A noite já começava a cair quando deixamos a torre dos magos. O céu, antes tingido por tons dourados do fim de tarde, agora mergulhava lentamente em um azul profundo, salpicado pelas primeiras estrelas. A luz das janelas altas da torre se perdia nas sombras crescentes da cidade, e atrás de nós, Arpid se sentava entre livros e pergaminhos, envolvido pela luz pálida das velas e pelo mistério do colar que acabáramos de lhe entregar. Meu pai e eu saímos em silêncio. As palavras de Arpid ainda ressoavam em minha mente: “Este colar carrega mais do que poder — ele carrega história. Deem-me um tempo. Não o mostrem a ninguém, e voltem para casa. Eu os chamarei quando for a hora.” Seu tom era firme, quase grave, e mesmo sua expressão — geralmente serena e levemente cínica — estava carregada de uma seriedade que me deixou inquieta. Descemos as escadas espiraladas da torre até a base, onde os ventos da noite já começavam a se erguer. Nossas asas se abriram automaticamente, como se nossos corpos
O sol já brilhava intensamente quando deixei meu quarto. As sombras suaves da manhã ainda se agarravam às pedras do caminho, mas o calor começava a crescer. A luz atravessava a janela e tocava meu rosto com delicadeza, aquecendo-me com promessas de mais um dia. Espreguicei-me lentamente, sentindo os músculos ainda cansados da noite anterior. A lembrança de tudo o que havia ocorrido ainda rondava minha mente, densa como névoa. A aparição, o obelisco, a presença de Selyra… e agora, a espera por respostas que pareciam nunca vir. Tomei um banho rápido, permitindo que a água fria me despertasse completamente. Me vesti com minha túnica de treino, ajustando os braceletes com cuidado, e notei que minha irmã ainda dormia. Seu rosto tranquilo contrastava com a inquietação que crescia dentro de mim. Bebi um pouco de água e deixei a casa silenciosamente, indo direto para a arena. O som metálico de espadas se chocando e o farfalhar das asas em movimento era reconfortante. Naquele espaço aberto,
O sol já se erguia alto no céu quando decidi que não retornaria para casa. As palavras de Arpid ecoavam em minha mente: “Voltem amanhã, de qualquer maneira.” Hoje era esse amanhã. Meu pai, Altair, provavelmente já estaria lá, e eu não podia mais esperar. A inquietação que me consumia desde o dia anterior não me permitiria repouso até que obtivesse respostas. Despedindo-me de Esdras com um aceno, alcei voo em direção à torre dos magos. O vento cortava meu rosto, e as asas batiam com força, impulsionadas pela ansiedade que me dominava. A cidade abaixo parecia alheia à tempestade que se formava dentro de mim. As ruas movimentadas, os mercados cheios, tudo seguia seu curso normal, enquanto eu me dirigia ao epicentro de um mistério que poderia mudar tudo. A torre de Arpid surgiu no horizonte, imponente como sempre. Suas paredes de pedra branca reluziam sob o sol, e as janelas altas refletiam a luz como espelhos. Pousei suavemente na varanda principal e bati à porta com determinação.
