A faca desliza pela maçã com o som úmido e macio, a luz da cozinha batendo nas fatias que eu empurro para dentro da tigela rosa da Cori. Tento focar só nisso, no simples ato de cortar fruta, como se isso pudesse me manter centrada. Helena está do outro lado do balcão, com a postura tranquila de sempre, medindo a temperatura da Cori e falando baixinho com ela, a voz suave que já virou parte da rotina.
Ela diz: “Tá tudo certinho, princesa”, e Cori sorri daquele jeito que sempre desmonta qualquer tensão.
Estou enxaguando uma uva quando ouço passos firmes na entrada da cozinha. Não é o ritmo rápido de alguém apressado, nem o cuidadoso de Helena. É pesado, lento, cansado.
Quando ergo o olhar, Matt está parado ali, sem nenhum presente na mão — o que por si só já denuncia alguma coisa — e o rosto dele parece até gasto. Como se ele tivesse carregado o dia inteiro nas costas.
— Você tá bem? — pergunto, tentando analisar cada detalhe do rosto dele, como se eu tivesse esse direito.