu um dia livre. Era sexta-feira, e o clima estava perfeito para a programação surpresa. Antônio faltaria à escola, e começariam o dia com um café da manhã na padaria. Depois iriam ao parque, almoçariam no shopping e veriam o filme que o menino tanto queria assistir. Ele completava 7 anos, e ela estava feliz por poder proporcionar um dia inesquecível ao filho. O que Clara não havia calculado era que o pai de Antônio viria buscá-lo para passarem o fim de semana juntos. Era, de fato, o fim de semana do pai. No entanto, Clara havia tentado contato: ligou, não foi atendida, mandou mensagens que foram visualizadas, mas nunca respondidas. Pedira a troca do fim de semana com várias semanas de antecedência, inclusive na última visita. Kleber desconversou e disse que falariam disso mais perto da data. Como não respondeu depois, Clara acreditou que ele havia aceitado a sugestão. Mas estranhou quando a campainha tocou tão cedo naquela manhã. Ao abrir a porta, viu Kleber parado do lado de fora, sorridente.

— Oi! Cadê o meu campeão? — falou alto, já chamando o filho.

— Kleber, a gente não tinha combinado de mudar? Eu preparei uma surpresa pro Antônio…

Antônio veio correndo do quarto, gritando:

— Eu tô aquiiiii!

— Oi, meu amor! Feliz aniversário! Papai veio te buscar pra tomar café na padaria!

— Eu adoro! Vamos, mamãe?

 

Clara tentava esconder o choque e a decepção. Sorriu e respondeu:

— Ah, meu amor… a mamãe vai fazer outras coisas, mas você pode ir com o papai. Vai lá se arrumar.

— Arruma a mochila também, que de lá a gente já vai direto pra casa — disse Kleber, ainda parado à porta.

 

Assim que o menino voltou ao quarto, o rosto de Clara mudou. Ela tentou fechar a porta, bloqueando a entrada, e falou firme:

— Espera ele aqui fora.

 

Kleber impediu que a porta se fechasse com o pé e tentou se justificar:

— Clara, é o meu fim de semana com ele. Eu trabalho, não dá pra trocar. Você sabe que a gente não combinou nada. Eu não aceitei troca nenhuma.

— Verdade. Você não combinou nada porque é um babaca, que nem teve a decência de me avisar que não concordava. Agora, faz um favor: espera aí fora!

 

 Ela bateu a porta na cara dele e respirou fundo. Precisava se recompor antes que o filho percebesse sua irritação. Hoje, Clara não entendia como havia se apaixonado por Kleber. Sim, ele era bonito: estatura média, um pouco mais alto que ela, olhos castanhos, pele negra, corpo atlético — o sonho da Clara de 19 anos. Mas, além da aparência, ela não o admirava em nada. Ele era um banana, medroso e sempre deixou claro que não tinha nenhum compromisso com os sentimentos ou o bem-estar dela.

Durante o tempo em que estiveram juntos, bastava as coisas apertarem para ele “espanar”. Não sabia lidar com pressão e se importava demais com o que os outros pensavam. Ainda assim, não hesitou em traí-la com a própria chefe — provavelmente de olho em uma promoção. Agora, estava preso em outro relacionamento. Clara e Kleber casaram-se porque ela engravidou. Ela estava apaixonada. Ele só queria parecer um bom moço.

Clara ajudou Antônio com a mala, se despediu e o acompanhou até o pai, que o aguardava no hall do prédio. Ao fechar a porta, apoiou a testa na porta e começou a chorar. Parte por raiva de Kleber. Parte por não poder estar com o filho no aniversário. Mas não havia muito a fazer. Apesar da falta de consideração, Kleber não estava errado: era seu fim de semana com o filho.

Recomposta, Clara começou a arrumar o apartamento. Morava em um kitnet com cozinha pequena, sala e um quarto que dividia com o filho. Para recomeçar, era o suficiente — mas queria poder oferecer mais a Antônio. Uma casa espaçosa, um quarto só pra ele, um quintal para ter um animalzinho. Mas ainda não era possível.

