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CAPÍTULO 2 - O homem do ringue

O morro acordava cedo.

E acordava rápido. Era tiro, era samba, era foguetão. A vida ali não dava tempo pra bocejo. Os passarinhos cantavam junto com os estouros secos que riscaram o céu antes do sol nascer. A carga tinha chegado. Todo mundo sabia. E o dia prometia movimento.

Mas naquela manhã, o foco não tava na carga. Estava no Raízes do Morro.

A ONG de Isis — orgulho dela, filha mais ousada do morro — respirava um ar diferente. Tinha uma energia no ar. E o motivo tinha nome: Theo.

O novo professor de boxe.

Na noite anterior, Isis já tinha trocado palavras afiadas com ele. O cara era bonito, sim. Cheio de marra. Mas não era qualquer playboy disfarçado — tinha pegada de quem sabe onde pisa. Só que ela também sabia onde pisava. E sabia farejar coisa errada de longe.

Mesmo com o desconfiômetro ligado, ela tava ali, no pátio, de óculos escuro, short de lycra e regata preta, observando tudo com aquele olhar dela: firme, calculista. Enquanto os moleques jogavam bola de um lado, do outro, os voluntários montavam o ringue.

— Tia Isis, o professor chegou cedo hoje — avisou Léo, um dos adolescentes da ONG, suando com a luva na mão.

Ela chupava uma bala de hortelã e nem levantou a cabeça.

— Que bom. Quem chega cedo mostra que quer alguma coisa.

Mas quando Theo passou por ela e deu aquele sorriso discreto, Isis sentiu o estômago dar uma volta.

Ele usava uma regata branca, a tatuagem do braço mais visível agora, e o cabelo úmido, como se tivesse acabado de tomar banho. Tava bonito. O tipo que fazia estrago. E ela sabia disso.

— Bom dia, Tia Isis — ele disse, com aquele tom de voz rouco que parecia sempre um convite.

Ela tirou os óculos escuros devagar.

— Vai querer estrear o ringue ou só desfilar por ele?

— Só entro se for pra ganhar — ele respondeu, encarando.

— Atrevido... — ela murmurou, baixo, mas o suficiente pra ele ouvir.

Ele sorriu.

A tensão entre os dois já era nítida. Até os adolescentes notaram.

— Ei, bota ele contra o Binho! — gritou um moleque lá do fundo. — Quero ver se é bom mesmo ou só cara de modelo!

Risadas estouraram pelo pátio.

— Vambora então — disse Theo, já puxando a regata pela cabeça e revelando o abdômen trincado.

Houve um breve silêncio. Até o tamborim parou de bater.

Isis mordeu o canto da boca, mas disfarçou com deboche:

— Só não vai sair daqui chorando, viu, professor.

— Chorar? Eu nem comecei a suar.

A roda se abriu. O ringue tava improvisado, mas era sagrado. Isis mesma tinha ajudado a montar aquilo, com pedaços de lona, madeira e amor próprio. Ali, ninguém era bandido nem santo. Ali, todo mundo era só gente tentando lutar de outro jeito.

E Theo tava prestes a provar quem era.

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Binho era conhecido. Forte, rápido, marrento. Um dos protegidos da ONG, resgatado das ruas antes de se perder de vez no tráfico. Tava treinando há dois anos e se achava o dono do ringue.

— E aí, playboy, pronto pra apanhar? — ele disse, subindo com as luvas já vestidas.

Theo calçou as luvas com calma. Nem respondeu. Só fez sinal com a cabeça.

O sinal foi dado.

No começo, Binho veio com tudo. Direta, jab, cruzado. Tava confiante, achando que o professor era só pose.

Mas bastaram três esquivas rápidas de Theo, um giro no tronco e um contragolpe seco no abdômen, pra plateia gritar:

— Ihhhhhhhhh!

Binho cambaleou.

Theo não sorriu. Não provocou. Só esperou o próximo movimento.

Isis assistia tudo com os braços cruzados, tentando não se deixar envolver. Mas por dentro, tava surpresa. O cara lutava com inteligência. Técnica limpa, respiração certa, foco. Tinha preparo.

E charme. Um charme que irritava.

Depois de dois rounds, Binho já tava sem fôlego.

— Acabou? — Theo perguntou, tirando as luvas. — Ou ainda quer mais?

— Tá de sacanagem... — o moleque respondeu, rindo, enquanto descia do ringue.

Os meninos aplaudiram. Alguns até gritaram:

— Professor é brabo!

— Quero aula com ele!

— Ô Tia Isis, posso treinar amanhã também?

Isis respirou fundo. O que ela menos queria era que esse homem começasse a virar referência ali. E mesmo assim… não conseguia tirar os olhos dele.

Ele desceu do ringue e parou diante dela.

— Aprovado? — ele perguntou, suado, o peito subindo e descendo devagar.

— Ainda tô decidindo — ela respondeu, olhando pra ele como quem analisa uma arma nova.

— Quer testar você mesma?

Ela riu. Um riso curto. Provocador.

— Pode deixar que eu vou te testar, professor. Só não sei se vai ser no ringue.

Os dois ficaram em silêncio por um segundo que pareceu eterno.

Theo segurou o olhar dela até o fim. Depois virou as costas e foi até a torneira improvisada, molhar o rosto.

Isis ainda estava parada no mesmo lugar, com os olhos fixos nele.

E pela primeira vez em muito tempo… ela não conseguiu decifrar um homem.

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Mais tarde, sentada em sua laje, ela anotava coisas no caderno de planos da ONG. Projetos, despesas, listas de alimentos.

Mas a mente fugia.

Fugia pro ringue.

Pro suor dele.

Pro olhar firme.

Pro jeito como a desafiava sem medo.

Aquilo era perigoso. E por isso mesmo… viciante.

Mas ela sabia que todo homem bonito demais escondia alguma coisa.

E Theo escondia muito mais do que um abdômen trincado.

Escondia uma farda.

E um plano.

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