Ícaro percebeu que eu não tinha comido nada do prato e, apressado, fez sinal em libras:
— Isadora, por que não está comendo?
Olhei para aquele homem que exibia uma expressão de preocupação tão convincente.
Forçei um sorriso e perguntei:
— Sobre o que vocês estão conversando? Estavam rindo tanto.
Ícaro afagou minha cabeça com carinho e respondeu, fazendo gestos com as mãos:
— Estou contando nossa história. Eles estão morrendo de inveja do nosso amor.
Em seguida, segurou minha mão e depositou um beijo suave sobre o dorso.
Os convidados, ao verem o gesto, trocaram olhares cheios de deboche. Enquanto isso, meu coração ardia como se estivesse sendo queimado por dentro.
Ele estava, na verdade, contando como transava com a amante do outro lado da minha parede. Mas me dizia que estava celebrando nosso amor.
Com tanta naturalidade, provavelmente não era a primeira vez que me enganava desse jeito.
— Estou cansada. Quero ir pra casa. — Falei, engolindo a ânsia de estar ali, cercada por gente que assistia minha desgraça com sorrisos nos olhos.
Sem esperar resposta, virei as costas e saí do salão.
Mandei uma mensagem para o motorista vir me buscar.
Quando o carro chegou à avenida central, ele pisou no freio de repente.
Levantei os olhos e vi os telões de dois shoppings exibindo a mesma mensagem, em letras gigantes:
“Isadora, casa comigo!”
As pessoas ao redor pararam para tirar fotos, animadas, sorrindo.
— Quanto será que ele pagou por isso? Ícaro é outro nível mesmo. Isadora tem muita sorte de ser amada por ele.
— Ouvi dizer que a Isadora é surda. Então o Sr. Ícaro escolheu esse jeito de pedi-la em casamento. Não foi só aqui na avenida central, não.
Todos os telões dos prédios comerciais em Cidade Luminaris vão exibir o pedido todos os dias, durante um mês. Isso é que é amor!
Todo mundo parecia encantado. Menos eu.
Apenas puxei os lábios num sorriso torto, de puro sarcasmo. Apertei o botão do vidro e murmurei para o motorista:
— Vamos.
Uma semana atrás, eu ainda teria ficado tão encantada quanto esses transeuntes. Todos os dias, nesse mesmo horário, eu pedia ao motorista que me levasse até ali só para assistir, emocionada, aos vídeos de pedido de casamento que Ícaro exibia pra mim.
Ícaro e eu crescemos juntos. Éramos amigos desde a infância. Ele sempre dizia que um dia ia se casar comigo.
Depois foi estudar fora, e quando voltou, já era o poderoso Sr. Ícaro.
E eu continuava sendo uma garota comum, vinda de um lar destruído.
Meu pai agredia minha mãe até ela fugir. Minha madrasta nunca gostou de mim. Depois que ela teve minha meia-irmã, eu praticamente virei uma empregada dentro da própria casa.
Sempre me senti como uma Cinderela, e via Ícaro como meu príncipe encantado.
Quando ele voltou, me tirou de lá. Pagou uma boa quantia ao meu pai para que ele permitisse nosso casamento.
Por isso, quando o carro veio na nossa direção, não hesitei em empurrar Ícaro para longe e tomar o impacto em seu lugar.
Minhas pernas foram esmagadas. Perdi a sensibilidade. E com o impacto, também perdi a audição por causa de uma lesão no ouvido interno.
Ícaro dizia que estava tentando me curar. Eu me submetia aos tratamentos. Mas nunca davam resultado.
Um mês atrás, minha melhor amiga voltou do exterior, trazendo com ela um médico estrangeiro, especialista renomado.
Ele me examinou e confirmou, meu caso era tratável.
A surdez era resultado de uma lesão no ouvido interno.
Minhas pernas podiam voltar a funcionar com uma nova cirurgia. Apenas os ossos não haviam sido corretamente reparados.
Fiquei feliz. Mas também surpresa. Ícaro nunca me dissera isso. Sempre dizia que meu caso era irreversível.
Mas, naquela época, eu acreditava de verdade que ele me amava. Nunca desconfiei. Agora eu via com clareza: Ícaro nunca quis que eu melhorasse.
Na terceira semana após a cirurgia, minha audição voltou. E eu já conseguia ficar de pé, mesmo que ainda devagar.
Achei que poderia surpreendê-lo no dia do casamento. Caminhar até ele, com minhas próprias pernas. Caminhar em direção à minha felicidade.
Imaginei tantas vezes o momento em que ouviria, da boca dele: “Bom dia, meu amor.” Soava tão doce na minha cabeça.
Mas o que ouvi no primeiro dia em que acordei com a audição de volta foi o som dos gemidos vindos do quarto ao lado — o sussurrar íntimo de Ícaro e Ana se provocando.
Ícaro e sua assistente já estavam juntos havia muito tempo. Durante os anos em que fiquei surda, eles flertaram diante de mim inúmeras vezes. E eu não sabia de nada.
A dor que atravessou meu peito foi tão forte que precisei me curvar e me abraçar, tentando respirar.
Lembrei das palavras dele na festa. Mesmo casado, ele não abriria mão de Ana.
Ícaro fez de tudo pra esconder a verdade. Até preferiu me manter inválida por toda a vida.
O vento gelado do inverno cortava como lâminas. Mas, naquele instante, foi esse frio que me despertou de vez.
Antes, eu o amava tanto que teria morrido por ele.
Agora, esse amor tinha morrido. E eu mostraria com atitudes que toda mentira, um dia, seria desmascarada.
Eu nunca mais toleraria ser enganada.