Um Caso Inevitável

Dante encara a tela do celular mais uma vez.

Nenhuma mensagem de Kaito. Nenhuma informação sobre o paradeiro da fêmea que o destino lhe trouxe, mas que ele nem o nome da garota. Já se havia se passado um dia inteiro desde que a encontrou… e fugiu dela.

Como um filhote assustado, com o rabo entre as pernas.

Discretamente massageia a bochecha que cerca de algumas horas atrás começou a arder. Ainda que não haja nenhum machucado visível, a pele queima como se tivesse sido golpeada. E Dante sabe: não é dele. É dela.

Mais um dos castigos da deusa da lua para a retratação dos machos com suas fêmeas: sentir toda dor dela duas vezes mais forte.

O que diabos a humana havia feito para ter machucado a bochecha? E o pior, é que ele sente que isso não é tudo, seu corpo inteiro formiga. A dor em seus pulsos é latente, constante, mas não é uma dor absurda, é como se os músculos estivessem sendo fortes de uma forma estranha. Num tipo de dor surda, de alguém que está acostumado com a dor.

Ele fecha a mão em punho. Respira fundo. Ao que parece a fêmea em questão é mais forte do que parecia.

— Essas são as garotas desaparecidas.

Dante ergue o olhar no instante em que Olga, a chefe da equipe investigativa, acende o painel atrás dela. A luz fria revela seis fotos alinhadas de moças jovens e bonitas.

Sem responder de imediato, os olhos do detetive percorrem os rostos nas imagens. Elas não têm um padrão especifico, havia brancas, negras, e até uma com traços asiáticos, e outra indígena. A diversidade grita, mas algo nelas une todas: o vazio nos olhos. Como se a câmera tivesse capturado o momento exato em que a liberdade se esfarelou.

— Cruzei os dados com a equipe anterior do caso e encontrei mais quatro garotas — diz Olga, andando pela sala com as mãos para trás. — A mais nova tem dezesseis anos. A mais velha, vinte e quatro. Todas são de origem pobre. Algumas imigrantes. Nenhuma com suporte familiar. Nenhuma com alguém que vá realmente procurá-las.

O painel se modifica. A nova imagem é um mapa com dezenas de pontos vermelhos piscando.

— Todas desapareceram nos últimos dois meses, em pontos distintos da região central.

— Estão traficando as garotas — Dante afirma, direto.

Ele então respira fundo, mas o ar pesa.

Mesmo com anos de disfarce, de disciplina, de autocontrole... o lobo dentro dele se move, querendo atacar. Uma irritação viva lateja por baixo da pele.

Ele já conhecia esse tipo de crueldade.

Já viu corpos demais. Becos demais. Lágrimas demais. Meninas demais.

Machos humanos, monstros sem presas, sem garras — mas com almas tão apodrecidas que até as bestas mais primitivas o enojariam.

Diferente dos lycan, os humanos não tem cio, não precisam ser dominantes, não tem que duelar entre si até a morte caso queiram a mesma fêmea como uma companheira escolhida.

Na sua espécie do Alfa disfarçado, um macho luta até a morte para proteger sua fêmea e filhotes. Aqui, os humanos vendem as suas, como se não fossem nada mais do que objetos negociáveis.

Filhas. Irmãs. Esposas.

Lixos.

Enquanto outros, simplesmente roubam.

— Precisamente — Olga diz, respirando fundo.

Tráfico humano é tão comum no mundo humano que Dante precisa se lembrar constantemente do porquê não reagir como seu instinto pedia, do porque não poder fazer justiça com as próprias mãos.

Se matasse aqueles homens — e ele queria, profundamente — quebraria o acordo entre os deuses e ele jamais colocaria sua espécie em risco por causa da podridão de uma raça que insistia em destruir os próprios membros.

E por essa razão, ele sempre evita esse tipo de caso grande.

— Deveria ter chamado outro detetive.

— Yuri está em outra missão — responde Olga. — E os dois da sala ao lado não têm metade do seu histórico.

Ele força os músculos do rosto a se manterem neutros.

— Não sou especializado nesse tipo de caso, eu resolvo os pequenos, que acontecem dentro da cidade.

— Você é o mais habilidoso entre nós, Campbell. E, o único, que até hoje, sempre volta dos casos com as vítimas vivas.

Ele a encara, mas não responde.

Porque ela está certa.

Dante sempre retorna com as vítimas vivas porque ele trabalha sozinho. Se precisar tomar um tiro, toma — sabendo que vai se curar segundos depois.

Porque seu corpo aguenta o que um humano jamais suportaria, seja explosão ( não forte suficiente para transforma-lo em cinzas) ou tiros ( que não sejam com balas de pratas). No fim, ele só precisa dizer que teve sorte de não ter sido atingido.

E quem acreditaria quando criminosos diziam que estavam enfrentando um demônio que não morria mesmo com uma bala na cabeça?

— Sorte — Dante rebate, cruzando os braços sobre o peito.

— Chame como quiser. Sorte. Instinto. Milagre. Não me importa — Olga dá um passo à frente. — Mas eu preciso que use isso agora. Com essas meninas.

— Não sou Deus, chefe. As vítimas dos casos que assumi tiveram sorte de eu ter chegado antes que o pior acontecesse, esse caso é diferente, elas já podem estar mortas nesse exato momento.

— Estão vivas — ela rebate com firmeza. — Estamos lidando com uma organização que atua no mundo inteiro e faz lucro roubando e vendendo pessoas, não as matariam tão fácil.

Ela faz uma pausa.

— E eu quero destruí-los. Um por um. Quero saber quem está por trás. Quero que essa rede caia. Preciso de alguém que não se intimide. E eu só conheço um assim, você.

Dante encara sua chefe por um longo momento, Olga não gosta de ser desobedecida, e nem de ter que insistir para acatarem sua ordem, como se ela estivesse pedindo um favor.

— Onde elas estão? — Dante pergunta por fim.

— Aos olhos do mundo, é só um clube adulto. Strip-tease, massagens, drinks. Mas, nos bastidores, é um antro de prostituição forçada. A última pessoa enviada se infiltrou como segurança. Três dias depois, enviaram o corpo dela para a delegacia local. Mutilado.

Ela respira fundo.

— Quero que entre como comprador. Infiltrado. É uma missão de alto risco. Você pode recusar... mas sei que você é o único que pode conseguir as provas necessárias para podermos agirmos.

Dante encara as fotos uma última vez.

— Quando tenho que ir?

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