Capítulo 3

Mikhail Vasiliev

A água escorria pelo meu corpo enquanto eu apoiava as mãos contra a parede do box. Quente. Forte. Mas nem assim me fazia relaxar.

Desde que eu trouxe Alena para cá — ou melhor, desde que a tomei de volta — tudo estava fora do lugar. O whisky, que eu havia tomado antes do banho, já não descia do mesmo jeito, parecia mais amargo e o som da minha própria respiração me irritava.

Passei as últimas horas em silêncio, sem conseguir pensar em mais nada além dela. E isso me deixava de péssimo humor. Ela não saía da minha cabeça. A porra da imagem dela me assombrava. Não era a imagem dela no leilão. Era aquela outra, que tirei escondido no hotel. Aquela onde ela estava nua, completamente entregue ao sono provocado pelo boa noite, Cinderela que mandei colocar em sua comida. O rosto calmo. O corpo tão... puro.

Minhas mãos estavam coçando para apagar aquela foto. Mas minha mente queria revivê-la.

Fechei o registro do chuveiro, peguei a toalha e a enrolei na cintura com raiva. Precisava esquecer aquela merda.

Comecei a ouvir passos hesitantes no corredor. Não era nenhum dos capangas — eles pisavam firme. Eram passos leves, quase infantis. A freirinha estava solta pela casa. Ótimo.

Esbocei um leve sorriso. Mas era um sorriso malicioso.

Ouvi a porta da cozinha abrir. Em seguida, sons de talheres, de armários e de panela.

Saí do quarto sem me vestir, com os cabelos ainda pingando, descalço, e com a toalha enrolada no corpo. Desci as escadas em silêncio, pronto para pegá-la no flagra — não que fosse um problema ela estar ali — e não estava errado… me deparei com Alena.

O estômago dela devia estar roncando, porque o cheiro de pão e carne esquentando no fogão me fez salivar também assim que me aproximei da cozinha.

— O que está fazendo?

Minha voz saiu seca, direta, cortante como lâmina.

Ela estancou. O pão escorregou das mãos e caiu no chão, espalhando o molho sobre o piso. Alena se virou devagar, e os olhos dela subiram pelo meu corpo com hesitação.

Estava de toalha. Molhado. Devia ser por isso que ela parecia travada.

Ela tentou falar, mas a boca se abriu e não saiu som algum. Corou. Seus olhos caíram, envergonhados. Ridícula. Ridiculamente bonita.

— Eu... eu só... estava com fome. Eu ia limpar. Desculpe, eu...

— Tá tudo bem. — falei, tentando controlar meu tom. — Coma.

Ela me olhou surpresa, como se esperasse uma bofetada ao invés de uma permissão. Aquilo me irritou ainda mais, mas geralmente eu não precisava fazer nada além do que costumava fazer com meus homens em situações que me deixassem irritado. Bastava um olhar, um gesto. Mas com ela, nada funcionava como deveria.

— Está mesmo tudo bem? — ela perguntou, ainda insegura.

— Eu já disse que sim.

— Só não queria te incomodar... Achei que estivesse sozinha... — Ela ficou ali, parada, como se esperasse uma ordem para continuar existindo.

Revirei os olhos e fui até a bancada, pegando um pano para limpar o chão. Ela se abaixou comigo, numa tentativa de ajudar, mas encostou o ombro no meu sem querer. Senti sua pele arrepiar. E, porra... a minha também.

— Não faz isso de novo. — Minha voz saiu baixa.

— O quê?

— Andar pela casa de madrugada. Sem avisar. Sem saber onde está pisando.

— Só queria... Algo para comer… — sussurrou.

Levantei, joguei o pano na pia e encarei o corpo dela. Estava usando uma camisa da minha irmã. A camisa que eu mesmo havia dobrado na gaveta há dois dias. Ela usava aquilo como se fosse vestido. Cobrindo o suficiente. Mas não escondendo nada da minha imaginação. E era dela que a garota precisava fugir — minha imaginação.

— Vá comer. Depois volte pro seu quarto. — disse.

Ela assentiu, como um cordeirinho assustado, mas mesmo assim sentou à mesa, fechou os olhos, parecendo rezar ou sei lá o que era aquilo, e em seguida, começou a comer com as mãos trêmulas.

Fiquei ali, parado. Observando.

Cada mordida, cada vez que ela levava o pão à boca e limpava discretamente os cantos com os dedos, me fazia pensar que era errado sentir o que eu sentia. Mas isso nunca me impediu antes.

— Não precisa mais rezar por comida. — comentei, puxando um copo no balcão e servindo vodka. — Agora você sabe onde fica a cozinha.

— Apenas agradeci a Deus pela comida. — respondeu, sem encarar. — E também por ter te colocado em meu caminho para me ajudar.

Arqueei as sobrancelhas, surpreso. A freirinha estava me agradecendo? Ou eu estava louco e ouvindo coisas?

Como alguém poderia agradecer, quando foi sequestrada duas vezes?

— Está me agradecendo? Acha mesmo que te ajudei?

Ela assentiu com a cabeça.

— Eu sei. Eu ainda não entendo, mas sei que há uma razão para tudo.

— Então, de acordo com seus pensamentos, você acha que te dei algo... — Sim, eu estava sendo sarcástico pela forma como ela falava. E tinha certeza de que ele percebeu. Ou era ainda mais inocente do que pensei. Ela assentiu mais uma vez. — E o que exatamente você acha que eu te dei? — perguntei, me aproximando da mesa e a encarando com um olhar desafiador.

Ela engoliu em seco.

— Uma prisão com paredes bonitas, mas ainda assim, acredito que seja algo bom. — aquele olhar intenso que ela me lançou fez minhas bolas pesarem ainda mais.

Ela me olhou nos olhos e, por um instante, pensei em arrastá-la até o quarto, rasgar aquela camisa do corpo e mostrar a ela que tipo de prisão eu poderia transformar aquele lugar. Mas não. Ainda não. Ela ainda era frágil demais. E eu ainda estava confuso demais.

Dei dois passos para trás e virei a vodka.

— Você é corajosa, Alena. — sussurrei. — Mas eu não tenho paciência com gente corajosa demais.

— Talvez seja isso que Deus queira de mim. — respondeu, fitando a cruz pendurada em seu pescoço.

Ri. Não da piada, mas do absurdo.

— Deus? Acha mesmo que ele ainda está olhando pra você?

Ela se levantou, caminhou até a pia e abriu a torneira para lavar o prato. Quando se virou, o rosto estava calmo, mas os olhos... os olhos estavam em chamas.

— Eu acho que ele mandou alguém que me salvou duas vezes. Mesmo que esse alguém não entenda isso ainda.

Porra.

Ela saiu da cozinha antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. E, por um instante, fiquei ali, parado, encarando o lugar por onde ela passou, sentindo minha respiração acelerar. Sentindo minha mente me xingar por ter deixado ela subir as escadas... Ao invés de tê-la feito ajoelhar.

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