Mundo de ficçãoIniciar sessãoAmara
Depois do que aconteceu com Jaqueline, eu nunca mais tive paz. Era como se uma sombra estivesse constantemente nos seguindo. No trabalho, na faculdade, até em casa — sempre aquela sensação inquietante de estar sendo observada. Às vezes, eu virava repentinamente, achando ver alguém atrás de nós, mas nunca havia ninguém. Apenas o vazio. Mas meu instinto gritava que aquilo não era paranoia.
João e eu nos encontramos uma ou duas vezes na semana. Ele estava atolado de matérias para estudar, e eu também. Ainda assim, ele insistia para que eu fosse para o apartamento dele nas noites de sexta. Mas naquela semana, algo me dizia para não ir.
— Prefiro voltar com a Jaqueline — falei com firmeza, recusando o convite.
Ele não gostou da minha decisão. Bateu a porta do carro e foi embora sem nem me olhar. Estava visivelmente irritado. Mas eu não me importei. Jaqueline ainda estava abalada, e eu não queria deixá-la sozinha.
Pegamos um carro de aplicativo. Já passava das onze da noite, mas como era sexta-feira, as ruas ainda estavam bem movimentadas. Bares cheios, jovens rindo nas calçadas, música escapando das janelas dos carros.
O motorista nos deixou em frente ao prédio. Descemos distraídas, conversando sobre o que faríamos no fim de semana. Caminhamos até a entrada.
— Você devia ter ido com o João — disse Jaqueline, tentando soar casual.
— De jeito nenhum. Não deixaria minha amiga sozinha. Você sempre esteve comigo nos piores momentos — respondi, entrelaçando meu braço no dela.
Ela sorriu, mas era um sorriso triste, cansado. Subimos tranquilamente até o terceiro andar, onde ficava nosso apartamento.
Mas assim que abrimos a porta, algo estava errado.
Muito errado.
O lugar estava completamente escuro.
— Ué… deixamos uma luz acesa, não deixamos? — perguntei, mais para mim mesma do que para Jaqueline.
Estiquei a mão até o interruptor. Nada. Nenhum clique. Nenhuma resposta. A energia parecia ter sido cortada.
O silêncio era pesado. Sufocante.
Tirei o celular do bolso para usar a lanterna, mas antes que pudesse acender a luz, braços fortes me agarraram com brutalidade.
— MARA! — gritou Jaqueline atrás de mim, e logo depois também foi silenciada por um grito abafado.
Comecei a me debater, tentando soltar meus braços, mas o agressor era muito mais forte. Um pano foi pressionado contra meu rosto. Um cheiro adocicado e enjoativo invadiu minhas narinas.
Clorofórmio? Não... não!
Meus pensamentos começaram a embaralhar. O coração batia descompassado, a adrenalina tentava me manter acordada, mas meus músculos já estavam falhando.
A última coisa que vi antes da escuridão me engolir foi a lanterna do meu celular caindo no chão e rolando para longe, iluminando por um segundo o reflexo metálico... de uma faca.
Os homens estranhos levaram as duas moças desacordadas pelos corredores silenciosos do prédio. Jaqueline e Mara estavam apagadas, inertes como bonecas de pano. O elevador foi evitado — desceram pelas escadas, rapidamente, sem chamar atenção.
Do lado de fora, um carro preto os esperava com o motor ligado.
Eles colocaram os corpos no porta-malas com a frieza de quem está acostumado com esse tipo de coisa.
O trajeto até o aeroporto foi silencioso. Os homens não conversavam, apenas ouviam o som grave do motor enquanto observavam as ruas passarem como borrões. A cidade dormia, inocente, sem saber que mais duas garotas estavam sendo engolidas por um mundo cruel.
No terminal de cargas de um aeroporto afastado, escondido entre depósitos e galpões, um avião antigo aguardava. A fuselagem estava suja, desgastada, sem qualquer identificação visível. Não era um voo comercial. Aquilo ali era outra coisa.
No interior da aeronave, o cenário era aterrorizante.
Garotas. Várias delas. Sentadas no chão, amarradas, algumas com os olhos vendados, outras apenas imóveis, paralisadas pelo medo. Choravam em silêncio. O cheiro de suor, urina e desespero impregnava o ar abafado.
Quando os homens entraram com mais duas inconscientes, ninguém disse nada. As garotas apenas se encolheram ainda mais. Sabiam que, se mostrassem reação, poderiam ser as próximas a desaparecer.
— Essas duas são especiais — murmurou um dos sequestradores, jogando Mara e Jaqueline no chão metálico com violência.
— A morena vai para o comprador do leste europeu. Já está tudo certo. A loira... talvez sirva para os testes.
— Que tipo de testes?
— Você sabe... aqueles do laboratório. Aqueles que eles chamam de “recrutamento genético”.
O outro apenas assentiu, evitando olhar nos olhos das prisioneiras. Mesmo para monstros, aquilo tudo ainda causava calafrios.
As portas do avião começaram a se fechar com um estrondo seco. Dentro, o barulho dos motores aumentando era engolido pelos soluços abafados.
Mara começou a se mexer. Seus olhos se abriram lentamente. A visão turva. A cabeça latejando. O corpo pesado.
Ela tentou se sentar, mas seus braços estavam amarrados. Quando percebeu onde estava, o terror cresceu de forma sufocante.
Ao seu lado, Jaqueline também começava a recobrar a consciência.
— O... onde... a gente tá...? — sussurrou ela, com a voz fraca e trêmula.
Mara não conseguiu responder. Seus olhos percorriam o ambiente, buscando desesperadamente uma explicação, uma saída. Mas tudo o que viu foram grades, rostos assustados e homens armados observando a todos como se fossem gado.
E então ela entendeu.
Aquele avião não era só um transporte.
Era uma sentença.
O destino? Desconhecido.
Mas uma coisa era certa: estavam sendo levadas para um lugar onde a dor e o medo seriam rotina.
Um lugar que não era deste mundo.
Um lugar... quase como o próprio inferno.







