Laura e Miguel retornaram para o resort sem trocar mais palavras do que o necessário. Cada um tomou seu caminho: ele foi tranquilizar Helena, que estava preocupada com o atraso, enquanto Laura buscou refúgio em um banho e um remédio para a enxaqueca que começava a latejar em suas têmporas.
O almoço foi breve, mais uma tentativa de relaxar antes de voltar ao trabalho. Era véspera de Natal, e o resort ofereceria uma ceia especial para os hóspedes. Dessa vez, Laura estaria apenas como convidada, mas isso não significava que poderia descansar. O casamento de Helena e Miguel aconteceria no dia seguinte, em pleno feriado de Natal, e tudo, necessariamente, cada detalhe deveria estar no lugar, e Laura sabia que o menor deslize seria imperdoável para sua carreira. Naquela tarde, Laura foi até o salão de festas para revisar as marcações da cerimônia e da recepção. Antes de entrar, hesitou ao ser envolvida por uma voz melodiosa e aveludada que ecoava pelo ambiente. O som vinha de dentro do salão, escapando pela porta entreaberta e alcançando o corredor como uma carícia suave. Era transmitida com tanta emoção, que por um momento Laura ficou imóvel, temendo interromper a magia. Ao abrir a porta, Laura parou, surpresa. O salão estava vazio, exceto por Helena, que se movia no centro do espaço com uma graça quase hipnotizante. A melodia que ecoava pelo salão era familiar — a música que tocaria em sua entrada no casamento. Helena cantava com paixão e entrega. Seus olhos estavam fechados, sua voz preenchendo o ambiente com uma intensidade que parecia transbordar do coração. Seus movimentos eram fluidos, quase como uma dança performática, cada gesto reforçando as notas que escapavam de seus lábios. Não era só uma música, mas soava como a materialização de suas emoções, uma explosão de sentimentos, em uma performance íntima, feita para ninguém além dela mesma. Ela se divertia, rindo consigo mesma ao perceber o quanto se sentia bem ali, no palco da sua vida, mesmo que aquele palco fosse solitário e escondido. Laura ficou ali, imóvel, sentindo-se uma intrusa em um momento tão íntimo. Quando Helena terminou, o salão mergulhou no silêncio, quebrado apenas pelo som de sua respiração ofegante. Laura hesitou, dividida entre o encantamento e o medo de assustá-la. Mas, antes que pudesse se conter , suas mãos já estavam aplaudindo, o som ecoando pelas paredes vazias. Helena sobressaltou-se, virando-se de repente em direção à porta. Por um instante, ela pareceu assustada por ser pega, depois confusa tentando processar a situação. — Laura… — murmurou, com um sorriso hesitante. Laura retribuiu com brilho nos olhos, aplaudindo mais uma vez, agora devagar. — Uau, Helena! Isso foi… incrível!. Eu não fazia ideia… Você tem uma voz maravilhosa e canta tão bem! Helena sorriu timidamente, ainda com o ritmo da música pulsando no corpo. — Ah, não foi nada. Só estava me divertindo mesmo. Laura deu alguns passos em direção a ela, ainda com um sorriso no rosto. — Você estava brilhando, Helena. Imagine se você cantasse a música do casamento na entrada, seria lindo. Tenho certeza de que todos ficariam encantados. Helena olhou para o chão, o sorriso desapareceu lentamente, e ela soltou um suspiro. A emoção inicial se dissipou rapidamente. — Cantar? Bom… Não é exatamente o que a minha família espera de mim. — Ela falou com um tom mais baixo, como se temesse ser ouvida por mais alguém. Laura franziu a testa, aproximando-se ainda mais, sua expressão mostrando preocupação. — O que você quer dizer com isso? Helena demorou a responder. Começando a andar lentamente pelo salão, tentando organizar seus pensamentos., enquanto Laura a encarava com expectativa. — Eu sempre fui apaixonada por música. — A voz de Helena era baixa, como um desabafo. — Quando criança, fiz aulas de piano clássico, violino, balé… meus pais não se opuseram. — Ela deu uma risadinha amarga. — Era conveniente para eles ter uma criança prodígio para entreter os amigos. — Ela parou por um momento, olhando as luzes refletidas no chão polido do salão. — Mas aí cresci e quis mais. — Os olhos de Helena cintilavam com um toque de nostalgia. — Queria viajar pelo mundo, fazer turnês, sentir a música no palco… viver aquela paixão de ver o público entregando a alma, entende? — Helena fez uma pausa e olhou para Laura com um sorriso fraco. — Mas esse sonho não combina com a imagem de uma esposa perfeita e recatada. A música definitivamente não faz parte das expectativas da minha família.