Lorenzo Narrando...
A merda do café ainda está no meu terno. Armani. Preto. Único. Cada detalhe sob medida, tecido italiano, costura invisível, o tipo de roupa que grita poder sem precisar de logotipo. E agora está manchado. Um borrão marrom como se fosse sangue seco. Eu caminho em silêncio, mas por dentro… aqueles olhos azuis, me atormentam de uma forma que não tem explicação, só pode ser a indignação de como alguém pode ser tão desastrada. Chego ao setor jurídico. Gabriel está de pé, braços cruzados, trocando ideia com três advogados. Quando me vê, ergue a sobrancelha, analisa minha expressão e entende que não é hora de pergunta inútil. Ele me conhece demais. Ricardo — A ministra já mandou a cópia assinada digitalizada — ele fala baixo. — Contrato fechado. — Ótimo. — respondo, seco. Um dos advogados começa a explicar cláusulas, anexos, riscos calculados. Eu escuto, mas minha mente ainda volta pra cena do corredor. Helena. O nome ecoa como um sussurro irritante. Aquela garota de uniforme barato, com cheiro de desinfetante e mãos trêmulas. Uma mancha de café. Uma falha na minha ordem perfeita. — Lorenzo? — Gabriel me chama. — Quer que a gente processe os aditivos ainda hoje? — Façam. — digo. — E limpem qualquer detalhe que possa dar brecha pro marido dela. Eles assentem. Eu não preciso explicar muito. Aqui, cada palavra minha vale mais que um parágrafo de contrato. [...] Às 14h, já estou na sala de reuniões. Reunião com diretores. Cada um tentando impressionar, apresentando gráficos, relatórios, projeções. Eles falam, mas eu vejo além das palavras. Eu leio os medos, as hesitações, os deslizes escondidos nos olhos. — Senhores — corto a fala de um deles no meio —vocês estão olhando para números como se fossem apenas porcentagens. Isso aqui é guerra. Cada ponto que a concorrência ganha é um tiro contra nós. E eu não admito perder terreno. Silêncio. O peso da minha voz atravessa a sala. — Quero um plano de contenção em até 48 horas. Se não entregarem, eu substituo quem não conseguir. É simples. Eles assentem, nervosos. E continuamos ali discutindo assuntos referentes à empresa. [...] No fim da tarde, voltei pra minha sala. O relógio marca 17h12. O reflexo do vidro mostra meu rosto cansado, mas o olhar continua frio, firme. E então, de novo… o nome aparece na minha mente. Helena. Quem diabos é essa garota? Somente uma faxineira? A maioria que cruza comigo se curva, me evita, me idolatra em silêncio. Mas ela… ela foi diferente. Toco o botão do interfone. — Marta. — digo. — Traga o dossiê completo da funcionária chamada Helena. Setor, idade, histórico. Quero tudo. Ela hesita um segundo antes de responder. — Senhor, temos várias Helenas no quadro. — Então comece pela que quase me atropelou no corredor hoje cedo. Silêncio. Ela entende que não é um pedido. — Sim, senhor. Vou providenciar. Desligo o interfone. Apoio as mãos na mesa. Inspiro fundo. Preciso de controle. O celular vibra. Mensagem de Gabriel: “Encontrei algo interessante no balanço da YoruTech. Podemos usar isso contra eles.” Sorrio de canto. Mais um movimento no tabuleiro. Sempre existem peças a manipular, e eu sou o único que enxerga o jogo inteiro. Mas no fundo… não consigo ignorar. A imagem dela ainda está na minha cabeça. A expressão de susto, os olhos grandes, a voz trêmula pronunciando meu nome como se fosse uma sentença de morte. “Helena, senhor.” Caralhø. Por que isso não sai da minha mente? [...] A noite cai, e eu não vou pra casa. A cobertura na Faria Lima está vazia há dias. Eu não tenho tempo pra luxos de “lar”. O que eu tenho é trabalho, contratos e guerra corporativa. O resto é irrelevante. Ainda assim… abro o sistema interno da empresa. Digito: Helena. O banco de dados processa. Vários nomes surgem. Secretárias, assistentes, funcionárias da limpeza, estagiárias. Eu percorro linha por linha até encontrar. Helena Alves. 21 anos. Setor de serviços terceirizados. Admitida há um mês. Mãe afastada por doença. Endereço simples, periferia da zona leste. Sem histórico de advertência. Funcionária considerada dedicada. Leio devagar. Cada detalhe como uma peça de quebra-cabeça. Ela é só uma garota tentando sobreviver. Mas agora… ela entrou no meu radar. Fecho o sistema. Apoio a cabeça nas mãos. Respiro fundo. Não costumo perder tempo com coisas pequenas. Mas talvez… talvez não seja pequeno. Talvez seja apenas o começo de alguma coisa. E eu não acredito em coincidências. [...] O relógio marca 23h47 quando finalmente desligo o notebook. Levanto, pego as chaves do meu carro e saio da minha sala e caminho até o elevador. No elevador, o espelho reflete minha imagem: terno ainda manchado, gravata afrouxada. Um homem que carrega impérios nas costas. Mas que, por algum motivo inexplicável, ainda pensa no nome de uma faxineira. Helena. Engraçado. Contínua...