Capítulo 6

Primeiro dia.

Nova equipe. Nova rotina. Novo caos para organizar.

A parte que me conforta? O caos, pelo menos, obedece à lógica. Pessoas, não.

Mal entrei no andar e os olhares começaram.

Disfarçados, claro. Sorrisos mecânicos, cochichos abafados, curiosidade mal contida.

O típico comportamento de um ambiente acostumado com previsibilidade — e incomodado com qualquer exceção.

E eu era a exceção do dia.

O Sr. Gonzales — Ethan — fez questão de me conduzir pessoalmente até minha estação de trabalho.

Teatral, sutil. Mas estratégico.

Deixou claro para todos que eu não estava ali por acaso.

“Vai trabalhar diretamente comigo.”

Sim, ele realmente disse isso.

E sim, as entrelinhas foram lidas por todos.

O espaço que me foi designado era funcional, limpo, com visão parcial da sala de vidro onde ele ficava.

Coincidência? Não acredito em coincidências.

Me acomodei, revisei os arquivos que ele me passou e identifiquei o erro na planilha com facilidade.

O reforço estrutural foi subestimado. O tipo de falha que pode custar milhões — e alguém, talvez, estivesse testando se eu perceberia.

Teste aceito. Teste superado.

Estava terminando minhas anotações quando ouvi uma voz ao meu lado:

— A mulher que desafiou o CEO logo na entrevista… dizem que é você.

Virei devagar.

A dona da voz usava salto alto, blazer claro, cabelo impecavelmente alinhado.

Sorriso amigável. Olhar… nem tanto.

— Sou Melo — respondi.

— Natália. Coordenação de Comunicação. E observadora profissional de climões corporativos. — Ela sorriu como quem não tem pressa. — Já aviso: você causou.

— Por fazer meu trabalho?

— Por fazer seu trabalho na frente do Ethan Gonzales. — Ela se encostou na divisória, relaxada. — Isso sempre causa.

Não respondi.

Ela continuou:

— Olha, não me entenda mal. Ele é brilhante. Mas… tem esse dom de girar o eixo gravitacional da sala quando entra.

Você, no entanto, parece imune. Isso é… novo.

— Não estou aqui pra girar nada. Estou aqui pra entregar resultado.

Ela inclinou a cabeça, estudando meu rosto.

— Interessante. Só espero que consiga manter essa… neutralidade. Porque com ele, isso costuma ter prazo de validade.

Fiquei em silêncio.

Neutralidade não é uma pose pra mim. É sobrevivência.

Mas, por algum motivo, as palavras dela ficaram rondando minha mente mais do que deveriam.

Voltei ao trabalho.

Mais tarde, enquanto revisava uma planta técnica, ergui os olhos sem querer.

Do outro lado do vidro, Ethan estava me observando.

Não disfarçou.

Não sorriu.

Só me olhou, como se fosse ele quem estivesse tentando me decifrar agora.

A manhã passou entre arquivos, plantas e relatórios. Eu mantinha o foco, mas sentia os olhos em mim.

Alguns disfarçavam. Outros não faziam questão.

— Ei, nova! — uma voz masculina surgiu atrás de mim. — Precisa de ajuda pra encontrar a sala de descanso? Tem café decente lá. Quer dizer… quase.

Era um analista de projetos, camisa xadrez e tênis velho. Sorriso fácil. Postura relaxada.

— Estou bem, obrigada — respondi sem desviar do computador.

— Sou o Fábio. Não se preocupe, não sou parte do comitê de recepção hostil. — Ele riu. — Eles ainda estão processando a chegada da “favorita do chefe”.

Suspirei internamente.

Estava claro que o burburinho tinha nome: Ethan Gonzales.

— Não sou favorita de ninguém. — respondi firme.

— Claro. Mas sabe como é… você chegou com o selo “direto com o CEO”. Aqui, isso é tipo chegar com coroa na cabeça.

Ele riu mais uma vez e saiu, mas a frase ficou.