O prédio era simples, sem elevador ou porteiro, mas tranquilo. Alguns apartamentos eram maiores, e os vizinhos, até o momento, educados. Fez amizade com a síndica dona Maria e a filha dela, Tatiane, que tinha a mesma idade que Clara. Tatiane estudava administração e trabalhava em um empório no centro. Conversavam com frequência. Naquele dia, Clara desabafou com a amiga. — Você acredita, Tati? Eu planejei tudo… E ele apareceu cedo pra buscar o Antônio, sem nem me avisar.

 

Tatiane, que preparava um café passado na hora, bufou.

— Ah, amiga, sério. Ele faz isso porque sabe que você não vai arrumar confusão na frente do seu filho. É aquele tipo de cara que não tem coragem de ser direto, não assume as responsabilidades.

— E eu que fiquei com cara de boba na frente do meu filho…

— Boba nada. Você é mãe. E é uma mãe que tenta. Isso é mais do que ele faz. Só não se deixa consumir por essa tristeza hoje.

— É… vou tentar. Mas tá difícil.

 

---

 

Depois da conversa, Clara voltou para casa. Resolveu não fazer janta. Sem Antônio, não teria graça. Tomaria um vinho, relaxaria e depois dormiria.

Após a primeira taça, ouviu a campainha. Ficou surpresa ao ver Henrique do outro lado da porta. Eles tinham um relacionamento amistoso. Ele visitava o pai ao menos uma vez na semana e sempre falava com Clara quase como um boletim do que acontecia na casa. Sempre gentil, educado, e muitas vezes engraçado. Mas era estranho ele aparecer em sua casa.

Ela ajeitou o cabelo e abriu:

— Oi, doutor Henrique. Tudo bem?

 

Ele respondeu com seu sorriso encantador:

— Passei na casa dos meus pais e eles me contaram que hoje é aniversário do Antônio. Trouxe um presente pra ele.

 

Clara fez uma expressão desapontada, lembrou da ausência do filho:

— Ele não está. Foi passar o fim de semana com o pai.

— Hmmm... achei que estaria com você.

— Estaria. Mas não deu muito certo…

— Posso colocar aqui dentro? É meio pesado…

— Claro, desculpa! Pode entrar.

 

Henrique entrou carregando uma caixa grande com laço azul.

— Caramba!

— É uma bicicleta. Ele não tem, né?

— Não… Ele vai amar. Sempre que vamos ao parque, alugamos uma, e ele nunca quer parar de andar.

 

Henrique apontou para a garrafa e a taça sobre a mesa:

— Está aproveitando, né?

— É… foi o que sobrou pra mim — respondeu, um pouco sem graça.

— Mas o que aconteceu? Você não tinha conseguido a folga pra ficar com ele?

 

Clara explicou a situação. Henrique ficou indignado:

— Que babaca! Mas, sinceramente, acho que do ponto de vista jurídico não há muito a ser feito. Apesar de tudo, é o fim de semana dele… Mas fala com a Pietra, nossa diretora da área de direito de família. Ela pode te orientar melhor. — E lhe entregou um cartão.

— Obrigada. Eu vou pensar.

 

Henrique percebeu o desânimo na voz de Clara. Não sabia de onde exatamente vinha aquilo, mas não gostava de vê-la triste. Ele gostava da companhia dela e resolveu unir o útil ao agradável e arriscar um movimento novo.

— Vamos sair pra jantar?

— Jantar? — levantou os olhos, surpresa.

— É. Você não vai ficar aqui bebendo esse vinho triste sozinha.

— Não quero incomodar…

— Você nunca incomoda. Tem uma cantina italiana ótima aqui perto. Lá, o vinho é mais animado que esse aí.

— Meu vinho parece tão deprimente assim?

— Parece sim. Vamos. Eu já estou com fome.

— Doutor Henrique…

— Doutor, não! Para com isso, me sinto o meu pai. Me chama só de Henrique. Vamos, vai ser divertido.

— Tá bom. Eu só vou me arrumar rapidinho.

— Não tem pressa. Eu espero aqui. Enquanto isso, vou guardar esse seu vinho da depressão.

 

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