Amara
Era domingo, e Mara estava jogada no sofá, assistindo a uma série na N*****x, quando Jaqueline saiu do quarto toda arrumada.
— Vou me encontrar com um cara que conheci na internet — disse, ajeitando os cabelos diante do espelho da sala.
— Você tá louca? Vai sair com um desconhecido? Jaqueline, quantas vezes a gente vê casos no jornal de moças que são mortas por caras assim? — disse Mara, preocupada.
— Para de ser dramática. Vou me encontrar com ele em um lugar público, e, além disso, ele nem tem cara de assassino — respondeu Jaqueline, já irritada, encerrando a conversa e saindo pela porta.
Mara permaneceu assistindo à sua série. Estava exausta, e na segunda-feira teria que acordar cedo para o trabalho. Desde a ligação da sua mãe no sábado, andava inquieta. Não sabia ao certo qual era a real situação da sua família no sítio, e talvez fosse melhor voltar para ver com os próprios olhos. Mas precisaria de alguns dias, pois a viagem era longa, e não sabia se seu chefe permitiria uma ausência de uma semana.
Essas dúvidas martelavam em sua mente e impediram qualquer tentativa de dormir. Já passava da meia-noite, e Jaqueline ainda não havia voltado para casa.
Foi então que o celular de Mara tocou. O nome de Jaqueline apareceu na tela.
— Oi, Jaqueline? O que aconteceu? — Mara perguntou, ainda sonolenta.
— Mara... me ajuda... eu não sei onde estou... por favor — a voz de Jaqueline soava fraca e desorientada. Era difícil entender o que ela dizia.
— Jaqueline, onde você está? Me diz onde está que eu vou agora mesmo te buscar!
— Estou no banheiro da casa noturna que você costuma ir com o João... por favor, estou escondida — disse Jaqueline antes de encerrar a ligação.
Mara não pensou duas vezes. Vestiu-se às pressas, pegou a bolsa e, no fundo dela, colocou sua arma de choque. Chamou um táxi e seguiu direto para a boate.
Ela era conhecida naquele lugar — sempre frequentava com João. Mas naquela noite, passou direto sem cumprimentar o barman e foi direto para o banheiro feminino.
Dois homens estavam parados na porta com expressões suspeitas. Mara apenas pediu licença e entrou, ignorando a presença deles.
O banheiro parecia vazio, mas ao caminhar até a última cabine, encontrou Jaqueline sentada no vaso sanitário, tremendo e chorando.
Mara a abraçou e tentou acalmá-la, conduzindo-a para fora. Mas antes que conseguissem sair, os dois homens mal-encarados entraram.
Mara manteve-se firme diante dos homens, sentindo o coração disparar, mas segurando a expressão determinada.
— Se tocarem nela, vão se arrepender — disse, com a voz baixa e firme, enquanto encaixava a mão na bolsa, sentindo o peso da arma de choque.
Um deles deu um passo à frente, mas hesitou ao ver o olhar decidido de Mara. O outro, mais nervoso, lançou um sorriso torto.
— Olha só, temos uma valente aqui. Por que não esquecem isso e vão embora? — provocou.
Ignorando a ameaça, Mara puxou Jaqueline para trás de si.
— Eu não vou sair daqui sem ela. Agora abram caminho — disse, aumentando o tom.
Mara, acostumada a lidar com valentões daquele tipo, não hesitou. Pegou sua arma de choque da bolsa e, antes que eles entendessem o que estava acontecendo, estavam os dois caídos no chão, desacordados.
Levou Jaqueline de volta para o apartamento. Queria brigar, gritar, dizer que estava certa desde o começo... mas ao ver a amiga tão vulnerável, preferiu o silêncio.
Na manhã seguinte, quando acordaram para ir trabalhar, Jaqueline estava um pouco melhor, mas seus olhos inchados e o rosto abatido revelavam a noite difícil.
Mara fez uma maquiagem leve para ajudar a disfarçar. Enquanto servia café, perguntou com suavidade:
— Agora você pode me contar o que aconteceu?
— Você tinha razão... aquele cara era perigoso. Colocou alguma coisa na minha bebida. Quando percebi, corri para o banheiro e comecei a vomitar... — Jaqueline falava com a voz fraca, os olhos ainda assustados. — Ele não estava sozinho. Havia mais dois com ele. Acho que iam me matar... talvez fossem traficantes ou... ladrões de órgãos.
— Ainda bem que você foi esperta e conseguiu fugir. A maioria das garotas não tem a mesma sorte — disse Mara com um olhar sombrio.
Mara sentiu um calafrio ao ouvir as palavras da amiga, um misto de raiva e impotência. Sentou-se ao lado de Jaqueline, segurando sua mão por alguns instantes. Prometeu, em silêncio, que nada daquilo se repetiria.
— Você não precisa se culpar — disse, suavemente. — De agora em diante, a gente cuida uma da outra, combinado?
Jaqueline assentiu, enxugando uma lágrima discreta. Ficaram ali, tomando café em silêncio, até que o relógio indicou a hora de se arrumarem para sair. No caminho até o trabalho, Mara mantinha os olhos atentos ao redor, observando cada movimento estranho na rua.
As duas seguiram para o escritório onde trabalhavam. Jaqueline ainda estava com medo. Qualquer carro que passasse devagar por perto a fazia tremer inteira.
Mara ficou ao lado dela o tempo todo, tentando transmitir segurança.
Mas, enquanto voltavam para casa depois de um dia cansativo, um carro preto observava as duas de longe.
— Chefe, vai pegar a ruiva? — perguntou um dos homens no banco do passageiro.
— Não agora. Eu quero a morena. Ela se encaixa no perfil que foi pedido. Vamos ganhar muito dinheiro com aquela garota — respondeu o homem do banco de trás, com um olhar cruel.
— Mas eu gostei da ruiva... posso ficar com ela?
— Não. Isso pode nos comprometer. Essas garotas são apenas mercadoria. Não se envolva com nenhuma delas. Apenas observe os passos delas até acharmos o momento certo. Podemos levar as duas, mas a morena... já tem um comprador especial.
O olhar sombrio do homem revelava um plano sinistro.
Mara e Jaqueline entraram no apartamento, sem sequer imaginar que estavam sendo observadas.
Seguiam suas rotinas — trabalho, faculdade, preocupações comuns — sem saber que estavam prestes a entrar em um mundo obscuro, cheio de perigos e criaturas que elas nem imaginavam que existiam.
Lá dentro, o silêncio parecia pesar mais do que nunca. Mara trancou a porta com firmeza, conferindo duas vezes as trancas, enquanto Jaqueline caminhava vagarosamente até o sofá e se encolhia, trazendo os joelhos ao peito. O medo era um animal faminto, rondando o apartamento, invisível, mas presente em cada suspiro.
— Você acha que ainda estamos em perigo? — Jaqueline perguntou, num fio de voz, sem conseguir encarar a amiga.
Mara hesitou antes de responder, escolhendo as palavras como quem pisa em vidro. — Não sei, Jaque. Mas vou fazer de tudo para que nada aconteça com a gente.
O celular de Mara vibrou. Uma mensagem anônima, sem identificação. "Cuidado com que andam." O sangue de Mara gelou. Ela olhou para Jaqueline, que percebeu a tensão imediata no rosto da amiga.
Sem mostrar a mensagem, Mara tentou sorrir, mas sua voz saia trêmula: — Vamos tomar um banho, comer alguma coisa. Tentar descansar, certo?
Mas, do lado de fora, o carro preto ainda estava estacionado, faróis apagados, esperando pacientemente que a noite dessa passagem ao medo.