Capítulo 4- Naira

Naira

A luz do sol atravessava a janela do quarto, criando um desenho suave sobre os lençóis brancos. Fazia exatamente uma semana desde que eu havia despertado do coma, e todos os dias seguintes pareciam um borrão misturado à realidade. Hoje, seria o dia da minha alta, mas antes disso, eu precisaria passar por mais uma bateria de exames.

Brandon estava ali, como sempre. Sentado na poltrona ao lado da cama, segurava um livro que raramente lia, ele passava mais tempo me observando do que qualquer outra coisa. Seu olhar era sempre gentil, e havia algo de reverente no modo como me tocava, como se tivesse medo de me quebrar.

— Dormiu bem? — Ele perguntou assim que percebeu que eu estava acordada.

— Um pouco! — forcei um sorriso — Você ficou aí a noite toda?

— Onde mais eu estaria? — Perguntou ele, com aquele meio sorriso torto que já me era familiar, mesmo que minha memória ainda não me devolvesse o contexto dele.

Respirei fundo. Era difícil confiar nos meus próprios sentimentos. Eu não lembrava de nada, nem do som da minha própria risada, nem da textura da minha pele ao sol. Mas cada gesto de Brandon me dizia algo que minha mente ainda não podia traduzir. Ele me amava. Eu não sabia como eu era antes do acidente, mas sabia como ele me via agora: com devoção.

As enfermeiras vieram cedo, preparando-me para os exames. Primeiro, uma ressonância magnética. Deitar naquele tubo estreito, com aquele barulho repetitivo e mecânico, me deixava nervosa. Mas Brandon ficou o tempo todo do lado de fora da sala, me dizendo que estava ali. Que tudo ficaria bem. E, por mais estranho que fosse, eu acreditava nele.

Depois, uma série de testes neurológicos. Coordenação motora, reflexos, fala. O médico me pediu para fechar os olhos e tocar meu nariz com o dedo. Fiz isso com hesitação. Quando terminei, Brandon bateu palmas baixinho, como se eu tivesse vencido uma maratona.

— Você está indo muito bem, meu amor. — Ele afirmou, beijando minha testa.

Esse “meu amor” sempre me deixava inquieta. Não por não gostar, mas por não lembrar como era ouvi-lo antes. Ainda assim, havia algo no tom da voz dele que me dava paz. O último exame foi um eletroencefalograma. Os fios colados na minha cabeça me faziam parecer uma máquina. Brandon fez piada, tentando me arrancar um sorriso.

— Você está linda até com todos esses fios. Sério, está parecendo uma super-heroína de filme futurista.

Revirei os olhos, mas sorri.

Depois que tudo terminou, voltamos ao quarto. Enquanto esperávamos os resultados, ele pediu comida do meu restaurante favorito, ou melhor, do restaurante que era meu favorito antes do acidente, assim diz ele. Eu não lembrava dos sabores, mas ele lembrava. Lembrava de mim.

— Você sempre pedia isso quando estava triste ou nervosa. — Brandon fala, abrindo a sacola.

— E agora?

— Agora estou tentando ajudar você a encontrar quem é... por dentro. Não só com lembranças, mas com afeto.

Aquela frase me tocou mais do que eu esperava. Brandon não tentava forçar memórias em mim, ele estava construindo um novo caminho, com paciência e amor. No final da tarde, a médica voltou com um sorriso tranquilo.

— Todos os exames estão ótimos. Não há indícios de mais sequelas neurológicas do que as que identifiquei quando ela despertou. Pode ir para casa, senhora Goodman.

Senhora Goodman. Era assim que eu me chamava agora. Naira Goodman. Olhei para Brandon, e ele sorriu, os olhos marejados.

— Vamos começar de novo. — Brandon fala, apertando minha mão — Um passo de cada vez.

E, pela primeira vez desde que acordei, eu quis, de verdade, saber quem eu fui. Porque se ele me amou tanto assim... talvez eu também tenha amado ser quem eu era. E amado ele com a mesma intensidade que me ama.

Eu estava dobrando minha blusa preferida — ou, pelo menos, a que Brandon dizia ser — quando olhei para ele, sentado na poltrona, encaixando meus livros na mochila com o mesmo cuidado de quem monta um quebra-cabeça.

— Brandon... — Comecei, hesitante, com a voz mais baixa do que eu pretendia.

— Hum?

— A gente já teve um encontro... desastroso?

Ele parou por um segundo, com o marcador de páginas entre os dedos, e me olhou como se tivesse sido puxado de volta para uma lembrança engraçada.

— Tipo... muito desastroso? — Perguntei, com um meio sorriso.

— Ah, sim… — respondeu ele, rindo de leve — Um, pelo menos, foi um desastre completo. Lembra da noite do restaurante tailandês?

Balancei a cabeça. Ainda não.

— Desculpe, sei que não se lembra, foi só minha empolgação. Você queria impressionar… — continuou ele, com um brilho nos olhos — Pediu o prato mais apimentado do cardápio. Disse que era “valente demais pra se render ao leite de coco”.

— E?

— Passou os próximos vinte minutos com lágrimas nos olhos, fungando, dizendo que sua alma estava pegando fogo por dentro.

Soltei uma risada curta, surpresa com o som dela. De fato deve ter sido algo muito engraçado e eu queria me lembrar agora.

— E você fez o quê?

— Comi igual. Não podia deixar você perder sozinha. Nós dois saímos de lá com as bocas em chamas, tomando água gelada no bebedouro da praça como dois adolescentes idiotas.

Rimos juntos. E, por um instante, algo em mim se aqueceu, como se aquela lembrança fosse minha também, mesmo que a mente ainda não confirmasse. Eu queria lembrar, deveria lembrar, é a minha vida.

— Acho que gosto da versão de mim que encara pimentas tailandesas por orgulho.

— Eu amo todas as suas versões, Naira. — Brandon confessou, baixinho.

E naquele pequeno silêncio que se seguiu, a única coisa que doía... era não me lembrar de como era amá-lo de volta. Não sei como é o gosto do seu beijo, o calor do seu abraço… só agora minha ficha caiu. Vou receber alta do hospital e terei que ir para casa com ele.

Não sei se estou pronta para ficar na mesma cama, no mesmo quarto. Será que o Brandon vai aceitar me dar uns dias? Tudo ainda é muito novo para mim, esse relacionamento, essa vida… quem eu sou.

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