Lorenzo Narrando — Dia Seguinte
A manhã começa cinza. Levanto, tomo banho, visto outro terno. Preto, de novo. Nunca erro na escolha. No espelho, vejo o homem que todos temem: implacável, frio, impossível de derrubar. A campainha toca de novo, insistente. Eu saio do meu quarto, passo pelo corredor e desço as escadas, caminho até a porta com passos rápidos e abro. DROGA! — Heitor. — digo, surpreso com a sua presença. Meu pai. O homem que me deu o sobrenome, mas nunca me deu paz. Está parado na minha porta, paletó azul-marinho, bengala em uma mão, olhar severo, envelhecido. — Lorenzo. — ele responde, entrando sem pedir permissão. — Já não bastava você me evitar nas reuniões do conselho, agora também pretende me evitar aqui na sua cobertura? — Pai, eu preciso trabalhar, não estou com tempo para conversas. — replico, fechando a porta com força. — O que você quer? Ele anda até a sala, como se fosse dono do lugar. E, de certa forma, ele é. O império que eu administro foi construído com o sangue dele. Ele me olha, se j**a no sofá de couro como se estivesse muito à vontade. — Quero falar sobre o futuro. — diz, firme. — E o futuro não é só a V-Tech. O futuro é o nosso sangue, Lorenzo. Reviro os olhos. — Não começa. — Falo passando a mão na nuca e encarando ele. — Já comecei. — retruca, batendo a bengala no chão. — Você tem trinta anos. Trinta anos! E até hoje não me deu um neto. Vive cercado de contratos e mulheres que não passam da noite seguinte. Isso não é legado. Isso é desperdício. Rio de canto, sarcástico. — Legado? Eu já sustento um império avaliado em bilhões. Isso não é legado suficiente pro senhor? Ele estreita os olhos. — Dinheiro não segura sobrenome. Precisa de herdeiro. Precisa de continuidade, Lorenzo. — Herdeiro? — me aproximo, a voz baixa, mas cortante. — Eu sou o herdeiro. Eu sou a porrä do sucessor que manteve esse império vivo enquanto o senhor se aposentava em Paris. — Não se iluda, garoto. — ele dispara, e o veneno no tom ainda me atinge, mesmo depois de todos esses anos. — Se eu quiser, eu tomo tudo de você. Silêncio. Meu maxilar se contrai. Ele sabe onde cutucar. — Você não faria isso. — digo e ele puxa um sorriso de canto. — Quer apostar? — ele rebate. — As ações preferenciais ainda têm meu nome. O conselho ainda me respeita. Você acha que reina sozinho, mas não passa de um lobo alimentado por mim, Lorenzo. — Eu transformei essa empresa, pai. — minha voz cresce. — Eu a tornei global. Multipliquei o patrimônio. Fiz o que o senhor jamais teve coragem de fazer. Ele se levanta, lentamente, mas com a imponência que sempre teve. O olhar dele crava no meu. — Mas não deixou nada além de cifras. Nenhum herdeiro. Nenhum neto. Nenhuma família. Só contratos e prostitutas de luxo. Eu cerro os punhos. A raiva pulsa dentro de mim. — Família? — cuspo a palavra. — O senhor fala de família como se tivesse sido um pai. Onde o senhor estava quando minha mãe chorava sozinha em depressão, antes de se matar? Onde o senhor estava quando eu precisei de apoio, assim que ela faleceu? Espera... deixa que eu mesmo respondo... no maldito escritório né, assinando contratos. Igual eu. A diferença é que eu não me escondo atrás de discursos vazios. Ele engole seco, mas não recua. — Eu não quero discussões, Lorenzo. Estou fazendo isso justamente pra você não cometer os mesmos erros que eu cometi no passado. Você tem até o fim do ano. Ou aparece com uma esposa e um filho a caminho, ou eu te tiro do trono. O silêncio pesa. Minha respiração está pesada. — O senhor não vai fazer isso. — Eu vou. — ele afirma, sem pestanejar. — Chega de ver meu nome sendo arrastado em colunas sociais por causa das suas conquistas de alcova. Você vai se casar. Você vai me dar um neto. Ou eu tiro tudo de você. E você sabe que eu não brinco, Lorenzo. Você pode me odiar, mas lá na frente vai ver que eu estou fazendo isso para o teu próprio bem. Dou um passo à frente. Estou a centímetros dele. Meu olhar queima. — Tenta. — sussurro. — Tenta, e o senhor vai ver quem eu realmente sou. Ele me encara. Dois predadores frente a frente. Eu, o filho que aprendeu a ser fera. Ele, o pai que me ensinou a nunca demonstrar fraqueza. Por um instante, o silêncio é absoluto. Ele sorri. Um sorriso lento. — Você é igual a mim, Lorenzo. E é por isso que eu sei que vai ceder. Cedo ou tarde, mais vai. Ele vira as costas, caminha até a porta. Mas antes de sair, lança a última flecha. — Encontre uma mulher digna de carregar o nome da família Vasconcellos, e não aceito que seja àquela influencer, a tua preferida, você sabe bem de quem estou falando, quero alguém do nosso nível, que saiba se portar, que seja discreta. Encontre rápido. Ou já sabe. A porta se fecha. O som ecoa pela cobertura. Fico parado, olhando para o nada, sentindo o coração martelar no peito. Um neto. Um casamento. Uma chantagem. Meu pai acha que ainda pode me controlar. Que pode me prender na coleira do sobrenome. Mas eu não sou mais o garoto que ele esmagava com palavras. Eu sou o homem que pode destruir qualquer um. Ainda assim… as palavras ficam na minha cabeça. “Encontre uma mulher digna.” E como um eco maldito, o nome surge outra vez. Helena. Aquela garota simples. Aquela falha no meu dia perfeito. Será que o destino ousa brincar comigo desse jeito? Eu sorrio sozinho, um sorriso frio. Se meu pai quer um jogo, eu vou jogar. Mas nas minhas regras. E ninguém, nem mesmo ele, tem ideia de como eu posso ser cruel quando decido vencer. Contínua...