Dois dias.
Quarenta e oito horas desde a última troca com Melo. E ela segue me encarando como se eu fosse só mais uma variável incômoda no dia dela.
Spoiler: não sou.
Estava na sala de descanso com Dex e Lucas, tomando um café que não fazia nem cócegas no sono acumulado.
— Cara… — Dex largou o celular e olhou pra mim — você tá mesmo perdendo pro seu próprio funcionário?
— Ela não é minha funcionária — corrigi, automático. — Trabalha comigo. Não pra mim.
Lucas riu.
— Isso foi quase fofo. Tá ficando mole, chefe.
Revirei os olhos.
— Não é sobre isso. É que ela não j**a como o resto. Ela te responde com precisão. Não vacila. Não tenta agradar. E tem sempre um contra-ataque pronto.
— Ou seja, você tá viciado — resumiu Dex, dando um gole no café. — Te conheço. Quanto mais ela não se curva, mais você quer vencer.
— Não é sobre vencer.
— É sempre sobre vencer com você — rebateu Lucas.
Suspirei e deixei a xícara de lado.
— Ela é um projeto interessante. Complexa. E está sempre três passos à frente.
— E mesmo assim, você vai tentar hoje de novo — Dex disse, cruzando os braços com aquele sorriso de quem adora assistir meu ego sendo desafiado.
— Claro. Um bom estrategista nunca recua.
Lucas levantou as mãos como quem aposta:
— Aposto um almoço que ela te dá um fora novo.
Dex: — Dobro. Com direito a plateia no vidro da sala de reuniões.
Sorri.
— Vamos ver.
A sala de reuniões estava silenciosa. O clima, limpo.
Arquivos organizados. Tudo no lugar.
E aí entrou ela. Melo.
Desta vez, com uma blusa vinho escura, blazer preto e olhos ainda mais afiados do que dois dias atrás.
— Sr. Gonzales — disse, sem desviar o olhar. Sentou-se do outro lado da mesa e cruzou as pernas com elegância cirúrgica.
— Srta Cross — respondi, sentando à frente.
Ela tirou o notebook da pasta e começou a abrir os arquivos com rapidez. Sem rodeios.
— Trouxe as revisões do cronograma. Ajustei os pontos do custo de fundação como sugerido.
— Ótimo. Gosto de eficiência — falei, me inclinando levemente para frente, os cotovelos sobre a mesa. — Mas posso confessar? Senti falta do seu desprezo calculado ontem.
— Eu estava ocupada demais sendo produtiva — respondeu, sem sequer levantar os olhos.
— E hoje, vai sobrar algum desprezo pra mim?
Ela ergueu os olhos com calma. Os lábios quase formaram um sorriso.
— Hoje, talvez, só indiferença. Desprezo exige energia demais.
Sorri.
— Você é cruel, Srta Cross.
— Você é previsível, Sr. Gonzales.
Atrás do vidro, vi Dex surgindo com dois dedos erguidos em V. Lucas colocou um post-it na testa com um “3x0”.
Melo notou, mas disfarçou. Continuou digitando.
— Ainda assim — falei, me levantando e indo até o lado dela, apoiando uma das mãos na borda da mesa — você está aqui. Trabalhando comigo. Sendo incrível nisso.
— Não estou aqui para alimentar seu ego — ela respondeu, sem virar. — Estou aqui porque sou boa no que faço.
Inclinei o corpo levemente, falando baixo perto do ouvido dela:
— Isso é inegável. Mas não precisa esconder que gosta da tensão.
Ela virou o rosto em minha direção, lenta, os olhos colidindo com os meus.
— O que eu gosto ou deixo de gostar… é irrelevante para o projeto.
Aí estava. Fria. Intocável.
Mas demorou meio segundo a mais para responder. E isso, vindo dela, já era uma rachadura no controle.
Dei um passo para trás, sorrindo.
— Então vamos focar no projeto, Srta Cross.
— Finalmente algo sensato vindo do senhor — ela rebateu, virando a tela do notebook na minha direção.
Eu respirei fundo. Voltei para o outro lado da mesa.
Mas a verdade era que, por dentro, a cada palavra dela, eu estava mais longe do controle.
E, infelizmente… gostando disso mais do que deveria.