Eu entrei no salão da festa que Ícaro Marques havia organizado para o meu aniversário. Sentada na cadeira de rodas, avancei em silêncio. E o ambiente, até então cheio de risos, se calou assim que me viu. Todos ali tinham seus próprios interesses. Celebrar meu aniversário não era um deles. — Aquela é a noiva aleijada do Sr. Ícaro, né? — Sim. Mas quem ele ama de verdade é a Ana. Eu vi os dois se beijando agora há pouco. Elas riram por trás das taças, acreditando que eu ainda era a surda impotente de antes. Só que o que ninguém sabia era que, uma semana antes, eu já havia recuperado a audição. E ouvi tudo. Ícaro estava ao lado. Escutou as provocações e não disse nada. Ele havia esquecido. Esquecido que eu me joguei na frente do carro por ele. Que fui eu quem o salvou. Que enquanto meu corpo era esmagado sob as rodas, ele ficou ileso. Quando me tiraram da morte, ele jurou que cuidaria de mim para sempre. Três anos depois, eu era apenas um peso. Então meu celular vibrou. [Srta. Isadora, sua réplica corporal está pronta. Caso confirme, ativaremos imediatamente o protocolo de falsa morte. A entrega ocorrerá no casamento em cinco dias.] Eu confirmei. Sem hesitar. Ícaro, que você tenha um casamento memorável.
Ler maisÍcaro ficou sete dias em coma antes de acordar no leito do hospital. Quando abriu os olhos, meu funeral já havia acontecido. Tudo o que restava era uma lápide fria esperando por ele.Por causa da transmissão ao vivo, todos já sabiam da traição de Ícaro. A imagem do Grupo Marques foi severamente abalada.As ações despencaram, e o conselho de administração decidiu, por unanimidade, suspender Ícaro da presidência.Ao ouvir o relatório da secretária, ele apenas assentiu com o rosto inexpressivo. Depois, voltou a se sentar diante da minha lápide, onde passou a tarde tocando e cantando minha música favorita.Só ao entardecer decidiu ir para casa. Sentou-se no meu antigo canto onde eu costumava ler e tomar chá e ficou ali, em silêncio.O quadro do nosso ensaio de noivado estava cortado ao meio. Mesmo assim, Ícaro pendurou a metade que restou na parede do quarto.Na parte onde faltava minha imagem, ele pegou pincéis e me desenhou. Como se, assim, eu pudesse continuar ao lado dele para sempre.
O mordomo começou a dispersar os convidados, bloqueando os olhares que ainda tentavam espiar. O chefe da segurança se aproximou para ajudar Ícaro a se levantar.Mas Ícaro afastou suas mãos com força, jogando-se sobre o caixão de cristal. Empurrou a tampa e, com as mãos trêmulas, tocou meu rosto.Tudo o que sentiu foi o frio da morte.Tirou o próprio paletó e cobriu meu corpo, enquanto esfregava minhas bochechas com as mãos. As lágrimas escorriam e caíam sobre meu rosto.— Isadora, por que você está tão gelada? Vou colocar roupa em você, aí você vai esquentar. Acorda, amor. Eu te levo pra casa. Isadora, hoje é o nosso casamento. Sem você, como eu vou viver? Você foi mesmo capaz de me deixar aqui, sozinho?A voz dele já saía falhada.Um dos funcionários se aproximou com meu celular. Entregou nas mãos de Ícaro, com um tom neutro, impessoal:— Este é o celular da senhorita Isadora. Há um recado deixado para o senhor.Ícaro olhou a tela. A gravação era da noite de dois dias atrás, às dez da
A tela se acendeu. No vídeo, dois corpos se entrelaçavam sobre a bancada da cozinha. Depois, no sofá da sala. Diante da janela panorâmica.Tudo estava sendo transmitido ao vivo.O número de espectadores saltou de algumas dezenas de milhares para centenas de milhares em segundos.Ícaro foi o primeiro a reagir. Gritou com o mestre de cerimônias:— Desliga isso! Tira do ar agora!O apresentador, pálido, mal conseguia se mover. Ele só havia recebido o pen drive, dizendo que era um vídeo especial da noiva. Desesperado, ele correu até o computador para interromper a exibição, mas o vídeo não parava de tocar.Ícaro correu até lá. Tentou ele mesmo encerrar o arquivo. Nada funcionava. Então arrancou o cabo de energia. Mas a tela continuava ligada. O vídeo estava conectado por outro fio, escondido sob o chão.Agora, a câmera mostrava a cena de frente. E o áudio seguia:— Minha noiva está lá fora. Mas a minha bebê está bem aqui embaixo de mim.Todos viram. Os dois corpos entrelaçados... eram do p
