A funerária era silenciosa, iluminada por lâmpadas amareladas que tornavam tudo mais íntimo. Leonard caminhava devagar, como se cada passo pesasse toneladas.
— O corpo de Ellen havia sido levado para a sala de preparação, e ele segurava o cobertor azul dobrado contra o peito, como quem abraça um pedaço da própria alma.
— Pode deixar tudo comigo — disse ao funcionário, com a voz trêmula. — Ninguém toca na minha esposa. Eu mesmo... vou prepará-la.
Os homens se retiraram, deixando a porta entreaberta. Leonard fechou-a com cuidado. Caminhou até a maca onde Ellen estava deitada, tão pálida quanto a luz que caía sobre ela.
Ele aproximou-se, tocando a testa fria dela com suavidade.
— Amor... eu cheguei, meu bem — murmurou. — Me desculpe por ter demorado. Eu estou aqui.
Os olhos dele se encheram de lágrimas. Ele passou a ponta dos dedos sobre o rosto dela, contornando o desenho que conhecia de cor.
— Você sempre dizia que não queria estranhos tocando em você... nem quando estivesse velha. — Um soluço escapou. — Eu não vou permitir agora.
Ele preparou uma bacia com água morna e sabonete suave — o mesmo que ela usava em casa. Molhou a toalha e começou a limpá-la com carinho, falando enquanto fazia cada gesto, como se ela estivesse viva.
— Você lembra, Ellen...? — sussurrou. — No dia do nosso casamento, você me disse que era o dia mais feliz da sua vida. Eu achei que fosse brincadeira, mas... quando você sorriu entrando pela porta da igreja... eu entendi. Era verdade.
Lavou os braços dela, depois as mãos, enxugando cada dedo com cuidado.
— Quando você disse que estava grávida da Sophie... eu chorei escondido... Você sempre dizia que eu era forte demais pra chorar. Mas você me desmontava, amor. Você sempre me desmontou.
Leonard lavou o rosto dela, as costas, as pernas. Secou o corpo delicadamente, como quem cuida de um bebê. Depois pegou o par de meias quentes.
— Você odiava pés frios... — murmurou, deslizando as meias nos pés sem vida. — Disse que no céu queria andar descalça. Mas aqui... você não vai sentir frio. Não enquanto eu estiver com você.
Ele abriu a caixa onde Mateo deixara o vestido de noiva. Quando viu o tecido branco, os bordados, o véu que Ellen segurou com as duas mãos no altar, Leonard se ajoelhou, vencido por uma onda de choro.
— Eu não merecia você, Ellen... — murmurou. — Mas você, mesmo assim, me escolheu. Me deu a Sophie... Me deu um lar.
Com cuidado cerimonial, ele vestiu o corpo dela. Passou o vestido pelos braços, ajeitou o tecido contra o peito, fechou os botões nas costas, alisou a renda sobre a cintura. Depois pegou os sapatos de cetim branco.
— Os mesmos que você usou para caminhar até mim... — disse, enquanto calçava os pés dela. — Lembra como você tremia? E eu disse que seria sua casa pra sempre?
Pegou o pente de madeira que Ellen adorava. Sentou perto da cabeça dela e penteou os cabelos longos, separando as mechas com carinho.
— Você sempre reclamava que eu penteava com força... — sorriu triste. — Mas agora... olha só... eu consigo ser delicado.
Passou um brilho labial rosado nos lábios dela.
— Você dizia que gostava desse... porque parecia que tinha acabado de me beijar — sussurrou, a voz embargada.
Por fim, pegou o buquê de lírios brancos.
— Suas flores favoritas, amor. Você dizia que elas eram a prova de que a pureza existia. — Ele colocou o buquê sobre o colo dela. — Nada era mais puro que você.
Depois, levantou o véu e cobriu o rosto dela com a mesma honra que um noivo coloca sobre a noiva.
— Até o nosso reencontro, meu amor. — A mão dele tremia. — Eu ainda não sei como viver sem você… mas eu vou tentar. Pela nossa pequena. Ela precisa de mim.
Ele respirou fundo, completamente destruído.
— Eu mesmo vou colocá-la na urna... quando chegar a hora. Eu prometi que estaria com você em tudo. E vou cumprir.
Saiu da sala, segurando o cobertor azul com firmeza.
— Levem-na para o salão — ordenou, com a voz fraca. — Ela será velada por setenta e duas horas. Como pediu.
Os funcionários obedeceram. Quando terminou, Mateo e o motorista o levaram para casa.
NA MANSÃO SALAZAR – RETORNO AO LAR
A governanta Lúcy, estava sentada no sofá com Sophie no colo. — A bebê mamava uma mamadeira, alheia ao mundo que acabara de ruir.
Quando viu o pai, Sophie estendeu as mãozinhas. Leonard caiu de joelhos diante da filha, puxando-a para o peito, chorando silenciosamente.
— Minha menina... — sussurrou, a voz partida. — Sua mamãe se foi... Ela nos deixou, meu amor. — Ele afundou o rosto no pescoço da bebê. — Mas eu vou cuidar de você. Pela sua mãe. Pelo nosso amor.
Sophie tocou o rosto dele com a mãozinha pequena, como se entendesse a dor.
Leonard a abraçou mais forte, sentindo o peso do mundo cair sobre seus ombros — e, ao mesmo tempo, encontrando naquele pequeno corpo o único motivo para seguir respirando.