Na sexta-feira à noite, Valentina se viu diante do espelho com uma dúvida existencial que só quem já passou por um encontro importante entenderia: vestido preto básico ou o macacão azul que ela sempre achou estiloso, mas que tinha um zíper traiçoeiro nas costas?
— O vestido te deixa sexy misteriosa. O macacão é mais “sou divertida e inteligente, mas também sei cozinhar arroz soltinho” — opinou Fernanda, sentada na cama com uma taça de vinho. — Arroz soltinho? — Ué, você quer impressionar ou não? Valentina riu, mas acabou optando pelo vestido. Era o mesmo que usara no primeiro encontro, o "erro" que deu certo. Se aquilo era uma espécie de superstição fashion, ela estava disposta a aceitar. Quando chegou ao restaurante — outro, mais casual, com luzes amareladas e uma playlist de MPB de fundo —, Rafael já a esperava. Dessa vez, na mesa certa. — Olha só, a dona do sorriso mais difícil de esquecer da Zona Norte — disse ele, levantando-se e abrindo os braços. Ela sorriu de volta, entrando na brincadeira. — E você, o cara da cadeira sete. O que veio parar na minha mesa como quem tropeça na sorte. Rafael puxou a cadeira pra ela. O gesto simples fez Valentina perceber o quanto estava desacostumada com gentilezas sem segundas intenções. O cardápio foi só um detalhe. Pediram massas, vinho e começaram a conversar como se o tempo entre os dois jantares tivesse sido apenas uma pausa, não uma semana inteira de pensamentos soltos. — Então, como me achou no I*******m? — ela perguntou, fingindo ar de detetive. — Confesso que virei um stalker de meia-tigela. Lembrei que você trabalhava com marketing, falei seu nome pro algoritmo e comecei a caçar. Quando vi uma Valentina rindo com uma legenda sobre “clientes que mandam briefing por emoji”, tive certeza. — Bingo — ela disse, rindo. — E você? Já stalkeou meu perfil? — Claro. Até achei fofo a foto com o cachorro. — Ele se chama Bruce, em homenagem ao Batman. Não me julgue. Valentina sorri. — Eu nunca julgaria um homem que ama cachorro. Já é meio caminho andado. A conversa fluiu com naturalidade. Rafael era o tipo de homem que ouvia, ria das piadas mais bobas e ainda fazia questão de devolver com uma tirada melhor. Valentina se pegava relaxando, coisa rara em encontros. Rara em qualquer interação romântica, na verdade. — Você sabia que nosso encontro aconteceu exatamente no Dia dos Namorados? — ele comentou, girando o vinho na taça. — Eu sei. Ironia ou sinal do universo? — Eu prefiro pensar como teste do destino. Se a gente conseguiu rir daquela situação, talvez a gente aguente qualquer coisa. — Olha, não sei se tô preparada pra tanta profundidade num jantar com vinho barato — brincou ela. — Tudo bem, a gente pode fingir que isso é só um jantar entre dois desconhecidos muito simpáticos. — E com um leve histórico de confusão — completou ela. Eles riram, e Valentina percebeu que não precisava se moldar, controlar as palavras ou medir o que dizia. Com Rafael, ela podia ser exatamente quem era — meio atrapalhada, sarcástica e cheia de teorias sobre romances improváveis. — Posso confessar uma coisa? — ele disse, mais sério. — Claro. — Eu tinha esquecido como era sentir isso aqui — apontou para o próprio peito. — Essa empolgação leve. Como se qualquer coisa pudesse acontecer e ainda assim você saberia lidar. Valentina respirou fundo. — Eu também. Achei que tava quebrada demais pra me permitir gostar de alguém de novo. — Talvez a gente só precisasse errar de mesa mesmo — ele disse, tocando levemente a mão de Valentina, e os olhos dela brilharam com a simplicidade daquela frase. Já seu coração... Ah! Esse estava batendo descompensado, como há muito tempo não acontecia. ***💘*** Depois do jantar, caminharam até o carro de Valentina devagar, como se quisessem esticar o tempo o máximo possível. O ar estava frio, mas não o bastante pra ser incômodo. Ele ofereceu o próprio casaco e ela aceitou, mais pela gentileza do que pela necessidade. — Você sempre foi assim? — ela perguntou. — Gentil, calmo, do tipo que ouve mais do que fala? — Acho que a vida me ensinou que quem fala demais perde a chance de escutar coisas importantes. — E você já escutou alguma coisa importante hoje? Rafael parou, olhou bem nos olhos dela. — Escutei que você achava que estava quebrada. E vi o contrário. Você é só alguém inteira demais pra se encaixar em metades erradas. O silêncio entre eles ganhou um novo significado. Não era incômodo. Era aquele silêncio confortável que só existe entre pessoas que se entendem mesmo sem muitas palavras. — Você vai querer me ver de novo, Rafael? — Valentina vai direto ao ponto, de rodeios já bastava os que ela assistiu em Barretos. — Eu vou querer te ver amanhã, depois de amanhã, semana que vem. Mas por hoje, posso te dar um beijo? Seu coração, que antes estava descompensado, deu um salto quase saindo pela boca. Ela não respondeu com palavras. Só se aproximou. Se permitiu. O beijo foi lento, sem pressa, como se quisessem memorizar cada detalhe. Como se dissessem: “eu te achei” sem abrir a boca. Quando se afastaram, ela ainda segurava o casaco dele. — Vai querer de volta? — Só se for como desculpa pra te ver de novo. — Então acho que ele é meu agora — brincou ela. Rafael riu e acariciou de leve o rosto dela. — Boa noite, Valentina. — Boa noite, Rafael. A porta do carro foi fechada, e uma nova página da história desse encontro improvável estava sendo aberta. O que seria escrito? Só o destino poderá dizer. Na manhã seguinte, Valentina acordou com uma notificação no celular. Rafael: “Sonhei que você entrou de novo no restaurante errado. Só que dessa vez, era eu quem te esperava. E mesmo assim, você ficou.” Ela riu sozinha, ainda enrolada no lençol. Tocou os lábios, lembrando do beijo da noite anterior. Desceu para a cozinha onde Fernanda já estava preparando café. — Dormiu com cara de quem foi beijada do jeito certo — comentou ela, sem nem olhar. — Fui. E acho que posso estar entrando numa confusão boa. — “Confusão boa” é o nome do que a gente vive tentando encontrar e não tem coragem de assumir, Val. Vai fundo. — Ele é diferente, Fê. Mas no bom sentido. É leve. É engraçado sem forçar. E tem um cachorro chamado Bruce. Fernanda levantou a caneca num brinde improvisado. — Se isso não é um combo vencedor, eu não sei o que é. Ambas sorriam. E Valentina só desejava vê-lo outra vez. ***💘*** Enquanto isso, Rafael estava no parque com Bruce, jogando uma bolinha que ele mal buscava, só pra sair correndo e deitar na grama. Um amigo passou por ele e gritou: — Tá com essa cara de bobo por quê? Rafael sorriu. — Porque às vezes a vida erra o caminho certo só pra te colocar na direção exata. Rafael continua observando tudo a sua volta. Mas seu único pensamento era nela, na pessoa que transformou um lugar errado no maior acerto da sua vida.