Mundo de ficçãoIniciar sessãoAo chegar em Montevino, uma pequena cidade encravada no coração da Toscana, Victor sentiu como se tivesse atravessado uma ponte invisível entre o passado pesado e um futuro ainda por escrever. As ruas de pedras antigas refletiam a luz dourada do fim da tarde, e cada casa parecia sussurrar histórias de gerações que viveram ali, entre flores nos parapeitos e janelas abertas para o céu. Um aroma de pão fresco misturava-se ao perfume suave das vinhas que cercavam a cidade, e ele respirou fundo, sentindo pela primeira vez em semanas um alívio que não sabia que precisava. Cada inspiração parecia purificar o coração ferido que carregava desde que deixara Madri.
Caminhando pela praça central, Victor observava a vida simples e intensa da cidade. Crianças corriam entre mesas de cafés com bandeirinhas coloridas, risadas se misturavam ao som de garrafas de vinho sendo abertas nas pequenas trattorias, e o sino da igreja, no centro da praça, marcava o meio-dia com um som profundo e reconfortante. Ele sorriu sozinho, como se reconhecesse ali um lugar que já pertencia a ele, mesmo sem nunca ter estado antes.
— “É aqui… acho que é aqui que eu vou recomeçar.” — murmurou, quase em voz baixa, como se estivesse selando um pacto consigo mesmo.
Sem perder tempo, tirou o celular do bolso e ligou para Rodrigo, seu amigo de longa data e confidente. O telefone tocou algumas vezes até que a voz familiar respondeu:
— “Alô, Victor?”
Um silêncio pairou do outro lado da linha, e então Rodrigo riu, meio nervoso:
— “Victor, você é louco. Mas se está feliz, eu apoio. Só não esqueça que sua vida inteira estava em Madri.”
Desligou, mas não pôde conter o aperto no peito ao pensar em Olivia e em Antony. As memórias invadiam sua mente com a delicadeza cruel de um punhal invisível. Recordou os momentos felizes, os planos que fizeram juntos, e o sorriso de Olivia, que agora parecia uma máscara bem ensaiada. Sacudiu a cabeça, tentando afastar o peso do passado, e respirou fundo, olhando novamente para os vinhedos que se estendiam até onde a vista podia alcançar.
Com o coração ainda pulsando forte, discou o número de sua mãe, Dona Marisa Ferrari. A voz dela do outro lado da linha sempre tinha o poder de acalmar tempestades.
— “Filho? Que surpresa boa. Está em Madri?”
Do outro lado, houve um silêncio que parecia pesar tanto quanto o que ele sentia. Mas então a voz firme da mãe surgiu, carregada de compreensão e força:
— “Sempre soube que isso não ia dar certo. Aquela moça era fútil, só estava com você pelo que representava. Não me surpreende nada.”
Victor respirou fundo, sentindo uma mistura de alívio e tristeza. Contou-lhe então seus planos, com cada palavra carregada de esperança e desejo de renascimento:
— “Decidi morar aqui, nessa cidade da Toscana. Quero abrir uma vinícola… construir algo meu, longe do passado.”
Do outro lado, sua mãe não apenas apoiou, mas demonstrou uma força que o fez se sentir protegido, mesmo a quilômetros de distância:
— “Então escute bem: eu, seu irmão Gabriel e sua irmã Sofia voltaremos a Madri. Vamos assumir a empresa junto de Rodrigo enquanto você estiver fora. Você precisa de tempo para si mesmo, e nós cuidaremos do resto.”
Victor engoliu em seco, emocionado. As palavras dela eram como um abraço apertado que atravessava fronteiras.
— “Obrigado, mãe. Eu não sei o que seria de mim sem vocês.”
Ele desligou e ficou alguns minutos apenas observando o horizonte, onde o sol começava a tingir as colinas de tons dourados e rosados. Um vento leve passou, trazendo consigo o perfume das uvas maduras e das flores silvestres que cresciam nas margens das ruas de pedra. Victor sorriu, sentindo pela primeira vez em muito tempo uma sensação de paz profunda.
Decidiu explorar um pouco mais a cidade. Cada passo parecia levá-lo mais para dentro de uma história antiga, mas que agora podia escrever do seu próprio jeito. Entrou em uma pequena loja de produtos artesanais e cumprimentou o dono, um homem idoso de sorriso fácil, chamado Lorenzo, que imediatamente o tratou com cordialidade.
— “Você é novo na cidade, não é?” — perguntou Lorenzo.
O gesto simples aqueceu ainda mais Victor. Sentiu que poderia, enfim, criar raízes naquele solo fértil e generoso. Enquanto caminhava pelos vinhedos que se estendiam atrás da cidade, lembranças de sua vida em Madri vinham à tona — momentos de risos, encontros, pequenas alegrias e, inevitavelmente, traições. Mas ele não permitiu que a amargura se instalasse; em vez disso, cada memória parecia ensinar-lhe algo, cada dor se transformava em combustível para seguir em frente.
Ao cair da tarde, sentou-se à beira de uma pequena colina, com a cidade iluminando-se suavemente abaixo dele. Observou os telhados vermelhos, as janelas floridas e os caminhos de pedra que se entrelaçavam entre as casas. Sentiu um nó no peito ao perceber que estava sozinho, mas também uma força nova, silenciosa e firme, crescendo dentro dele.
Pegou o celular novamente e escreveu uma mensagem para Rodrigo:
"Cheguei bem, e já sinto que estou onde deveria estar. Obrigado por acreditar em mim."
Enquanto esperava a resposta, Victor fechou os olhos e respirou o ar puro, sentindo a energia da terra, das vinhas e do céu. A Toscana parecia sussurrar-lhe promessas de dias melhores, de reconciliação consigo mesmo, de amor que ainda estava por vir.
Naquela noite, depois de se acomodar em uma pequena pousada com vista para os vinhedos, Victor se permitiu chorar, mas não de dor — de alívio. Cada lágrima parecia lavar a lembrança amarga de Olivia, cada soluço era um passo em direção a si mesmo. E quando finalmente adormeceu, sentiu que, pela primeira vez em meses, poderia sonhar de novo.