Os dias passaram rapidamente. Minha rotina se dividia entre visitas à torre de Arpid, o retorno para casa e os treinos rigorosos que eu mantinha com disciplina. Era como se a repetição me ajudasse a manter o controle sobre a ansiedade, sobre as dúvidas que ainda pairavam no ar. O colar permanecia sob os cuidados de Arpid, e embora ele continuasse suas pesquisas, nenhuma nova revelação havia surgido. Os guerreiros harpias haviam reforçado a patrulha ao redor da floresta após os eventos recentes, mas nenhum deles relatara qualquer atividade incomum. Era como se o mundo tivesse mergulhado novamente em uma calma enganadora — uma pausa antes da próxima onda. Então o dia da viagem para Heits chegou. Bruce acordou cedo, agitado como se não houvesse dormido direito. Mas foi minha irmã quem realmente demonstrava a maior empolgação. Seus olhos brilhavam com uma curiosidade intensa, e ela falava sem parar, fazendo perguntas sobre o castelo, sobre o rei, sobre como seria atravessar os céus até
Depois de dois dias voando sem descanso, encontramos um local seguro para acampar: uma clareira escondida próxima a uma cachoeira. A queda d’água, com seu som constante e revigorante, era perfeita — refrescava o corpo cansado e nos oferecia água fresca para a jornada. Ali, a natureza parecia proteger seus visitantes. Eu me ofereci para assumir o primeiro turno de vigilância. Sentei-me numa pedra alta, com uma visão ampla do acampamento e da floresta densa ao redor. Meu pai, Altair, estava visivelmente exausto. Os traços tensos em seu rosto, o olhar pesado… Havia algo nele que me preocupava profundamente. Não era apenas o cansaço físico; era como se ele carregasse um fardo oculto. Desde nossa partida, ele mal falara comigo, e eu ainda não tivera coragem de confrontá-lo sobre suas ausências anteriores. Talvez o medo de saber a resposta me impedisse. O fato de ter sido praticamente órfã em outra vida tornara-me ferozmente protetora nesta. Era instintivo. Enquanto vigiava, deixei meus
Finalmente, após uma jornada que parecia interminável, chegamos à cidade de Heits. Os portões imponentes se erguiam diante de nós, altos e majestosos, guardados por sentinelas vestidos com armaduras de prata polida que refletiam a luz do sol matinal como espelhos. Um frio percorreu minha espinha ao ver o tamanho da cidade, tão diferente das vilas pequenas pelas quais havíamos passado nos últimos meses. Tínhamos algum tempo livre antes de nos apresentarmos oficialmente às autoridades locais. Enquanto os demais do grupo cuidavam das formalidades para garantir nossa entrada segura no reino, aproveitei aquelas preciosas horas para me afastar discretamente. Minhas asas ainda estavam cansadas do voo constante, mas a curiosidade dançava incessante em minha mente, empurrando-me adiante. Eu precisava encontrar Rynriel. Algo nele me intrigava de uma maneira que eu não conseguia compreender por completo. — Rynriel?! — chamei, minha voz ecoando levemente entre as pedras ao pé de um pequeno mont
Acordou sobressaltada. O despertador piscava inutilmente no criado-mudo, mudo como sua própria voz, quando percebeu que já passava das oito. O coração acelerou como se fosse sair do peito, e o primeiro pensamento foi uma enxurrada de palavrões abafados. O tempo estava contra ela.Pulou da cama, vestiu a primeira roupa que encontrou no cabide — uma camisa amassada e uma saia que não combinava com nada — e desceu as escadas do prédio tropeçando nos próprios sapatos. O céu estava fechado, carregado de nuvens densas como chumbo. Nem teve tempo de pegar o guarda-chuva. Quando colocou os pés na calçada, a tempestade caiu com uma fúria quase pessoal.As gotas batiam no rosto como pequenos tapas. O ônibus atrasou, o trânsito estava um caos e, a cada minuto, seu estômago reclamava pela ausência de café da manhã. Chegou à empresa encharcada dos cabelos às meias, sentindo a roupa colada ao corpo, a maquiagem derretida e os olhares curiosos dos colegas de trabalho que disfarçavam mal os sorrisos
A escuridão foi se afastando aos poucos, dissolvendo-se em ondas suaves de calor e luz tênue. Marina sentiu-se flutuar num espaço sem forma, como se estivesse sendo embalada por braços invisíveis. Não havia dor. Nem memória. Apenas um estranho vazio sendo preenchido por sensações novas: o toque de algo macio, um som agudo como o assobio do vento… e depois, o som mais intenso que já ouvira: o próprio choro. Era o seu primeiro respiro. Era o início. O mundo explodiu ao seu redor em cores suaves e sons abafados. As pálpebras minúsculas se abriram com esforço, revelando olhos ainda úmidos, perdidos em um brilho difuso. Tudo parecia tremular, como se o mundo estivesse sendo visto através de uma fina camada d’água. A claridade machucava, mas logo se tornava familiar. Sentia o corpo pequeno, frágil e molhado, os pulmões lutando por ar, as mãos se movendo involuntariamente. Foi quando sentiu algo a envolvendo com firmeza, mas também com carinho. Um par de mãos fortes, porém delicadas, a