Gabriela narrando :Continuei comendo em silêncio, focando no prato, mastigando como se a comida pudesse abafar o gosto amargo que Henrique e Luísa deixaram só de aparecer. Cada garfada era uma luta pra não explodir.Rodrigo não disse nada. Só comia também, devagar, me respeitando no silêncio. Sem cobranças. Sem perguntas.E eu agradeci mentalmente por isso.Terminei meu prato com dificuldade, limpando a boca com o guardanapo, tentando engolir a humilhação junto com a comida.Rodrigo pediu a conta, discreto como sempre, e a garçonete logo trouxe a maquininha. Tudo parecia controlado. Tudo parecia que ia acabar sem mais dramas.Mas claro que não ia ser assim.Antes da gente levantar, eu vi pelo canto do olho a sombra se aproximando da nossa mesa.E quando olhei direito, lá estava ele.Henrique.De braços cruzados, um sorriso de escárnio nos lábios, como se ainda tivesse direito de aparecer na minha frente depois de tudo que fez.— Achei que você ia demorar mais pra arrumar alguém, Gabi
Rodrigo narrandoQuando ouvi a voz dela me chamando, parei no mesmo segundo.Me virei devagar, já imaginando que ela ia pedir mais alguma coisa sobre o trabalho.Mas o que veio… não tinha nada a ver com contrato.— Obrigada. Por hoje… por tudo. De verdade — ela disse, parada na porta da sala dela, com os olhos brilhando, a voz cheia de sentimento.Por alguns segundos, eu só consegui encarar.Aquela menina que eu vi crescer.Que eu acompanhei virando mulher, dona de si.Que agora, mesmo machucada, mesmo ferida, ainda tinha uma força no olhar que me fazia querer proteger ela do mundo inteiro.E, ao mesmo tempo…Me fazia desejar ela de um jeito que eu odiava sentir.Respirei fundo, tentando manter o controle.Afastei qualquer pensamento que não fosse respeito, amizade, proteção.— Não precisa agradecer, Gabi — falei, com a voz mais firme do que eu realmente sentia. — Cuidar de ti… não é favor. É o mínimo.E era mesmo.Não tinha nada que eu quisesse mais do que isso.Estar do lado dela.Ga
Gabriela narrandoEu tava na minha sala, ajeitando os contratos da reunião da tarde, tentando me manter ocupada pra não pensar em tudo que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro horas.Repetia pra mim mesma que era só mais um compromisso profissional. Que eu precisava focar no trabalho, mostrar que ainda era forte, que o que o Henrique fez não ia me derrubar.Mas por mais que eu tentasse fingir que tava cem por cento... A cabeça teimava em fugir.Principalmente toda vez que eu lembrava dos olhos do Rodrigo me encarando naquela manhã.Ou do jeito que ele se levantou pra me defender no restaurante, sem pensar duas vezes.Balançei a cabeça, como se pudesse expulsar esses pensamentos dali. Peguei os papéis, conferi tudo de novo, ajeitei meu blazer claro por cima da blusa básica e respirei fundo.Era só trabalho.Ajeitei o cabelo num coque bagunçado e conferi o horário no relógio.Faltava cinco minutos.Levantei, peguei a pasta e caminhei até a porta.Quando saí pro corredor, dei de c
Gabriela narrando :Saí da sala com a cabeça fervendo, tentando ignorar tudo o que tinha acabado de acontecer.Fui direto pra minha sala, guardei a pasta de documentos, peguei minha bolsa e respirei fundo. Queria sair dali.Queria esquecer essa tarde.Queria respirar um pouco sem ter que provar nada pra ninguém.Atravessei o corredor, apertei o botão do elevador e esperei em silêncio, sentindo aquele cansaço pesado tomar conta de mim.Quando as portas abriram, entrei sozinha e desci.O andar térreo tava movimentado, como sempre no final do expediente, mas eu passei direto. Cumprimentei o pessoal com um aceno rápido e segui em direção à saída.Assim que passei pelas portas de vidro…Parei. Encostado no carro que estava ali na calçada, tava ele.Matheus.O tal fornecedor sem noção.Ele tava de costas, falando ao celular, apoiado com um braço no teto do carro branco, todo casual, como se nada tivesse acontecido.Mas assim que me viu, desligou o telefone na hora.E, claro, veio direto na
