####O ORFANATO

A entrada do orfanato me pareceu uma sentença. Portões altos de ferro, paredes descascadas, janelas cobertas por cortinas pesadas. O prédio tinha um cheiro agridoce de desinfetante misturado a sopa requentada, e aquele ar frio de instituição que nunca será lar.

Ao atravessarmos os portões, outras crianças vieram espiar. Algumas, curiosas. Outras, indiferentes, como se já tivessem visto aquele espetáculo antes. Vi nos olhos delas a mesma dor que agora sangrava nas minhas meninas: a ausência de braços conhecidos, a solidão que não tem cura.

Charlotte não desviou o olhar. Ergueu o queixo como uma adulta, embora suas mãozinhas tremessem. Emily, já levada por Grace para outra ala, chorava ainda mais alto, a cada passo como se fosse arrancada de dentro de si mesma.

Eu entreguei as caixas à administração do orfanato. Meu corpo inteiro gritava contra aquilo, mas minhas mãos não tinham força para impedir. Coloquei sobre a mesa as lembranças mais preciosas: os álbuns com as primeiras festas, as gravações das risadas, os registros do casamento de Edmund e Margaret, as certidões, as joias de família que Margaret guardava com tanto zelo.

Olhei fixo para a mulher que preenchia formulários atrás da mesa.

— Eu não posso deixá-las sem isso — minha voz saiu firme, ainda que embargada. — São as raízes delas. Tudo o que resta.

Ela apenas assentiu, burocrática, como se fosse apenas mais um inventário. Mas Grace… Grace estava lá, com os olhos marejados. Ela pousou as mãos sobre as caixas e disse, olhando para mim:

— Eu prometo que elas não serão esquecidas.

Foi como uma prece. E naquele momento, eu quis acreditar.

Emily, nos braços de Grace, soluçava tanto que mal conseguia respirar. Cada “mamãe” que saía de sua boca era um punhal. Grace a embalava, passava a mão pelos cabelos finos, murmurava palavras que ninguém ouvia, mas que a menina parecia reconhecer como cuidado.

— Eu quero minha mãe! — Emily gritou, desesperada, quando alguém tentou tirá-la do colo de Grace para os trâmites de entrada. — Não! Eu quero a mamãe!

A cena foi tão dolorosa que até os mais endurecidos na instituição desviaram o olhar. Grace não resistiu:

— Deixe comigo — disse, firme. — Eu vou ficar com ela.

Aquelas palavras, ditas ali, soaram como um decreto. Grace não era apenas uma agente social cumprindo ordens. Ela era mulher, humana, coração diante do sofrimento. Eu sabia: ela já havia escolhido. Emily tinha encontrado nela um porto.

E Charlotte… Charlotte ficou para trás. Seus olhos seguiram a irmã sendo levada, e por um segundo pensei que ela fosse correr, gritar, se jogar no chão. Mas não. Ela apenas apertou mais o urso contra o peito e fechou os lábios com força.

Quando me aproximei dela, seus olhos encontraram os meus. Havia uma acusação silenciosa neles. Não contra mim, mas contra o mundo inteiro.

— Eles disseram que iam voltar — ela murmurou, quase sem som.

Senti as pernas fraquejarem.

— Eu sei, minha querida. Eu sei.

Mas não havia promessa que pudesse curar aquela ferida.

As horas dentro do orfanato se arrastaram como séculos. Preencheram-se papéis, assinaram-se termos, fizeram-se relatórios. Eu assistia tudo como quem está fora do próprio corpo. Cada carimbo parecia apagar mais um traço da vida que aquelas crianças conheciam.

Emily não soltava Grace. Charlotte não soltava o urso. E eu não soltava o fio de esperança que me restava: o de que Deus, em sua infinita misericórdia, olharia por aquelas meninas.

Quando a noite caiu, eu já não sabia onde terminava o dia nem onde começava o luto. Antes de partir, me curvei diante de Charlotte. Segurei seus ombros finos e beijei sua testa. Ela não chorou. Apenas me olhou com uma maturidade que nenhuma criança deveria carregar.

— Você vai cuidar da Emily? — perguntou, quase num sussurro.

— Vou — respondi, mesmo sabendo que a vida poderia me impedir de cumprir. — E nunca vou deixar vocês sem lembranças dos seus pais.

Ela assentiu, mas o brilho em seus olhos me dizia que, no fundo, já não acreditava em promessas.

Enquanto me afastava, ouvi o choro de Emily ecoando pelos corredores, seguido pela voz de Grace tentando consolá-la. Fechei os olhos e pensei: Margaret, Edmund… estejam em paz. Eu cuidarei para que elas não sejam esquecidas.

Mas, sozinha no frio da noite, meu coração sabia: o mundo tinha sido injusto demais com duas meninas inocentes.

E então rezei, baixinho:

Que Deus tenha piedade dessas duas meninas.

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