Dois dias antes do casamento, Ícaro e Ana deixaram marcas de desejo por todos os cantos da nova casa.No auge do calor entre eles, Ana o abraçou com força e sussurrou:— Eu posso te fazer ainda mais feliz. Me deixa ser a Sra. Marques?Mas, para sua surpresa, o mesmo homem que segundos antes prometia comprar-lhe uma casa enquanto a envolvia com desejo, de repente parou.Seu olhar ficou sóbrio, direto, e ele respondeu com frieza:— Ana, desde que você não leve confusão pra frente da Isadora, eu posso te mimar o quanto quiser. Mas entenda seu lugar. Há coisas que não são pra você.Ana ficou visivelmente abalada. Três anos ao lado dele, e ainda assim não conseguia ocupar meu lugar.Mas ela sabia como agradar um homem. Mudou de posição, montando sobre os quadris firmes de Ícaro, e sussurrou com doçura.Logo, os olhos dele voltaram a se turvar de desejo e os sons indecentes voltaram a preencher o quarto.No dia do casamento, Ícaro se levantou cedo.Enquanto ajustava a gravata diante do espel
Ao voltar para casa, agora completamente vazia, levantei-me da cadeira e caminhei um pouco para movimentar as pernas. Depois de tanto tempo sem andar, meus passos ainda estavam rígidos, meio hesitantes.O celular tocou. Uma notificação. Uma foto chegou.Na imagem, uma mulher vestida de coelhinha apoiava as mãos na janela de vidro.A parte de trás da roupa fora puxada, revelando a cintura perfeita. Os cabelos estavam soltos, o olhar entregue.Atrás dela, Ícaro, completamente nu. Os músculos retesados, as mãos firmes na cintura da mulher. A posição indizível.Logo em seguida, um áudio foi enviado. Era o som dos gemidos dela, entrecortados de prazer, e os grunhidos roucos dele. Os estalos rítmicos dos corpos se chocando preenchem o ambiente.A voz de Ana surgiu ofegante:— Sr. Ícaro, a casa nova acabou de ser entregue e já vamos sujar a janela?Ícaro riu, a voz rouca, carregada de desejo:— Foi você que mandou o arquiteto colocar essa janela, lembra? Disse que queria ser fodida contra o v
Pouco depois de me deitar, senti dois braços fortes me envolverem pelas costas. Assustada, tentei me soltar. Mas o abraço só apertava mais.Era Ícaro. Ele exalava cheiro de álcool e um perfume enjoativo, o mesmo que eu havia sentido em Ana. Só de lembrar, já me dava náusea.Ele começou a gesticular, com um sorriso no rosto:— Isadora, hoje foi sua festa de aniversário. Por que saiu sem cortar o bolo? Ficou chateada? Amanhã vou te levar pra ver a nossa nova casa. Comprei uma mansão pra você. Já está todo decorado. Assim que casarmos, nos mudamos pra lá.Depois disso, tentou se aproximar para me beijar.Virei o rosto, desviando.— Você decide. Eu não quero ir. — Respondi, seca.Ícaro, surpreso com minha frieza, fez sinal em libras:— Isadora, você não quer mais se casar comigo?Ali, diante daquele “presidente poderoso” que agora parecia um homem inseguro, quase frágil, por pouco eu não cedia. Se não fosse por tudo que eu ouvira. Se não fosse por saber que foi ele quem me condenou à cadei
Ícaro percebeu que eu não tinha comido nada do prato e, apressado, fez sinal em libras:— Isadora, por que não está comendo?Olhei para aquele homem que exibia uma expressão de preocupação tão convincente.Forçei um sorriso e perguntei:— Sobre o que vocês estão conversando? Estavam rindo tanto.Ícaro afagou minha cabeça com carinho e respondeu, fazendo gestos com as mãos:— Estou contando nossa história. Eles estão morrendo de inveja do nosso amor.Em seguida, segurou minha mão e depositou um beijo suave sobre o dorso.Os convidados, ao verem o gesto, trocaram olhares cheios de deboche. Enquanto isso, meu coração ardia como se estivesse sendo queimado por dentro.Ele estava, na verdade, contando como transava com a amante do outro lado da minha parede. Mas me dizia que estava celebrando nosso amor.Com tanta naturalidade, provavelmente não era a primeira vez que me enganava desse jeito.— Estou cansada. Quero ir pra casa. — Falei, engolindo a ânsia de estar ali, cercada por gente que
Uma semana atrás, eu ainda era a noiva inválida do Sr. Ícaro.Acreditava piamente que ele me amava de verdade até recuperar a audição.Eu jamais me casaria com um mentiroso. Por isso, contratei um serviço de falsa morte. Sim, eu planejava comparecer ao nosso casamento — no caixão.Antes de desaparecer, porém, fiz o que sempre fiz, participei da festa de aniversário que Ícaro organizou pra mim, fingindo ser a noiva perfeita.Ele me empurrou na cadeira de rodas até a mesa, serviu minha comida com delicadeza e até descascou camarão com todo cuidado.Um dos amigos dele se aproximou, deu um tapinha no ombro de Ícaro e soltou, com um sorriso malicioso:— Marido dedicado, hein? Faltam só cinco dias pro casório. Mas e a Ana, sua amante? Vai me dar ela de presente?Ao ouvir isso, apertei o garfo com força. Esperei pela resposta de Ícaro.Ele terminou de colocar o último camarão no meu prato, pegou o guardanapo e limpou as mãos com elegância. Nem pareceu se importar com o insulto que acabavam de