O Orfanato
Nunca esquecerei aquela manhã. O sol ainda mal havia nascido quando a viatura parou diante da casa, trazendo consigo o destino que eu não tinha forças para impedir. O barulho do motor ecoou no silêncio dos corredores, e as meninas, já vestidas às pressas, desceram de mãos dadas. Charlotte segurava a pequena Emily como se fosse sua própria mãe. O olhar sério demais para uma criança de sete anos me partia em pedaços. Emily chorava sem parar, soluçando, chamando pela mãe em um lamento que atravessava qualquer coração. — Eu quero a mamãe… eu quero o papai… — repetia, os bracinhos agarrados ao pescoço da irmã. Meu peito doía tanto que eu mal conseguia respirar. Eu queria dizer que tudo ficaria bem, mas não ficaria. Eu queria prometer que logo veriam os pais de novo, mas seria uma mentira cruel. Então, em silêncio, acompanhei os passos miúdos delas até a porta. Vi quando as levaram. Charlotte caminhava firme, sem derramar uma lágrima. Mas eu via o tremor em seus dedos, a força descomunal que fazia para não chorar. Sua outra mão acariciava as costas da irmã, como se fosse capaz de apagar a dor com carinho. Emily, por sua vez, não conseguia se conter: chorava, chamava, esperneava, e cada soluço dela arrancava um pedaço do meu coração. Entreguei ao orfanato as caixas que havia guardado com tanto zelo. Fotografias, álbuns de família, certidões, pequenos registros de infância, o vestido de batizado, as gravações de aniversário. Eu não podia deixá-las sem lembranças dos pais. Não podia permitir que a memória de Edmund e Margaret fosse apagada tão cruelmente como suas vidas foram ceifadas. Foi então que a conheci. Grace Thompson. A assistente social chegou com passos firmes, mas olhos marejados. Ela não era como os outros, frios e burocráticos. Havia nela algo diferente, uma humanidade rara. Ela se aproximou de mim, pegou as caixas com cuidado, como se carregasse um tesouro, e me olhou nos olhos. — Eu não vou deixar que essa pequena seja esquecida. — Sua voz tremia, mas havia convicção. Emily chorava tanto pela mãe que Grace não resistiu. Ajoelhou-se diante dela, abriu os braços e deixou que a pequena se enroscasse em seu colo, soluçando. Foi um momento que me dilacerou e ao mesmo tempo me deu esperança. Grace acariciava os cabelos da menina, murmurando palavras de consolo que talvez ela nem entendesse, mas que lhe davam um pouco de calma. Naquele instante, vi algo nascer: um vínculo silencioso, inevitável. Grace pediu para adotá-la. Não com a pressa dos papéis, mas com a urgência do coração. E eu soube, no fundo da minha alma, que Edmund e Margaret estariam em paz se vissem aquela mulher levando a caçula consigo. Charlotte ficou para trás. Seus olhos não piscavam, duros, quase desafiadores, como se gritassem em silêncio: eu não vou chorar na frente de vocês. Madura demais para seus sete anos, ela compreendia o que acontecia de uma forma que nenhuma criança deveria compreender. Quando as portas do carro fecharam e Emily foi levada nos braços de Grace, Charlotte permaneceu imóvel, os olhos fixos no chão. Só depois, quando não havia mais ninguém olhando, vi uma única lágrima escorrer por sua face. E essa lágrima me destruiu. Naquele dia, pensei: Que Deus tenha piedade dessas duas meninas. Porque eu sabia que o mundo não teria. O carro que levava Emily partiu devagar, como se a própria máquina tivesse consciência do peso que carregava. Vi as lanternas traseiras desaparecerem na curva, e senti como se parte do meu coração tivesse ido junto. Meus olhos voltaram para Charlotte, parada diante dos degraus da entrada do orfanato, pequena e imensa ao mesmo tempo. Ela não chorava. Não pedia nada. Apenas segurava com força o urso de pelúcia que a mãe costurou à mão e que agora parecia sua única âncora no mundo. Emily sempre chorava por fora, mas Charlotte chorava por dentro. E isso era ainda mais devastador.