Gabriela narrando :Fiquei mais um tempo ali, encostada no colo da minha mãe, sentindo o carinho dela tentando costurar os pedaços soltos que o dia tinha deixado.Mas logo o cansaço pesou de um jeito que não dava pra ignorar.Me levantei devagar e ajeitei o cabelo, soltando um suspiro cansado.— Mãe, eu vou subir. Preciso descansar um pouco — falei, tentando sorrir.— Vai, filha. Toma um banho bem gostoso e esquece esse dia. Amanhã é um novo começo — ela disse, apertando minha mão de leve.Assenti, peguei minha bolsa largada no canto da sala e subi as escadas com passos lentos.Cada degrau parecia pesar uma tonelada. Mas quando entrei no meu quarto e fechei a porta, senti uma paz diferente me invadir.Tirei os sapatos, larguei a bolsa no canto e fui direto pro banheiro.Abri a porta e acendi a luz.O banheiro era espaçoso, todo em tons claros, com aquele cheiro suave de sabonete e essência de lavanda que eu adorava.Me aproximei da banheira e comecei a enchê-la, girando o registro da
Henrique narrandoMeu nome é Henrique, tenho 24 anos.Nasci em berço de ouro. Meus pais sempre tiveram dinheiro, boas empresas, bons contatos. Eu cresci tendo tudo o que quis, sem precisar me esforçar pra nada.Carro, viagens, mulherada... era só pedir.E talvez por isso... eu nunca aprendi a dar valor de verdade pra nada. Nem pra ninguém.Quando conheci a Gabi... eu pirei.Uma morena linda, de sorriso fácil, cheia de sonhos, toda certinha.Virgem.Intocada.Do jeito que eu nunca tinha visto antes.Me envolvi com ela rápido. Me apaixonei também. Não vou mentir. Mas o problema é que... eu nunca consegui ser de uma só.Eu precisava da adrenalina. Da novidade.Mesmo com a Gabi sendo perfeita pra ser minha mulher, vinda de família boa, estudiosa, linda, com futuro brilhante, a verdade é que dentro de mim sempre teve esse lado podre que eu nunca consegui controlar.Traí ela.Muitas vezes.Mas sempre escondido. Sempre calculado.Gabi confiava em mim como uma idiota.E eu sabia aproveitar
Gabriela narrando :Tava ali deitada, olhando pro teto, a cabeça a mil.Pensando no Henrique.Pensando em tudo que aconteceu.E, no fundo, tentando convencer a mim mesma que não podia ter dó.Não podia.Ele mereceu.Cada lágrima que chorei, cada sonho que ele destruiu, cada pedaço do meu coração que ele quebrou sem pensar duas vezes.Tava tentando colocar isso na cabeça quando ouvi três batidinhas na porta.— Entra — falei, sem nem me mexer direito.Minha mãe abriu devagar, com aquele olhar meio preocupado.— Filha… a dona Sônia tá aí na sala. Quer falar com você.Na hora, virei de lado e encarei ela, surpresa.— O quê? — franzi a testa. — A mãe do Henrique? Agora?Ela deu de ombros, com um suspiro cansado.— Não sei o que é, filha. Mas vai ver… ela não tem culpa de ter um filho crápula.Fiquei ali parada uns segundos, sentindo o estômago revirar. Dona Sônia sempre foi boa comigo. Sempre me tratou como filha. Era difícil separar ela do filho que me traiu, me humilhou, me destruiu. Mas
Henrique narrando :Acordei com a cabeça latejando.A luz branca e fria do hospital me cegava. Tentei me mexer, mas o corpo inteiro doía. Cada músculo, cada osso. Os flashes do que aconteceu voltavam em pedaços desconexos: o bar, a bebida, a raiva, a briga... os socos, os chutes.Fechei os olhos, tentando organizar os pensamentos.Lembrei da Luísa correndo.Lembrei dos caras me espancando na calçada como se eu fosse um lixo.Lembrei de gritar, sem ser ouvido.Quando abri os olhos de novo, vi minha mãe sentada numa poltrona ao lado da cama.O rosto dela estava cansado, marcado pelas lágrimas.Ela percebeu que eu tinha acordado e se aproximou rápido.— Filho… graças a Deus — sussurrou, segurando minha mão.Tentei falar, mas a boca cortada dificultava.— Fica quieto. Não força — ela disse, ajeitando o travesseiro.Fiquei ali, calado, encarando o teto.O peso do que eu tinha feito, da vida que eu destruí, caiu de vez sobre mim. Sabia que tinha perdido tudo. Sabia que a Gabi nunca mais ia