Pouco depois, outra voz feminina, suave, se aproximou:

— Se quiser almoçar longe do centro do furacão, tem uma padaria ótima na próxima rua. Eu posso te mostrar, se quiser.

Era uma jovem de traços delicados, cabelo cacheado preso em um coque alto, crachá dizendo “Letícia — Eng. Estrutural”.

— Obrigada. Eu costumo almoçar sozinha. Mas anoto a dica.

Ela assentiu, simpática.

— Qualquer coisa, estou na estação 12. Ah, e ignore o Fábio. Ele só quer companhia pro café — disse com um sorriso cúmplice e sincero.

Respirei fundo.

Nem todos estavam contra mim.

Mas também não estavam a favor.

Estavam apenas… atentos.

E quando você é mulher, nova, analítica, e “ligada ao CEO”, qualquer passo vira cálculo de precisão.

Eu estava salvando meu progresso quando a notificação surgiu:

“Reunião às 15h, sala G2. - Ethan”

Fechei o laptop, revisei mentalmente o que já tínhamos discutido no projeto de Itupeva e caminhei até a sala indicada.

Ele já estava lá. De pé, de costas para a porta, olhando pela janela.

— Sente-se, por favor — disse sem virar.

Obedeci.

Ele se virou lentamente, a expressão calma, mas os olhos… sempre em análise.

— Como foi seu primeiro meio-dia na Upper? Já tem uma planilha de impressões?

— Organização boa. Equipe técnica razoável. Alguns funcionários gastam mais tempo observando do que produzindo.

Ele sorriu, cruzando os braços.

— Precisa de ajuda pra lidar com o pessoal?

— Não. Só preciso que entendam que estou aqui pra trabalhar. E que o senhor não precisa me defender.

— Eu não defendo ninguém. Eu escolho pessoas que sei que aguentam a pressão.

Ele se sentou à minha frente, inclinando-se levemente.

— Mas você já sabia disso, não é?

Fiquei em silêncio.

Ele estendeu um novo documento.

— Aqui está o que quero que revise. O projeto de fundação vai exigir ajustes. E quero sua opinião sobre a composição de solo.

Peguei o papel. A análise começou automática, mas a presença dele tornava difícil ignorar o que não era dito.

Ele me observava com atenção cirúrgica. Não profissional — pessoal.

— Algo mais, Sr. Gonzales? — perguntei, sem tirar os olhos dos dados. Mas sentia o peso do olhar dele em mim, mais intenso do que antes.

Ele sorriu, cheio de um segredo.

Devagar, ele se levantou, caminhou até minha cadeira e a girou suavemente para me encarar de frente.

Então, apoiou as mãos na parte traseira da cadeira — uma de cada lado, quase me envolvendo.

Nossos olhos se encontraram com uma intensidade quase palpável.

Nossos rostos ficaram tão próximos que podia sentir o calor da respiração dele.

Quase, quase tocávamos os lábios.

— Você sabe — murmurou ele, a voz baixa e provocante — que muita gente não resistiria a isso.

Mantive o olhar firme, frio, impenetrável.

— Eu não sou “muita gente”, Sr. Gonzales.

Ele arqueou uma sobrancelha, visivelmente desafiado.

— Não, você j**a para ganhar.

— Exato. E para ganhar, não se perde o controle.

Ele deu um passo leve para trás, quase surpreso com a minha calma absoluta.

— Você é mais perigosa do que eu imaginava.

— Talvez você tenha subestimado o jogo — respondi, com a voz baixa, quase sussurrando.

Ele soltou uma risada curta, um brilho de admiração nos olhos.

Meus dedos apertaram o braço da cadeira, sentindo a tensão elétrica no ar.

— Relatório até o fim do dia — declarei, girando a cadeira de volta para a mesa.

— Estarei esperando — disse ele, ainda me observando, tentando esconder que aquela proximidade o havia mexido.

Saí da sala com o coração acelerado, mas a mente focada.

Controle, Melo. Sempre controle.

Mas que jogo seria esse, se o tabuleiro já estivesse pegando fogo?

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