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Capítulo 8 – A Trégua e o Terremoto

O barro da ladeira secava sob o sol das nove da manhã, e as cores das casas pareciam sorrir de novo.

No alto do morro, a ONG “Raízes do Morro” já não era só um projeto.

Virou refúgio. Virou fôlego. Virou nome falado até no pé da serra, onde antes só ecoava silêncio e abandono.

Ali, entre muros grafitados e janelas abertas, a vida acontecia.

Theo ainda se surpreendia. Vindo da “missão”, esperava um cenário de medo, tensão, guerra.

Mas o que encontrou foi resistência viva, colorida, pulsando no compasso das crianças correndo, das mães na fila com panelões de alumínio, e dos adolescentes criando arte na lateral da quadra.

E no centro de tudo… Isis.

Caderno de anotações enfiado debaixo do braço, camiseta colada no corpo, e aquela pose de quem manda com amor, mas não aceita desaforo.

— “A gente vai pintar os muros da ONG com os nomes das mulheres que criaram esse morro.” — ela disse, no meio da roda de conversa.

Theo ouviu, de longe, e sentiu o peito apertar.

Ele dava aula.

Ela dava propósito.

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— “E aí, minha rainha do caos!” — gritou Barril, invadindo o portão com o mesmo fôlego de sempre, sorriso torto e dentes desalinhados.

— “Respeita, Barril, a mulher tá em modo presidenta hoje.” — zombou Doquinha, apoiando o facão na cintura mais por estilo que por ameaça.

— “Cês vão trabalhar ou só bater boca aqui?” — disse Isis, fingindo impaciência, mas com aquele riso escondido no canto da boca.

Eles riram. Sempre riam.

Era isso que fazia deles os xodós do pedaço — homens armados com alma de criança.

O povo temia, mas amava.

Porque Barril carregava bala na cintura e pirulito no bolso.

E Doquinha, se matava quando precisava… também tocava flauta pras crianças à noite.

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Mais tarde, dentro da sala de equipamentos da ONG, Theo dobrava coletes de treino quando ouviu a porta abrir.

Isis entrou.

Sem cerimônia. Fez isso como quem já sabia que o espaço era dela — porque tudo ali era.

— “Preciso de você.” — disse, direta.

— “Pra quê?”

— “Vamos organizar uma festa.”

Theo franziu a testa.

— “Festa?”

— “Três dias. ‘Morro em Festa’. Música, comida, rodas de conversa, campeonato de boxe, desfile das crianças… O povo precisa lembrar que ainda tem motivo pra sorrir. E você… vai ficar responsável pelo campeonato.”

Theo deu um sorriso torto.

— “Tá me colocando pra trabalhar, hein.”

— “Você disse que queria fazer parte.”

Ele assentiu. Devagar.

Mas o que prendeu mesmo não foi o pedido.

Foi o olhar dela.

Dois segundos a mais. Um silêncio cheio de coisas que ainda não tinham nome.

Dentro dele, algo coçava.

Algo que queria ficar. Mesmo sem poder.

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No fim da tarde, na laje, Doquinha e Barril jogavam dominó.

Peças batendo. Cigarro queimando. Olhar no horizonte.

— “Tô dizendo, Barril… esse professor novo. Cês não acham ele certinho demais?”

Barril bufou.

— “Tu desconfia até do cachorro da padaria.”

— “Mas esse aí... tem coisa. O Zóio sumiu depois de discutir com a Isis. E agora esse professor tá onde? No meio.”

Barril parou. Pensou.

— “A Isis vai resolver. Sempre resolve.”

Silêncio.

O rádio chiou.

— “Base avisando: movimento da facção rival na entrada do complexo. Tão observando.”

Barril ajeitou o boné. O sorriso sumiu.

— “Eles não esperam. Rondam antes da festa até começar.”

Ali, entre fumaça e concreto, os dois sabiam:

A paz era só uma trégua. E trégua… não dura muito.

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No outro dia, enquanto Theo distribuía luvas para os moleques, uma movimentação começou na entrada da ONG.

Barril apareceu ofegante, com a camisa suada e o olhar em alerta.

— “Isis! Gente da favela de baixo tá vindo.”

— “Quem?”

— “Mães. Crianças. Tudo bem vestido… mas com o medo no olho.”

Isis caminhou até o portão.

Lá estavam elas.

Dez, doze mulheres.

Filhos pela mão. Umas de salto, outras de chinelo. Todas com a mesma coisa no olhar: esperança sofrida.

Uma delas se adiantou.

— “Disseram que aqui tem aula, comida… que aqui criança é tratada como gente. A gente pode trazer os nossos?”

Isis olhou pro grupo. Depois pra Barril.

— “Aqui, quem quer crescer, entra. Só não entra quem vem pra atrapalhar.”

E abriu o portão.

Theo, lá de dentro, viu.

Isis com os braços abertos.

As mães entrando com dignidade.

As crianças correndo direto pros brinquedos.

Ele sorriu. Mas… no fundo do peito, a preocupação martelava.

Se aquelas famílias vieram…

É porque o outro lado não dava mais conta.

E onde o Estado some… o perigo ocupa.

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Enquanto isso, Mariana e Zé cochichavam no canto da quadra.

Theo ouviu pedaços:

— “…ela tá se perdendo nesse orgulho. O menino desapareceu...”

— “…ela nem confirmou se foi o Zóio. E se ele for inocente?”

— “…mas se for culpado e ela acobertar… a confiança na ONG vai ruir.”

Ele afastou o olhar. A dúvida sobre Zóio agora era coletiva.

E a pressão… caía sobre Isis.

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À noite, Isis e Theo revisavam o cronograma da festa.

Theo segurava a prancheta, mas não prestava atenção.

O jeito dela com as palavras, a firmeza nas decisões, o brilho discreto no olhar... tudo nela começava a gritar mais alto que sua missão.

Ela falava dos horários, das oficinas, do som que a Formiga ia trazer com DJ da comunidade.

Até que ele interrompeu:

— “Por que você me escolheu pra isso?”

— “Pra organizar o campeonato?”

— “Pra confiar em mim. Eu sou novo aqui. Você nem me conhece.”

Isis largou o papel devagar. Olhou nos olhos dele.

— “Eu confio porque você não tenta ser o que não é. E porque tem gente que nasce pra somar, mesmo sem saber direito como.”

Theo engoliu em seco.

A resposta foi simples.

Mas bateu fundo.

Porque no fundo…

Ele queria ser isso.

Queria somar. Queria ficar.

Mas ele tinha um segredo.

E segredos… sempre cobram conta.

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A.C. Borges

A trégua foi selada. Mas até quando ela vai durar? E o Zóio… será que ele foi mesmo o traidor? Ou tem coisa aí que ninguém sabe ainda? 👀 Conta aqui nos comentários o que você faria no lugar da Isis! E se tá curtindo a história, deixa seu coração e continua acompanhando. Com amor e coragem, A.C. Borges

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