6. Entre o desejo e o medo
A campainha tocou às 23h14.
Angélica desceu as escadas como se os degraus fossem invisíveis. Cada batida do coração soava mais alto que a chuva que começava a cair lá fora. Ao abrir a porta, encontrou Willian. Encharcado. O cabelo colado à testa, a camisa branca grudada ao corpo, os olhos fixos nela com uma intensidade que a fez estremecer.
— Você veio.
Ele não respondeu. Apenas entrou, e ela fechou a porta atrás de si.
Por alguns segundos, ficaram em silêncio, apenas se olhando. A sala estava mergulhada em penumbra, iluminada por uma única luminária ao canto. A respiração de ambos era pesada. Ele andou até ela, devagar, como se cada passo fosse uma escolha difícil.
— Por que fez aquilo? — ele perguntou, a voz baixa e carregada.
— Eu... precisava sentir algo. Qualquer coisa. Você sumiu, Willian. Não me ligou. Não apareceu. Me deixou sozinha — a voz dela falhou.
— Eu fui covarde — ele admitiu. — E egoísta.
Ela respirou fundo, a voz trêmula:
— Dói não lembrar de mim. Mas dói ainda mais sentir isso tudo por alguém que parece não me querer.
Ele se aproximou mais, até que o cheiro do seu perfume misturado à chuva preenchesse o espaço entre eles.
— Eu te quero. Deus, como eu te quero, Angélica.
Ela se arrepiou dos pés à cabeça.
— Mas você está com Diana...
— Eu ia me casar com ela. Mas desde que você abriu os olhos naquela cama de hospital... tudo mudou.
Angélica olhou para ele, sentindo os olhos marejarem.
— Você me conhecia, Willian. Antes de tudo isso. Por que não me disse logo?
— Porque era mais fácil fingir que eu era só seu médico. Era mais fácil manter distância. Mas agora... já não sei mais fingir.
Ela encostou-se no sofá, como se as pernas já não sustentassem mais.
— Eu sinto coisas por você que não sei explicar. Mesmo sem lembranças. Mesmo sem passado. É como se minha alma já soubesse quem você é.
Willian caminhou até ela, devagar. Seu rosto estava tão perto que ela podia contar cada gota de água que escorria por sua pele.
— Eu tenho medo de te machucar — ele sussurrou.
— E eu tenho medo de que você vá embora outra vez — ela respondeu, e os olhos dela suplicavam: fique.
Ele ergueu uma das mãos e tocou o rosto dela com a ponta dos dedos, traçando a linha do maxilar até o queixo. Era um toque terno, reverente, quase doloroso.
— Eu não vou mais embora — prometeu.
Ela fechou os olhos, sentindo o toque dele queimar como fogo sagrado. E então, pela primeira vez desde o hospital, ela sorriu com verdade.
— Fica comigo. Só hoje. Não quero dormir sozinha.
— Você tem certeza?
Ela assentiu, os olhos marejados.
— Não precisa acontecer nada... só... fica. Preciso do seu calor. Do seu silêncio. De você.
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Willian tomou um banho rápido e voltou com uma calça de moletom que Marta havia separado. Angélica já estava no quarto, sentada na cama, usando apenas uma camiseta larga e os cabelos soltos. A chuva lá fora engrossava, como se o mundo inteiro também esperasse aquele momento.
Ele entrou devagar, os olhos fixos nela.
— Você está bem?
Ela assentiu.
— Melhor agora.
Willian deitou-se ao lado dela, sem tocá-la, como se o colchão fosse território sagrado. Mas Angélica virou-se lentamente e deitou a cabeça em seu peito. Ele não hesitou: envolveu-a com os braços e a puxou contra si. Ficaram assim por minutos infinitos. O coração dele batendo em compasso acelerado contra a orelha dela. A respiração dela suave, como se enfim tivesse encontrado abrigo.
— Me conta mais de mim — pediu ela, baixinho.
Willian acariciava seus cabelos, os olhos perdidos no teto.
— Você era teimosa. E doce. Fazia perguntas demais e sorria como quem já sabia todas as respostas.
— A gente se dava bem?
Ele hesitou.
— Você era amiga da minha irmã, Ana. Vinha muito lá em casa. E... eu te observava. Sempre de longe. Era errado. Mas você me fascinava.
Ela ergueu o rosto, fitando-o.
— E agora?
— Agora eu não consigo mais olhar de longe. Eu te sinto aqui — e pousou a mão sobre o próprio peito.
O silêncio entre eles se encheu de verdades que não precisavam ser ditas. E, embora nada tivesse acontecido ainda, era como se tudo já estivesse acontecendo dentro deles.
Angélica fechou os olhos e, antes de dormir, disse:
— Se for um sonho, não me acorde.
Willian beijou sua testa e sussurrou:
— Eu também não quero acordar.