Mundo de ficçãoIniciar sessãoAcordo meio perdida, como se tivesse dormido num lugar que não é meu. Preciso de alguns segundos até lembrar: não é meu apartamento apertado. É o quarto enorme da mansão Lancaster. Silêncio demais. Espaço demais. Tudo demais.
Pego o celular ainda com metade do rosto afundado no travesseiro.
Nenhuma mensagem. Nada da minha mãe.O peito aperta daquele jeito familiar, cansado. Não é surpresa ela sumir. Mesmo assim, dói.
Abro as notificações.
Três mensagens do dono do apartamento. Precisamos do pagamento hoje. Último aviso. Se não houver retorno, vamos prosseguir com o despejo.Meu estômago vira um nó tão forte que quase me dobra.
Claro que tinha que ser hoje. Claro.Sento na cama e esfrego o rosto com força, tentando respirar. Mas a respiração não vem direito. O medo sim.
Levanto e começo a me arrumar como se estivesse atrasada para salvar a própria vida.
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Saio do quarto ajeitando o cabelo e sigo pelo corredor, tentando lembrar o caminho. A casa é tão grande que parece que mudei de universo. Mas o quarto da Aurora fica no fim. Eu reconheço a porta.
Ela está encolhidinha, um pontinho frágil no meio do quarto gigante.
— Bom dia, Aurora…Ela pisca, confusa, até lembrar.
— Isa… — murmura, com aquela voz de sono que desmonta qualquer coisa ruim dentro de mim.A manhã dela é lenta. A minha, não.
Pego no colo. Ajudar no banheiro. Fralda. Cantinho de cabelo bagunçado sendo arrumado.Ela aceita tudo como se já me conhecesse. Como se confiar em mim fosse natural. E isso… me toca.
Quando descemos, Helena aparece. Um bloco de gelo com alma — exceto quando olha para Aurora.
Ela dá instruções enquanto me observa como quem avalia precisão.
O café. A rotina. O que pode. O que não pode. Cada detalhe é uma regra que preciso decorar para não perder o emprego antes do fim do dia.— Ele já está acordado? — escapa da minha boca antes que eu possa controlar.
— Ele sempre acorda antes de todos — diz Helena com uma certeza que quase me arrepia.
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Chegamos à sala de jantar.
Adrian está ali.
Sentado à cabeceira. Impecável. Imóvel. Escuro. Como se o dia só começasse depois que ele decidisse.Aurora corre até ele.
— Papai!E ele muda. O olhar rígido suaviza, só um pouco, quando ela pula no colo dele. É a única cena de calor que vi nessa casa até agora — e é toda dele.
Fico na porta, paralisada, sem coragem de avançar.
Helena me cutuca. — A senhorita toma o café na cozinha.Não discuto.
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A cozinha tem cheiro de café fresco e uma solidão que combina comigo.
Helena me entrega uma caneca. — Vai precisar de energia.Não sei se é um aviso ou uma ameaça.
O dia inteiro corre e arrasta ao mesmo tempo.
Aurora é dependente e doce. Carente e quieta. Segura minha camiseta quando se assusta. Me mostra brinquedos novos demais, intocados demais. Procura o pai sempre que ouve passos.Helena me orienta como se estivesse avaliando cada gesto.
Os seguranças passam como sombras. E a mansão inteira parece observar.À tarde, Adrian aparece. Três minutos.
Três minutos e ele muda o ar do corredor. Fala com Helena, firme, baixo. Não olha para mim. Mas o perfume dele me atravessa como uma linha reta que eu não pedi.Quando a noite chega, dou banho em Aurora, seco o cabelo dela e a coloco na cama. Ela segura meu dedo até quase dormir, e eu fico ali, prendendo o ar, sentindo um tipo silencioso de responsabilidade que nunca tive antes.
Quando saio do quarto e fecho a porta, o corredor parece largo demais. E vazio demais para as coisas que começam a pesar dentro de mim.
O despejo.
Minha mãe. O emprego novo. As regras. Ele.Tudo se mistura até virar uma corda apertada no meio do meu peito.
Eu sei que só tem um caminho.
Mesmo que eu odeie a ideia. Mesmo que doa no orgulho. Mesmo que seja arriscado.Pedir um adiantamento.
Minhas mãos tremem quando paro diante da porta proibida.
O escritório dele.Bato uma vez, quase sem tocar.
O silêncio segura minha respiração por um segundo longo demais.
Então a voz dele quebra o ar.
Profunda.
Controlada. Irresistivelmente baixa.— Entre.







