Clara tinha acabado de colocar a lasanha do jantar no forno. Passaria o fim de semana com Maurício, mas ele precisaria trabalhar no dia seguinte. Ainda estava distraída na cozinha pensando nisso, mal percebeu quando a mão dele surgiu diante de seus olhos segurando uma moeda. Ele se inclinou , a segurou pela cintura e sussurrou em seu ouvido: — Um real pelos seus pensamentos. Ela pegou a moeda e guardou no bolso. — Promete que não vai rir? — Você sabe que eu sou muito sério… — respondeu, com um meio sorriso. Clara falou baixo, sem muita confiança: — Eu estava pensando em começar uma faculdade… — Que legal, gata. Qual curso? — Ainda não sei. Quando trabalhava na casa de seu pai, Pensei em algo na área da saúde, mas estou em dúvida. Maurício se encostou no balcão, pensativo, até ser interrompido por ela: — Que foi? Vai fazer piadinha, né? — Não. Estou tentando pensar num curso que combinaria com você… mas é difícil. — Ah, lá vem… — Não estou brincando, Clara. Falo sério. Ac

Henrique acordou aflito. Sabia que se tratava de Maurício, mas ainda não queria falar com ele. A raiva já havia passado, mas o orgulho ferido ainda cicatrizava.Tentou ocupar a mente: treinou, revisou processos, mas ao anoitecer a angústia só piorou. Não conseguia comer, andava de um lado para o outro, e mesmo tentando se distrair, não focava em nada. O relógio da sala marcava cada segundo como um martelo em sua cabeça.Resolveu sair para correr. Correu até o corpo cansar e a cabeça, por alguns minutos, pensar menos. Aquele a princípio era o único objetivo. A noite estava quente, o ar pesado grudava na pele, e o som ritmado dos tênis no asfalto era a única coisa que o mantinha ancorado.De volta em casa, tomou banho e pensou em preparar algo. Já era tarde, mas ainda dava para improvisar alguma refeição. Foi então que a angústia voltou, mais forte. A vontade de chorar o pegou de surpresa. De repente, uma urgência o dominou: precisava ver o irmão. As lágrimas vieram sem controle, junto

A sala de espera estava mergulhada em um silêncio pesado, interrompido apenas pelo zumbido contínuo da iluminação fluorescente. O ar carregava um cheiro misto de desinfetante e café frio, lembrança de uma madrugada que já se estendia além do esperado. Dona Isadora entrou, os sapatos ecoando no chão frio. Não olhou para Clara. Henrique se acomodou ao lado da mãe, percebendo que naquele instante, ela finalmente foi informada que Clara e Maurício estavam juntos. O desprezo no olhar dela era palpável, quase sufocante. Clara não se importou. Seu coração estava preso à imagem de Maurício, e cada segundo de espera aumentava a ansiedade. Alexandre e Tatiane estavam ao seu lado, compartilhando um silêncio carregado de tensão. O relógio na parede parecia zombar deles, cada tique-taque lembrando que o tempo estava longe de curar a urgência que sentiam. O médico finalmente apareceu. A voz dele cortou o ar como um bisturi: — Familiares de Maurício Muniz Nogueira? Todos se levantaram,

Maurício começou a retomar a consciência aos poucos. Primeiro vieram os cheiros, depois um gosto de água em sua boca. Ele bebeu, mas não tinha forças para abrir os olhos. O som dos monitores ao redor lhe parecia distante, como se estivesse preso entre o sonho e a realidade. Isso se repetiu algumas vezes até que, depois de um tempo, que não sabia medir, conseguiu finalmente abrir os olhos. Viu uma figura feminina à sua frente. Achou que fosse Clara, mas era apenas uma enfermeira. Dessa vez, conseguiu ficar desperto por alguns minutos. Ouviu então uma música. Não sabia se era sonho ou se alguém ouvia em um fone alto demais. Reconheceu a melodia: Dreams, do Fleetwood Mac. Na vez seguinte em que despertou, havia dois enfermeiros no quarto. Com eles estava uma mulher baixinha que se apresentou, mas ele não entendeu o nome. Era uma fonoaudióloga. Ela lhe fez algumas perguntas e quando respondeu com a garganta ainda dolorida e a voz áspera, os enfermeiros o colocaram em uma maca e o

Após a saída de Clara, Maurício permaneceu imóvel, como se o corpo tivesse se transformado em pedra. O travesseiro parecia afundar sob o peso de pensamentos pesados demais. Não tinha ânimo nem para se virar de lado. O prato do almoço e depois o do jantar repousaram intactos na mesa de apoio até serem levados. Recusou o atendimento do psicólogo, a ajuda para o banho, qualquer tentativa de aproximação. Até a respiração lhe parecia esforço desnecessário. Era como se a realidade tivesse batido forte demais, esmagando sua vontade de existir. Fingir-se de morto parecia mais fácil do que encarar o que havia perdido. A noite se arrastou em silêncio. O quarto respirava junto com as máquinas, o bip ritmado da monitorização, o arrastar distante de sapatos pelo corredor. Maurício, desperto, tinha a mente em turbilhão: flashes da explosão, da dor. Mas, logo depois, vinha o nada. Um vazio de ideias, como um buraco negro sugando até o pensamento. Medo, ansiedade, dor de cabeça, tudo se mistura