Chefe de Merda: "Te dou apenas dois minutos para mudar de ideia, Meireles."
O celular vibra sobre a pia do minúsculo banheiro da apartamento pequeno. Celina encara a tela por um instante, mas não toca nele. Há apenas duas horas desde que ela havia quebrado o nariz do líder da equipe de investigação da quarta delegacia — onde ainda ocupa a posição de detetive júnior. "Você vai se arrepender, sua filha da puta!" — Mais uma mensagem. Celina ignora. Continua esfregando a pele com força, o sabonete antibacteriano espumando nas mãos enquanto tenta arrancar qualquer vestígio do toque de Maurício, o líder da equipe. Cada movimento enérgico é uma tentativa de apagar o nojo grudado em sua pele. Ele havia encostado nela enquanto “oferecia” uma promoção, num tom baixo, calculado, as mãos descendo dos ombros até os seios. **— Uma detetive júnior virando titular em dois meses? Pouco tempo pra alguém ser notada... a não ser, claro, quando é especial. E, claro, tem quem acredite no seu potencial. Tipo eu. Estou seriamente te considerando para subir de cargo. Uma detetive de verdade. Com distintivo próprio, liberdade para conduzir investigações sem precisar de alguém te supervisionando, um salário maior... A voz dele arranhou o ouvido dela enquanto os dedos exploravam seu corpo sem permissão. — Um agradozinho, e eu assino sua promoção. Você me entende, não entende, meu bem?** Celina fecha os olhos. A lembrança maldita ainda faz seu estômago virar. Mas tudo valeu a pena. Ela havia se forçado a suportar cada palavra, cada toque nojento... porque precisava da gravação. Prova concreta. Irrefutável. Não apenas por ela, mas por todas as outras que vieram antes dela e tiveram que suporta-lo. "Você acha que venceu? Acha mesmo que uma gravação vai me derrubar? Está enganada." Ela arqueia uma sobrancelha. Fecha o chuveiro e se deixa envolver pela água fria escorrendo sobre seu corpo. Como se pudesse lavar a sujeira que não é visível, mas pesa tanto quanto sangue. "Acha que está a salvo, Meireles? Irei garantir que viva o inferno em terra e irá implorar para que eu te salve, vadia. Todos irão ver o quão puta você é." Celina revira os olhos, tira print de todas as mensagens e bloqueia o contato de Mauricio. Se j**a na cama, o corpo ainda úmido, o lençol quente colando em sua pele fria. Ela se forçar a dormir, precisa do máximo de energia para comecar na nova delegacia e agora investigar seus colegas "da lei" afim de encontrar o assassino de sua mãe. E enquanto a noite avança para altas horas da madrugada, Celina começa cair em um sonho: Ela e a mãe juntas, quando ainda era menina, estavam preparando um bolo, é de aniversário, de repende, a porta da casa é aberta, o homem de cabelos negros, e olhos negros com traços dourados entra e entrega a ela um presente. Quando ela abre... O que está na caixa é cabeça de mãe. Celina acorda num sobressalto, com o suor frio escorrendo por todo sei corpo, no segundo seguinte, seus olhos se arregalam, sons dos tiros ficando cada vez mais próximos. Celina salta da cama, o instinto gritando em seu sangue. Olha ao redor, procurando algo com que se defender. Mas não há tempo. A porta é arrombada com um estrondo, batendo contra a parede, e três homens entram o apartamento. — Aí está ela — diz um dos homens, a voz carregada de malícia. — A princesinha da quarta delegacia. E olha só... muito mais bonita do que na foto que aquele detetive velho nos mostrou. — O chefe vai gostar da mercadoria — outro completa, rindo com escárnio. Celina não responde. Seus olhos saltam de rosto em rosto. Todos grandes. Fortes. Rudes. As roupas escuras e os coturnos indicam preparo. Profissionalismo sujo. Ela recua um passo, mantendo a postura ereta. O corpo, em alerta total. — Cadê o gravador? — pergunta o primeiro homem, já indo direto à cômoda. — Que gravador? Quem são vocês? — Celina rosna, pensando em como conseguirá se livrar desses três. — Não se faça de burra — responde o segundo, derrubando o notebook da mesa com um tapa. A tela se parte ao meio com um estalo, fazendo Celina cerrar as mãos, seu rosto ficando mais tenso, arrancando um sorriso do homem. — Relaxa, gatinha. Só vou fazer umas melhorias na decoração antes de te levar pro passeio. — Revirem tudo! — Grita o terceiro, chutando a cama com força. Com um chute, ele derruba o abajur. Outro homem entra e começa a vasculhar o armário. Um terceiro derruba a mochila de Celina no chão, espalhando seus documentos. Celina corre até o canto oposto, tenta alcançar a barra de ferro escondida sob a cama, mas é agarrada por um deles. — Larga! — Ela grita, cravando o cotovelo no nariz do homem, o estalo da cartilagem quebrando é seguido de um urro de dor. Ele cambaleia para trás, xingando. Outro tenta segurá-la, mas ela gira e acerta o joelho dele com o dorsal do pé num chute certeiro. O estalo é alto, o osso saindo do lugar com o impacto, fazendo-o cair e gritar. — PORRA! — o homem urra e cai no chão. — Como uma mulher pode ser tão forte? A vagabunda quebrou o meu joelho! — Rosna, as lágrimas se acumulando em seus olhos. Os outros dois avançam contra ela, mas Celina se lança ao chão, pegando a barra de ferro pressa a sua cama e se ergue. A barra gira em suas mãos com precisão. Acertando um no ombro, quebrando-o, o grito dele ecoa. A gira e acerta o outro nas costelas, arrancando um urro. O do joelho quebrado silenciosamente se ergue na perna boa e agarra Celina por trás, o do ombro quebrado agarra os pulsos dela antes que ela se livrar do primeiro, praticamente torcendo os pulsos dela, fazendo-a larga a barra que ecoa ao cair no chão. Ela tenta se soltar, acerta-lo com um chute, mas o terceiro segura suas pernas. Celina grita, odiando a desvantagem. Apesar de sua força, aqueles homens não eram fracos, e estão em maior número. Ela é derrubada no chão. Seus joelhos batem com força contra o piso. — Me soltem seus bandidos de merda! Socorro! Socorro! — Ela tenta se contorcer. — Cala a boca, puta! — O que segura seus pulsos grita contra seu rosto, então solta um dos pulsos e estapeia com força o rosto dela. Sua cabeça gira. O gosto metálico do sangue preenche sua boca. — Acha que vai escapar? Acha que alguém vai te ouvir? O que a segura por trás crava uma seringa no pescoço dela. O líquido que escorre queima. As vozes começam a ecoar, o mundo a girar. Ela cai de cara no chão, enchendo em câmera lenta os bandidos vasculharem suas coisas. Quebrando o gravador, o notebook, não deixando nada. — Não... — ela murmura, não conseguindo mais controlar nenhuma parte de seu corpo. Sua voz se dissolve. O mundo escurece. A última coisa que vê antes de apagar é o porta-retrato no chão. Quebrado. Estilhaçado. A mãe sorrindo. O pai sorrindo. E ela — criança — entre eles, acreditando que o mundo era seguro.